O Globo – Promessa antiga, a primeira concessão de ferrovia de transporte de passageiros do país começa a sair do papel. O pontapé inicial deve ser dado pelo trecho entre Brasília (DF) e Luziânia (GO), cujos estudos estão na fase final de ajustes e devem ser alvo de consulta pública ainda este ano, com leilão previsto para 2026. Os projetos para as ligações ferroviárias entre Salvador e Feira de Santana, na Bahia, e entre os municípios paranaenses de Maringá e Londrina também estão adiantados.
Atualmente, apenas duas ferrovias no país servem ao deslocamento da população comum, excetuando-se as que fazem apenas passeios turísticos. Ambas são administradas pela Vale: a Estrada de Ferro Vitória-Minas e a Estrada de Ferro Carajás. Mas elas não foram alvo de uma concessão específica, são uma obrigação no contrato para transporte de carga.
A dificuldade de conceder ferrovias de passageiros à iniciativa privada passa pelo custo do modal e a perspectiva de retorno do investimento. Somente a cobrança de passagens não fecha a conta. Para tirar a promessa do papel, o governo Lula vem adotando algumas estratégias. A primeira é aproveitar a malha de ferrovias abandonadas ou subutilizadas.
Seis projetos-pilotos e aporte público
Com base em um estudo inicial do LabTrans, laboratório da Universidade Federal de Santa Catarina, o Ministério dos Transportes chegou a uma lista inicial de seis projetos-pilotos. Além dos três que já estão mais adiantados, há ainda planos para Pelotas-Rio Grande (RS), Fortaleza-Sobral (CE) e São Luís-Itapecuru Mirim (MA). Os trechos foram escolhidos levando em consideração análises sobre o fluxo de pessoas, critérios econômico-financeiros e o potencial de atração de investidores.
Mesmo assim, será necessário fazer algum aporte público nos projetos para que eles parem de pé. Mas o Ministério dos Transportes quer usar operações imobiliárias para reduzir o volume de recursos do Tesouro Nacional que serão necessários para tornar os projetos viáveis.
A ideia é integrar à concessão terrenos adjacentes à linha férrea, de modo que a empresa vencedora do leilão possa ter uma receita secundária, com a gestão imobiliária de galpões logísticos, prédios corporativos ou para moradia.
Interlocutores do governo saíram animados de conversas com bancos para avaliar a viabilidade da utilização de operações do setor imobiliário para alavancar as garantias financeiras dos projetos de linhas férreas. A proposta é que a alternativa possa ser usada para qualquer tipo de concessão ferroviária, mas o entendimento é que a sinergia é maior com o trem de passageiros.
Desenvolvimento ao longo dos trilhos
A existência do meio de transporte tende a valorizar as regiões próximas a linhas, o que traz dividendos para os negócios imobiliários. Esse modelo é inspirado, inclusive, na experiência de países como Inglaterra e Cingapura, em que o desenvolvimento ocorreu ao longo dos trilhos.
André Paiva, consultor da Tendências Consultoria, afirma que a integração das concessões a operações imobiliária faz sentido econômico, porque permite a diversificação das fontes de receita, reduzindo a dependência de tarifas e do aporte do governo.
Ele explica que projetos ferroviários demandam expressivo volume de recursos, que são amortizados por um longo período, o que torna desafiadora a modelagem das licitações para passageiros, porque pequenas mudanças nas estimativas de usuários afetam as projeções de retorno do investimento.
— Os projetos de trens regionais utilizando a infraestrutura já construída são um caminho interessante, no sentido de reduzir os custos de implantação e possibilitar o início mais célere da operação pelo privado, beneficiando a rentabilidade do projeto.
O especialista aponta, contudo, que a opção pelo real estate demanda, em muitos casos, alinhamento com diferentes órgãos reguladores, como de transporte, urbanismo e meio ambiente:
— É um desafio complexo, pois a discussão sobre a transversalidade entre a regulação de diferentes segmentos do Poder Público ainda é algo incipiente no Brasil.
Primeiro teste será no Centro Oeste
O primeiro teste do novo modelo deve oferecer nova opção de transporte entre Luziânia (GO) e Brasília (DF), o único dos seis projetos considerados pelo governo federal que envolve dois estados. Isso se deve às condições peculiares da capital federal, que tem integração muito grande com os municípios goianos do entorno.
Segundo o secretário do entorno do Distrito Federal do governo de Goiás, Pábio Mossoró, existe uma linha para transporte de carga na região, operada pela FCA, mas a utilização está abaixo da capacidade. Há possibilidade de devolução da concessão.
A ideia do governo federal é adequar a malha para Veículo Leve sobre Trilhos (VLT). A FCA, por sua vez, disse que o trecho integra o processo de renovação da concessão, que está em curso nos órgãos responsáveis.
Na segunda-feira, Mossoró tem reunião com o secretário Nacional de Transporte Ferroviário, Leonardo Ribeiro, para tratar do projeto. A ideia, segundo ele, seria ligar a região de Jardim Ingá, em Luziânia, à antiga Rodoferroviária, no Cruzeiro Velho (DF), passando pelo município de Valparaíso de Goiás.
O transporte público no trecho é considerado caro e ineficiente. Além disso, há atuação de grupos em situação irregular. Com trânsito, a viagem de ônibus entre o ponto inicial e final chega a durar mais de 2 horas ao custo médio de R$ 12. O fluxo de passageiros gira em torno de 20 mil a 25 mil pessoas diariamente.
Goiás e Distrito Federal já anunciaram a formação de consórcio para melhorar a gestão do transporte, hoje realizada pela Agência Nacional de Transporte Terrestre (ANTT), e possibilitar a concessão de subsídios nas passagens. Mossoró afirmou que acredita que há possibilidade de o governo de Goiás aportar recursos para viabilizar a concessão ferroviária.
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