Valor Econômico – O Tribunal de Contas da União (TCU) estrutura uma nova norma que vai alterar o rito processual e visa garantir mais transparência aos acordos de solução consensual em contratações públicas bilionárias, inovação da corte criada há dois anos e que possibilita a mediação de negociações entre o poder público e empresas que atuam em setores regulados e encontraram problemas em contratos de concessão.
Em entrevista ao Valor, o presidente do TCU, ministro Vital do Rêgo, afirmou que o objetivo é reforçar a credibilidade e transparência nos processos, além de sinalizar que empresas que já fracassaram em negociações anteriores, como no caso do aeroporto de Viracopos (Campinas), não terão uma segunda chance de chegar a um consenso com o órgão.
A SecexConsenso recebeu duras críticas de especialistas que consideravam os acordos excessivamente benéficos às empresas que descumpriam contratos públicos, principalmente por alegação de falta de transparência nas negociações. Neste período, 37 pedidos de negociação já foram protocolados, sendo que sete foram recusados e 14 acordos homologados – o acordo do aeroporto do Galeão será o 15º.
Sobre os ajustes propostos para a negociação dos próximos acordos, Vital do Rêgo explicou que a estratégia é garantir maior transparência às informações disponibilizadas no curso da negociação, além de incorporar as melhores práticas adotadas isoladamente nos acordos aprovados como forma de padronizar os procedimentos futuros. O ministro Jhonatan de Jesus foi sorteado relator da proposta de revisão da instrução normativa (IN) da solução consensual.
Dentro da proposta de padronização, o TCU quer exigir que todos os acordos costurados sejam submetidos à aprovação do comando das agências reguladoras e do conselho de administração das empresas antes de seguir para votação, no plenário da corte de contas. Além disso, os ministros pretendem fixar um prazo para constituir a Comissão de Solução Consensual (CSC), na qual os termos do acordo são negociados.
O presidente do TCU rebate as críticas e defende a negociação como um caminho legítimo para evitar ou encerrar litígio na Justiça. Ele frisa que isso acaba por travar investimentos, impedindo que benefícios definidos na contratação cheguem à sociedade.
“O consensualismo não é uma ideia nossa, é uma tendência mundial no direito administrativo. Há muitos anos a França já faz isso, e os Estados Unidos também. É o caminho mais rápido para a solução de conflitos em que todos ganham”, argumentou o presidente.
Além de buscarem o aperfeiçoamento do rito de negociação, o TCU deve incrementar a equipe da SecexConsenso com mais 54 auditores deslocados de outras áreas do tribunal. O setor deve ser reforçado com a contratação de mais 40 técnicos, por meio de concurso público, e investimento no setor de tecnologia da informação (TI).
O conjunto de medidas pensadas para apoiar a área de resolução de conflitos tem como pano de fundo a preocupação dos ministros de dar credibilidade aos acordos. “Talvez, essa nova norma não seja a última. Vamos aprender dentro do processo, mas com um foco determinado de destravar grandes investimentos no Brasil”, defendeu o presidente do TCU.
No caso do aeroporto de Campinas, o tribunal de contas esperava avançar na definição sobre os valores de indenização à concessionária Aeroportos Brasil Viracopos (ABV), concessionária do terminal. O cálculo vinha sendo discutido no processo de relicitação de ativos que vinha sendo negociado com a Anac, no qual o pagamento dos valores garante o reembolso dos investimentos pelo novo operador que vencer o leilão.
Confirmada a recusa do TCU, a Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) deve reabrir o processo de caducidade (cancelamento) do contrato de concessão. O tribunal já havia, na semana passada, rejeitado o pedido de prorrogação de prazo para publicar o edital de relicitação, levando a agência a conduzir o processo de retomada da concessão.
“Viracopos fracassou porque os caras esticaram muito a corda. Entenderam que não precisavam mostrar os números que a gente queria que eles mostrassem. E aí pronto, perderam a chance”, disse Vital do Rêgo. “Eles, agora, querem uma segunda rodada, e eu não vou permitir. Não tem segunda chance porque, senão, você perde a credibilidade.”
Na avaliação do presidente do tribunal, a ABV não cedeu nas negociações para que tudo fosse resolvido dentro de uma solução consensual de conflito. Nela, o contrato seria repactuado e haveria possibilidade de manter a concessionária à frente da operação. Esta foi a saída encontrada, por exemplo, para reequilibrar o contrato do aeroporto Galeão, no Rio, cujo acordo foi aprovado pelos ministros da corte no dia 4 de junho.
“Para você ir ao consensualismo, você tem que estar desapegado de questões emocionais, tem que ser pragmático e pensar que ‘estou perdendo aqui, mas posso ganhar ali’”, explicou o presidente do TCU.
De acordo com ele, a concessionária chegou a pedir uma segunda rodada de negociação. Na última semana, o TCU negou mais um pedido. “Peremptoriamente, eu não aceito. Enquanto eu for presidente, a SecexConsenso [Secretaria de Controle Externo de Solução Consensual e Prevenção de Conflitos, do TCU] só vai para a frente, ela não vai atrasar, nem recompor um quadro de negociação para quem quer que seja, porque senão todo mundo vai querer uma segunda chance”, disse.
Procurada pelo Valor , a concessionária Aeroportos Brasil Viracopos afirmou que preferia não se manifestar.
Somente em concessões rodoviárias, o ministro dos Transportes, Renan Filho, esperava garantir investimento de R$ 110 bilhões com a chamada “otimização” de 14 contratos com negociação mediada pelo TCU.
Além de tratar de concessões de rodovias e aeroportos, a solução consensual viabilizou acordos nos setores de ferrovias, energia elétrica e telecomunicações. Novas áreas começam demandar negociação de contratos nas áreas da saúde (complexo industrial) e fundiária (ocupação de área da Codevasf por megaprojeto de usina solar), o que deve impulsionar acordos futuros por parte do órgão de controle externo.
Vital do Rêgo conta que nem sempre o objetivo dos acordos de solução consensual servem para destravar investimento. Segundo ele, existem casos que livram o contribuinte do risco de perdas bilionárias de ações na Justiça.
Essa situação foi observada, por exemplo, nos processos de arbitragem da Telefônica, dona da marca Vivo, e da concessionária de rodovia Via Bahia, que reivindicavam indenizações da ordem de R$ 30 bilhões e R$ 6 bilhões, respectivamente.
A Via Bahia tem o histórico de uma década de litígio com a Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT). Isso resultou no abono de obras e garantiu blindagem contra a cobrança de penalidades contratuais. Para assegurar a saída da empresa, o acordo firmado no TCU resultou no pagamento de indenização no valor de R$ 600 milhões para a empresa.
Seja o primeiro a comentar