G1 – Atualmente inativa em grande parte de sua extensão, a malha ferroviária da antiga Sorocabana tem uso considerado em diferentes projetos de transporte de carga, passageiros e trens turísticos. A federalização e concessão da antiga Ferrovia Paulista S.A. (Fepasa), no final dos anos 1990, dividiu a antiga EFS em corredores de transporte de carga no interior e litoral, enquanto os trilhos na Região Metropolitana de São Paulo (RMSP) ficaram dedicados ao transporte metropolitano de passageiros das atuais linhas 8 e 9.
A linha Mairinque-Santos, com aproximadamente 150 quilômetros, compõe o maior corredor de exportação do agronegócio brasileiro e liga o norte e o centro-oeste do Brasil ao Porto de Santos (SP). O que contrasta com os 319 quilômetros de linha enferrujando entre Mairinque (SP) e Bauru (SP), no interior de São Paulo.
Eles fazem parte da chamada Malha Oeste, que passa por Sorocaba (SP) e Botucatu (SP) e era utilizada para o transporte de celulose entre o Mato Grosso do Sul e o Porto de Santos até 2022 pela empresa Rumo.
O contrato de concessão termina em 1º de julho de 2026 e já em 2020 a concessionária protocolou, junto à Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT), um pedido de adesão ao processo de relicitação (devolução) da concessão. No processo, a ANTT constatou que a infraestrutura da Malha Oeste, incluindo sua via permanente, encontra-se depreciada.
Durante anos, a concessionária realizou investimentos em patamares insuficientes para a sua manutenção, o que acarretou perda da capacidade de transporte. Os últimos trens de celulose que passavam por Sorocaba vinham trafegando com velocidades abaixo do potencial, entre 15 km/h e 25 km/h, com grande limitação do volume de carga.
A consultoria contratada pela ANTT estima que sejam necessários R$ 18 bilhões em investimentos para recapacitar a ferrovia, que tem um total de 1.625 km de extensão, sendo 1.306 correspondentes à antiga linha-tronco da Estrada de Ferro Noroeste do Brasil (NOB), que liga Bauru a Corumbá. O novo contrato de concessão terá vigência por 60 anos.
“O processo de relicitação da Malha Oeste segue em desenvolvimento, conforme recomendação do Tribunal de Contas da União (TCU). A previsão é que o novo leilão ocorra em 2026. A medida visa garantir que a transição para um novo contrato não comprometa o transporte ferroviário na região, assegurando a continuidade dos serviços até a conclusão do novo processo de concessão”, informou o Ministério dos Transportes, em nota.
Entretanto, fontes ouvidas sob condição de sigilo pelo g1 alertam para o risco do leilão não ter interessados, em razão do alto investimento necessário para a recapacitação da ferrovia – que, na prática, é uma reconstrução, com alargamento de bitola (distância entre os trilhos, de 1 metro para 1,60 metro) e aquisição e locomotivas e vagões novos.
Nesse cenário, a concessão da Malha Oeste em trechos pode ser uma saída. “Ainda não há definição sobre o modelo do projeto a ser leiloado”, afirma o Ministério dos Transportes. Também estão sendo apurados os ativos e passivos da vigência do contrato de concessão, o que pode determinar uma indenização, a ser paga pela Rumo à União, pela depreciação da infraestrutura da malha.
Alternativas
Desconsiderados no atual modelo de concessão do transporte ferroviário, que privilegia unicamente o transporte de cargas, os trens de passageiros e de turismo podem ajudar na viabilização da Malha Oeste em São Paulo desde que não encontrem entraves jurídicos com o novo concessionário.
É o que pensa Ewerton Henrique de Moraes, autor de tese sobre multicritérios para novos trens turísticos pela Universidade Federal do ABC (UFABC) e bolsista do CNPq em estágio de pós-doutorado na Universidade de Sevilha.
Segundo sua pesquisa, que utiliza dados disponibilizados pela ANTT, 48% da malha ferroviária nacional de bitola métrica (1,00m) está sem tráfego e requer soluções. É o caso da Malha Oeste e, especialmente, dos 80 dos 319 quilômetros da ex-EFS onde se pretende implantar trens turísticos: os roteiros Sorocaba – Iperó, Laranjal Paulista – Boituva e Botucatu, que constam do Plano de Turismo Ferroviário do Estado de São Paulo, recentemente lançado pela Secretaria de Turismo e Viagens.
“O turismo é um caminho, mas precisa encontrar condições jurídicas favoráveis e infraestrutura viável. O tempo e a morosidade são o principal desafio. A cada dia sem circulação, as condições da via pioram, e maiores serão os custos para uma eventual retomada”, pontua, lembrando que casos de invasões de faixa de domínio e furtos de trilhos tem se agravado com a paralisação do tráfego.
“Desde 2010 se fala em trens turísticos nessa região. Naquele momento, a carga ainda circulava, diferente da paralisação vivida desde 2022. Contudo, o cenário legal sempre foi complexo, um desafio para as iniciativas. A legislação do setor exige primeiro um acordo com o concessionário, o Contrato Operacional Específico (COE), e só depois o projeto avança. O poder está desequilibrado”, aponta.
O governo estadual também considera outras possibilidades de uso para a Malha Oeste enquanto transporte de passageiros de alto carregamento, com o uso de 11,5 quilômetros de linha em Sorocaba pelo Trem Intercidades – Eixo Oeste (São Paulo – Sorocaba) e um serviço de Veículo Leve Sobre Trilhos (VLT) entre Brigadeiro Tobias (bairro de Sorocaba) e Iperó, com 25 quilômetros de extensão.
O projeto mais avançado é o do TIC Oeste, com demanda projetada de 50 mil passageiros por dia e investimento estimado de R$ 11,9 bilhões que o estado tentará levantar com Parceria Público-Privada (PPP) mediante concessão por 30 anos. Conforme a Secretaria de Parcerias e Investimentos (SPI), a estimativa é publicar o edital e realizar o leilão no último trimestre de 2025, com assinatura do contrato no início de 2026.
“A consulta pública ocorreu durante o mês de maio e foi importante porque recebemos demandas da população local, como paradas do trem em Alumínio e Mairinque, onde vamos estudar a demanda e rever os estudos para inclui-las, assim como mudanças na estação de São Roque e uma parada em Barueri. Agora voltamos à prancheta para estudar isso melhor e explicar porque tomamos a decisão”, diz o secretário estadual de Parcerias e Investimentos, Rafael Benini.
Conforme o Ministério dos Transportes, as soluções de faixa de domínio para o futuro do projeto de passageiros, sejam elas de uso compartilhado, segregado ou exclusivo, serão discutidas “em momento oportuno entre os entes”, ou seja, os governos federal e estadual.
Além dos 11,5 quilômetros de linha da Malha Oeste, o projeto do TIC Oeste também prevê a utilização do Complexo Ferroviário de Sorocaba pelo concessionário do serviço de passageiros.
Malha Sul
Já os trechos da antiga Sorocabana entre Botucatu (SP) e Presidente Epitácio (SP), com 563 quilômetros, e Iperó (SP) a Pinhalzinho (PR), com 282 quilômetros, foram transferidos, nos anos 2000, para a Malha Sul, que também é explorada pela Rumo e encontra-se em fase de discussões para renovação contratual por mais 30 anos.
O g1 teve acesso a uma apresentação do Ministério dos Transportes e da ANTT que considera o trecho entre Botucatu e Presidente Epitácio como “sem viabilidade”. Nesse caso, é prevista a “redestinação de áreas e trechos economicamente inviáveis para trens turísticos, parques lineares, projetos de reurbanização e demais iniciativas de interesse público”.
Já o trecho entre Iperó e Pinhalzinho está sendo considerado para integrar o chamado “Corredor Mercosul”, uma alternativa para promover maior participação do Brasil na carga geral, por intermédio de parceria público-privada que recupere a ferrovia, a qual se conecta com o Uruguai em Uruguaiana, no Rio Grande do Sul.
A assessoria de imprensa da Rumo respondeu que o Governo Federal está revisando as concessões ferroviárias e definindo os próximos passos para o setor. “A Malha Oeste está em processo de relicitação, uma vez que o contrato atual termina em 2026. Já a Malha Sul, cujo contrato termina em 2027, está em fase de discussões com o Governo Federal sobre os próximos passos para o futuro da ferrovia.”
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