Valor Econômico – Após décadas de obras inacabadas, disputas judiciais e aditivos sem fim, o Brasil tenta consolidar um novo ambiente para concessões e parcerias público-privadas (PPPs). A estratégia passa por um conjunto de leis aprovadas nos últimos anos que buscam aumentar a segurança jurídica, dar mais previsibilidade a investidores e garantir que os projetos saiam do papel.
A expectativa está na aprovação do novo Marco das Concessões e PPPs, em tramitação no Congresso, que prevê consolidação de normas, reestruturação de contratos desequilibrados, limites à intervenção estatal e regras claras para a cessão de contratos. A avaliação do setor é que o novo marco sirva de base para uma fase de maior maturidade institucional nas relações entre o Estado e os concessionários.
“Um contrato nunca vai conseguir prever objetivamente todos os riscos que podem surgir ao longo dos anos”, explica o advogado Gabriel Carvalho, do escritório Pinheiro Neto. “A tendência que vem se consolidando é a de trazer maior previsibilidade, maior segurança jurídica.”
No governo Bolsonaro, as agências reguladoras ganharam novas atribuições. A exigência de planos estratégicos regulatórios plurianuais trouxe maior clareza sobre metas, prazos e prioridades de cada setor. Essa previsibilidade é vital para investidores que precisam operar com horizontes de retorno de até 30 anos. Ao mesmo tempo, dizem especialistas, a autonomia reforçada das agências contribui para blindar decisões técnicas contra interferências políticas.
Para o advogado Bruno Aurélio, sócio do escritório Demarest, ainda há falhas práticas na aplicação das normas regulatórias, apesar dos avanços legais. “O que precisa agora é fortificar autonomia e a tecnicidade das agências. Isso passa por fortificar o nível de pessoal e o ambiente técnico das próprias agências”, diz. Segundo ele, isso deve contribuir para dar mais rapidez à resolução de problemas e a julgamentos de pedidos de reequilíbrio de contratos ou de reenquadramento de obras, por exemplo.
Aurélio destaca ainda o papel do Tribunal de Contas da União (TCU). “Estar presente de forma mais contundente e realista contribui com o ambiente. Do ponto de vista regulatório, é muito mais uma aplicação da norma já existente do que necessariamente a existência de uma nova.”
Outro passo importante veio com a Lei da Liberdade Econômica, que atua sobre os bastidores administrativos da máquina pública. Ao simplificar processos e burocracias, facilita o início efetivo das obras, etapa frequentemente travada por exigências desencontradas ou sobreposições entre órgãos. Para o setor privado, isso representa menos incerteza; para o poder público, menos atraso.
Um instrumento de correção de rota, para evitar que o serviço público seja interrompido ou degradado, é introduzido pelo novo marco: o poder concedente – o governo – poderá intervir diretamente nas concessões em caso de riscos aos usuários, danos ambientais ou graves descumprimentos contratuais. Nesses casos, poderá ser nomeado um interventor e suspenso o mandato dos administradores da concessionária. O texto também permite que o governo realize aportes financeiros mesmo em concessões comuns, prática antes restrita às PPPs. A medida amplia a margem de modelagem dos projetos e permite ao Estado intervir de forma mais estratégica, sobretudo em áreas com retorno financeiro de longo prazo.
Um dos principais avanços previstos é a formalização dos contratos tripartites, que envolvem poder concedente, concessionária e financiadores. Solange Costa, do Mello Torres Advogados, destaca especialmente a possibilidade de os entes financiadores intervirem diretamente na concessão em situação de inadimplemento. “Isso garante não só a continuidade da prestação do serviço como a preservação da fonte de pagamento da dívida”, afirma.
Além disso, o novo marco viabiliza que o poder público atue com mais clareza e alcance na concessão de garantias. “O projeto viabiliza que a administração preste garantias contratuais de forma muito mais abrangente, com regras claras para sua formalização e execução. Isso pode ser especialmente relevante em concessões patrocinadas ou parcerias com entes subnacionais”, afirma a advogada.
Para atrair investidores mais robustos e evitar modelos frágeis que aumentem o risco de inadimplência, o projeto prevê critérios mais objetivos nas licitações, como a maior quantidade de obras executadas, o menor aporte público necessário e o maior percentual de receitas destinadas ao Estado como parâmetros de avaliação.
O texto ainda permite a junção de diferentes setores num mesmo contrato – combinar mobilidade urbana e saneamento básico, por exemplo – e abre margem para as concessionárias explorarem receitas acessórias ou associadas, como publicidade e parcerias, o que pode reduzir a dependência de tarifas ou repasses públicos. Também há estabelecidas regras mais claras para a transferência do controle acionário das concessionárias, facilitando o ingresso de novos investidores sem comprometer a continuidade dos serviços.
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