Valor Econômico – O governo federal planeja iniciar ainda em 2025 dois programas de licitações de infraestruturas logísticas, um voltado para ferrovias e outro para hidrovias, com o objetivo de reduzir a atual dependência do agronegócio do modal rodoviário, que, hoje, responde por 64,7% da movimentação de granéis agrícolas e fertilizantes do país, de acordo com dados do Núcleo de Logística da Fundação Dom Cabral (FDC).
O Ministério de Portos e Aeroportos (MPor) pretende publicar em setembro o edital da primeira concessão hidroviária do país, a Hidrovia do Rio Paraguai, e efetivar o leilão até dezembro. A hidrovia de 600 quilômetros de extensão abrange o trecho entre Corumbá (MS) e Porto Murtinho (MS) e deve estimular investimentos de R$ 13,9 milhões em 2026.
“A concessão vai garantir serviços de sinalização e dragagem permanente, melhorando a navegabilidade da hidrovia”, diz o ministro Sílvio Costa Filho, do MPor. Nos últimos cinco anos, o transporte pelo rio foi paralisado, em média, 65 dias por ano, devido ao assoreamento e à estiagem. A previsão é que, com a concessão, as interrupções ocorram, em média, oito dias por ano.
Atualmente o rio Paraguai não é representativo para a produção agropecuária brasileira e escoa principalmente minérios, que respondem por 78% do tráfego. Em média, apenas 300 mil toneladas de grãos por ano são escoadas pela via. A projeção da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA) é que esse volume evolua gradualmente para algo como 3,2 milhões de toneladas anuais até 2045.
“A prioridade do agro são as concessões das hidrovias amazônicas, como as dos rios Madeira (RO-AM), Tocantins (TO-PA) e Tapajós (PA)”, diz Elisangela Pereira Lopes, assessora técnica de infraestrutura e logística da CNA. Em 2024, foram embarcados ao exterior por portos de rios amazônicos 31,8 milhões de toneladas de soja e milho.
“Esse volume seria maior se houvesse mais previsibilidade na oferta. O transporte pelo Madeira, por exemplo, é impraticável em períodos de grande seca, como ocorreu em 2023”, diz Lopes. “O transporte não seria interrompido se houvesse um serviço de dragagem contínua.”
A navegabilidade do rio Tocantins é prejudicada por uma formação rochosa de 40 quilômetros conhecida como Pedral do Lourenço, no Pará. O derrocamento das rochas é uma promessa que já constava do Programa de Aceleração do Crescimento 1 (PAC 1), lançado em 2007. Em maio, o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) deu aval para a remoção do pedral, o que deve ocorrer em 12 meses. O MPor calcula que o rio tem potencial de movimentar 20 milhões de toneladas por ano, substituindo 500 mil viagens de caminhões. A hidrovia favorece principalmente os produtores da região conhecida como Matopiba, que engloba Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia.
No cronograma original do governo, os leilões de hidrovias estavam previstos para iniciar no primeiro trimestre de 2025, com a concessão da Hidrovia do Madeira. Agora, segundo o ministro Costa Filho, o MPor programa levar a leilão em 2026 as hidrovias do Madeira, do Tocantins, do Tapajós (PA) e também da Lagoa Mirim (RS) e a chamada Hidrovia Verde, de Manaus (AM) à Barra Norte, na foz do rio Amazonas.
Ampliar a infraestrutura logística do Centro-Oeste, do Matopiba e do Norte do país é uma prioridade do agronegócio há mais de 30 anos e que sucessivos governos não têm conseguido atender. Em 2024, o chamado Arco Norte, região acima do paralelo 16ºS, linha imaginária que corta o Brasil na altura do sul de Mato Grosso ao sul da Bahia, produziu 178,9 milhões de toneladas de soja e milho, 67,9% da produção nacional. A expansão da produção na região foi de 220% em um período de apenas cinco anos.
Em Mato Grosso, maior produtor nacional, a colheita de soja e milho foi de 86 milhões de toneladas na safra 2023/2024. A projeção conservadora é de uma produção de 144 milhões de toneladas em 2035. “A produção migrou, ocupou novos territórios agrícolas, mas o produtor continua dependendo da mesma rodovia que usava há 40 anos”, resume o especialista em logística Paulo Resende, da FDC.
Segundo Resende, enquanto o Brasil investiu por ano em média 0,8% de seu Produto Interno Bruto (PIB) em infraestrutura de transporte nos últimos 40 anos, concorrentes como os Estados Unidos, Índia, Austrália e Canadá investiram entre 2,1% e 2,6% de seus PIBs. “Estamos perdendo competitividade.”
Em abril, de acordo com pesquisa da CNA, o produtor de Sorriso (MT) pagava US$ 91 por tonelada para transportar soja de caminhão por 2 mil quilômetros até Santos (SP) e US$ 35 para o transporte marítimo até a China, totalizando US$ 126. O mesmo produtor de Sorriso pagava US$ 70 por tonelada para também percorrer 2 mil quilômetros de caminhão e barcaça até Barcarena (PA) e US$ 38 para chegar à China, totalizando US$ 108 por tonelada.
Os concorrentes de Illinois, nos Estados Unidos, pagam US$ 22 por tonelada para levar grãos por barcaça até New Orleans, distante 1.360 quilômetros, e outros US$ 45 para o transporte marítimo, totalizando US$ 67 por tonelada.
“Nosso problema é o custo do transporte em território nacional, que poderia ser bastante amenizado com uma oferta maior de ferrovias e hidrovias”, diz Lopes, da CNA. A estimativa, segundo a economista, é que uma ferrovia se viabilize com o transporte de 10 milhões de toneladas anuais. “Só a produção atual de Mato Grosso viabiliza oito ferrovias. Não temos nenhuma”, diz.
Há mais de ano, o governo federal vem adiando o lançamento de um Plano Nacional de Ferrovias, com o qual pretende viabilizar investimentos estimados em R$ 138,6 bilhões em 15 ativos ferroviários e 19 mil quilômetros de trilhos. Uma das propostas do plano é a estruturação de um modelo financeiro denominado “concessão com aportes”, que prevê que o governo federal entre com parte dos recursos para o Capex das obras, ou seja, com parte da construção da infraestrutura necessária, sendo que um parceiro privado deverá fazer a contrapartida financeira da obra e depois arcar com os custos operacionais.
“É uma forma que estudamos para amenizar o investimento inicial e atrair investidores”, diz George Santoro, secretário-executivo do Ministério dos Transportes. Segundo Santoro, os recursos públicos para os projetos devem vir de três fontes: verbas orçamentárias, de valores obtidos com a repactuação de contratos antigos de ferrovias e também de imóveis da União, que seriam monetizados por meio de fundos de investimentos imobiliários.
O primeiro projeto previsto neste formato é a construção greenfield, ou seja, do zero, do Anel Ferroviário Sudeste (EF-118), ligando Espírito Santo e Rio de Janeiro e que terá conexão com a Estrada de Ferro Vitória a Minas (EFVM). O trecho inicial, de 170 quilômetros entre Anchieta (ES) e São João da Barra (RJ), prevê investimentos de R$ 4,6 bilhões. A meta do governo é realizar o leilão em dezembro, mas Santoro já admite a possibilidade de que ocorra em março de 2026.
Um segundo trecho, ainda sem data de leilão prevista, terá 235 quilômetros e chegará a Nova Iguaçu (RJ), onde fará conexão com a malha ferroviária que atende o porto de Santos. “Será uma ferrovia que conecta os portos do Sudeste”, diz Santoro. Minério de ferro, açúcar e café são as principais cargas previstas.
Para 2026, o Ministério dos Transportes planeja efetivar uma concessão de grande interesse do agronegócio: o corredor ferroviário Leste-Oeste, formado pela Ferrovia de Integração Oeste-Leste (Fiol) entre Ilhéus (BA) e Figueirópolis (TO), onde se conectará à Ferrovia Norte-Sul (FNS), e a Ferrovia de Integração Centro-Oeste (Fico), que parte da FNS e Mara Rosa (GO) e chega a Lucas do Rio Verde (MT), atendendo no trajeto várias regiões produtoras de grãos.
Também está na programação do Ministério dos Transportes para 2026 o leilão da Ferrogrão, projeto greenfield de 933 quilômetros entre Sinop (MT) e Miritituba (PA). O projeto, no entanto, aguarda desde 2021 uma decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) sobre questionamentos relacionados à sua viabilidade socioambiental e depois ainda terá de passar pela aprovação do Tribunal de Contas da União (TCU).
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