O Brasil precisa de uma agenda clara para a retomada do crescimento econômico no período pós-pandemia de covid-19. Esta agenda depende de um manejo sobre o papel do Estado na economia e ainda não está na mesa. Precisamos discuti-la com o mesmo sentido de urgência e solidariedade social com o qual tentamos comprar ventiladores, EPIs e combater o vírus.
Por um conjunto extenso de fatos, nos últimos anos o Brasil consumiu parte de suas forças produtivas no debate público que polarizou Estado e mercado em um antagonismo radical, possível de existir apenas no campo imaginário e caricatural.
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É preciso planejar de modo transparente logo ou não haverá agenda a executar pós- pandemia e ficaremos perdidos entre os discursos liberal e estatista vazios, sem perceber que a realidade exige pacto e coordenação entre a atuação do Estado, do mercado e da sociedade
O Estado sempre atuou e sempre atuará na economia. Até mesmo quando, por exemplo, executa um programa de privatização (que constituiria, para muitos, a extinção da intervenção estatal na economia), há por traz disso uma política pública.
Pode parecer contraditório, mas contratos de concessão ou PPPs podem proporcionar melhores incentivos à iniciativa privada para o alcance do interesse público. Ao atribuir ao concessionário a responsabilidade não só pela construção, mas também pela manutenção e operação do ativo, o contrato tende a impor maior zelo quanto sua qualidade e funcionalidade. Mais uma vez temos política pública, seja na fixação dos objetivos desse programa, seja na regulação ou no fomento das atividades empresariais.
Na prática a economia e a sociedade são constituídas por Estado e mercado. Os discursos de ocasião por vezes dissimulam essa realidade, atentos em vender o pão quente da ocasião, seja para segmentos mais ideológicos, seja para quem acredita ou finge acreditar em dogmas econômicos.
A pandemia da covid-19 tende a gerar efeitos econômicos muito perversos no curto, médio e longo prazos, se os governos não reagirem e passarem, desde logo, a dialogar com a sociedade, com o mercado e, ao cabo desse processo, tomarem decisões claras sobre medidas que incrementem o desenvolvimento econômico e social.
Após o crash da bolsa em 1929, os Estados Unidos ingressam nos anos 1930 com sua taxa de desemprego superior a 22%. Na eleição de 1932 se estabeleceu o debate entre a cautela e paciência para superação da crise, representada pelo presidente Herbert Hoover, e um “novo acordo” proposto por Franklin Roosevelt. O “New Deal” de Roosevelt, vencedor, alterou o panorama da sociedade e da economia americana. Além de avanços institucionais no terreno da regulação econômica, na infraestrutura o programa alcançou aproximadamente 70 mil quilômetros de rodovias, 1,6 mil quilômetros de hidrovias, 238 aeroportos, 7 represas, 800 parques, 3 bilhões de árvores plantadas e 4 mil escolas construídas ou reformadas.
Os anos 1930 nos Estados Unidos narram a história de uma nação lutando pela sua sobrevivência e do pragmatismo do “New Deal” a derrotar os outros “ismos” do debate ideológico.
No Brasil de hoje também é necessário que sejamos pragmáticos. Na infraestrutura, setores como saneamento, energia e transportes, entre outros, podem, em curto e médio prazos, gerar mais riqueza, mais renda para os trabalhadores, ganhos de produtividade e maior bem-estar social.
Nesses setores, um conjunto de medidas voltada ao crescimento deve priorizar:
a geração de recursos, por meio de emissão de moeda e de títulos públicos;
um marco jurídico para a renegociação dos contratos mais afetados;
a criação de licitações simplificadas, por meio de pré-qualificação e processos dialogados;
a aceleração na elaboração de projetos de engenharia;
um programa extenso e sustentável de financiamento desses empreendimentos no curto prazo, capaz de articular crédito público e privado, buscando maior participação deste último no médio prazo, especialmente na fase de operação desses empreendimentos;
um programa simplificado de garantias (um programa de aval da União para garantir concessões dos entes subnacionais), lastreado por risco soberano, como forma de tornar atrativos projetos intensivos em capital e de longo prazo de maturação em um ambiente de extrema elevação na preferência pela liquidez e
a criação de normas que facilitem a remessa de dinheiro da União para esses entes e, por fim, que desburocratize a emissão de títulos públicos pelos entes subnacionais que reúnam as condições para tanto.
Na indústria a prioridade deve se dar em setores que atraem novas tecnologias, que possam em curto prazo gerar impactos sociais e ambientais positivos. A indústria brasileira apresenta sua menor participação no PIB desde 1947. A disputa global pelo espaço manufatureiro demanda colaboração com todos os setores industriais na exploração de novas tecnologias e manejo na transição para o sistema industrial inteligente, a Indústria 4.0.
Experiências internacionais sugerem ao Estado o papel de coordenação e integração entre academia e setor privado em Pesquisa e Desenvolvimento, estabelecendo metas de elevação da participação da indústria na economia e nas exportações; a formulação de políticas compensatórias aos efeitos da automação e substituição da mão de obra e a transição para uma economia verde.
Imaginem um programa de substituição da frota de caminhões ou de ônibus nas grandes cidades brasileiras, por veículos que utilizem baterias elétricas. O programa pode gerar empregos, requalificar o parque industrial automobilístico, ativar setores da pesquisa universitária e de quebra reduzir emissões de poluentes na atmosfera. Este é só um exemplo entre vários setores que poderiam ser diretamente estimulados, uma vez que agregam fatores como: utilização de base industrial existente; qualificação da mão de obra; incorporação de novas tecnologias e geração de externalidades positivas para o desenvolvimento humano.
Em 2017 os EUA criaram institutos de inovação em manufatura – são “parcerias público-privadas”, cada um com seu distinto foco tecnológico. O “Manufacturing USA” opera em parceria com o Departamento de Defesa, o Departamento de Energia, a Nasa, a Fundação Nacional de Ciência, o Departamento de Educação e o Departamento de Agricultura. O programa europeu, batizado de “Factories of the Future”, também usa o modelo de parceria público-privada.
Em suma, há soluções. Mas é preciso priorizar e planejar de modo transparente. E é necessário que isso seja feito logo, senão não haverá agenda a executar na pós-pandemia e ficaremos perdidos entre os discursos liberal e estatista vazios, sem perceber que a realidade exige pacto e coordenação entre a atuação do Estado, do mercado e da sociedade.
*Marcos Augusto Perez é professor da Faculdade de Direito da USP e Sócio de Manesco, Ramires, Perez, Azevedo Marques.
Gabriel Galipolo é economista e presidente do Banco Fator.
Fonte: https://valor.globo.com/opiniao/coluna/a-retomada-no-pos-pandemia.ghtml
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