É difícil pedir a quem trabalha há 68 anos como empresário no Brasil uma comparação entre crises passadas e o atual momento econômico. Aos 87 anos de idade e no batente desde os 14, Raul Randon, sócio-fundador da Randon, já perdeu a conta dos momentos difíceis que o desafiaram. Foi em meio a cenários muitas vezes adversos que ele ergueu uma das maiores empresas da indústria do transporte do país.
Nem sempre, porém, esse neto de imigrantes italianos deu-se mal com a instabilidade macroeconômica. No início do Plano Real, a paridade cambial o ajudou a comprar 65 vacas holandesas prenhas, que viajaram dos Estados Unidos a Porto Alegre em voo da extinta Varig. Até hoje Randon mantém a produção de uma versão local do queijo italiano Grana Padano, em Vacaria (RS).
Sob a batuta de um empresário inquieto nos desafios, mas astuto e cauteloso no farejar de crises iminentes, o grupo que leva seu nome, maior produtor de implementos rodoviários do país, atravessou oscilações conjunturais que se arrastam desde os tempos do milagre econômico. No caminho, enfrentou hiperinflação, confisco, recessões e até uma concordata. Mas, hoje, o país está pior, diz Randon. Para ele, a operação Lava-Jato serve para expor como o Brasil está falido.
Mas se o governo Temer conseguir aprovar as reformas trabalhista, da Previdenciária e tributária, o Brasil vai embora, diz. Juscelino Kubistschek foi, para ele, um bom presidente. Um pouquinho do início do mandato de Luiz Inácio Lula da Silva também o marcou positivamente.
Raul Anselmo Randon recebeu o Valor na sede da companhia, em Caxias do Sul (RS), pouco antes de o procurador-geral Rodrigo Janot enviar uma lista ao Supremo para investigar políticos citados em delações de executivos da Odebrecht. Para o empresário, Michel Temer deveria ser resguardado nessa fase a fim de evitar que as coisas piorem.
No cargo de presidente do conselho da companhia, Randon reclama do excesso de leis e de pessoal no governo. Acredita que serão necessários de 15 a 20 anos para o Brasil voltar ao que era há dez. E diz que se fosse um produtor de sapatos pegava suas máquinas e mudava de país. Abaixo os principais trechos da entrevista:
Valor: O senhor é empresário no Brasil desde 1949. Como compara o atual momento com as diversas crises que já presenciou?
Raul Randon: O país está pior. Na época em que a Randon entrou em concordata (1982) o preço do petróleo havia aumentado uma barbaridade e provocou impacto nas empresas. No primeiro trimestre do ano seguinte as vendas caíram mais de 40%. Nosso número de funcionários caiu de 6 mil para 1,8 mil. Mas o problema hoje é que há falta de confiança no governo e a economia do Brasil está lá embaixo. O país está falido em capital e em pessoas. A Lava-Jato está mostrando tudo.
Valor: O senhor acredita que as denúncias de corrupção que envolvem os políticos podem atrasar a retomada econômica?
Randon: O Brasil estava numa situação muito boa há dez anos. Mas de lá para cá botaram o país lá embaixo. Mas não é de uma hora para outra que se arrumam essas coisas. Acho que vão ser precisos 15 a 20 anos para o país voltar ao que era. É preciso recuperar a confiança e uma série de outras coisas. O barulho que está acontecendo em torno dos nossos políticos é uma vergonha. O que roubaram… E acho que continuam ainda…
Valor: O senhor acredita que esse governo conseguirá fazer as reformas que anunciou?
Randon: Se conseguirem aprovar as novas leis trabalhista, previdenciária e tributária o Brasil vai embora. Não é fácil para uma empresa no país conseguir trabalhar com as leis de hoje. Vou ser sincero: estamos segurando porque já estamos aqui, nosso caso é diferente. Mas se eu tivesse uma fábrica de sapatos eu pegava minhas máquinas e ia para outro lugar.
Valor: Para outro país? Onde? China?
Randon: Não. Na China os produtores de sapatos já estão lá (risos). Mas há outros países aqui perto que estão bons ainda. A Argentina está indo bem; temos uma fábrica lá.
Valor: O que o senhor acha da legislação trabalhista brasileira? Randon: Muito ruim. Não dá para trabalhar. É originária da época de Getúlio (Vargas, presidente). Mas o que já fizeram em cima… Eu soube que o ministério com maior número de empregados é justamente o do Trabalho…
Valor: E quanto à legislação tributária? As leis precisam mudar para estimular empreendedorismo e investimentos?
Randon: Pior do que a carga de impostos é a burocracia e o excesso de leis. Quantas pessoas as empresas e o próprio governo não tirariam dos seus escritórios com menos leis? A gente tem que estar sempre cuidando, cuidando, cuidando de cada lei que aparece…
Valor: O ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, diz que se a reforma na Previdência não for aprovada o país caminhará para a insolvência. O senhor prevê resistências no Legislativo?
Randon: Essa reforma tem que sair porque o sistema está quebrado. Se não passar agora, não vejo como. Acredito que no Congresso poderão mexer em alguma coisa. Valor: Há sinais de início de recuperação na atividade industrial. O senhor percebe essa reação no seu setor?
Randon: Está começando, tem um balãozinho. No nosso ramo foi um erro o governo ter (há seis anos) liberado financiamentos com oito, nove, até dez anos para pagar com juros de 3% e até 2,5% ao ano. Todo o transportador que tinha crédito nos bancos comprou pelo menos um caminhão e uma carreta. Não tinha por que não comprar. Não é que eu seja a favor de cobrar juros. Mas não estamos nos Estados Unidos. Só que de repente mudou o negócio, os juros foram lá para cima e hoje ninguém compra mais. Agora, os juros estão muito altos. Têm que baixar.
Valor: Mas a inflação está sob controle. Como o senhor, que já trabalhou em tempos de hiperinflação, avalia o atual sistema de metas de inflação?
Randon: Eu sou contra o negócio dos juros que tiram o poder da população de comer para diminuir o gasto. Tinha que ser ao contrário. O dinheiro tinha que ser mais barato para a população poder comer mais e gastar mais. Aí tu forma um movimento. Do jeito que está é pior. Veja, eu não sou do lado do Lula (ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva), mas ele fez um belo trabalho nesse sentido. Baixou os juros, que estavam em 25%, ao ano e permitiu que o BNDES, Banco do Brasil e Caixa Econômica financiassem tudo o que o brasileiro precisasse. Foi baixando, baixando e chegou a 8% ao ano. Foi uma coisa boa que ele fez, mas depois, em compensação…
Valor: Qual foi o presidente brasileiro que o senhor mais admirou? O senhor acabou de dizer ter gostado de Lula no primeiro mandato…
Randon: Ah, mas foi só um pouquinho. Pouca coisa. Juscelino foi bom. Pelo menos ele desenvolveu as coisas.
Valor: A indústria de caminhões e implementos trabalha com alta capacidade ociosa. Exportar é um caminho?
Randon: Nós fazíamos mais de 100 carretas por dia e na crise chegamos a 30. Hoje produzimos de 50 a 60. Mandamos embora um monte de gente. Eram 13 mil funcionários em 2013 e hoje são 7,3 mil. Veja a diferença. A gente procura os lugares onde há espaço para exportação. Temos que trabalhar em cima disso para manter o negócio aqui.
Valor: E o que acha da taxa de câmbio? Randon: Poderia estar pouco acima. O bom seria o dólar a R$ 3,60, R$ 3,70. Equilibraria mais. Valor: Se tivesse que dar uma receita para o governo, além das reformas, o que o senhor sugeriria?
Randon: Eu não falo nada. Mas existe saída. Não é fácil. É preciso mudar as leis para aliviar as empresas e também é preciso tirar o excesso de gente no governo. É difícil para quem está numa empresa fazer o máximo que pode por melhorias como a saúde dos empregados e ver um governo gastar R$ 2,1 bilhões na construção de um estádio. Olha, esse governo tem uma sorte tão grande ainda. Porque temos a agricultura, a soja. Todo o dinheiro que trazemos de fora é a soja que traz, não é a indústria.
Valor: E quanto ao mundo? O que o senhor acha de Donald Trump?
Randon: Havia muito desemprego nos Estados Unidos. Por que deixar o país importando tudo? Eu acho que ele vai regular isso. Às vezes a gente acha ele meio malucão. Mas tem certas coisas que ele pode fazer bem.
Valor: Valeu a pena ser empresário? Se tivesse que recomeçar…
Randon: Eu faria tudo de novo. Fizemos um bom capital, uma boa empresa.
Valor: O senhor está ansioso para conhecer a lista que o procurador-geral [da República] Rodrigo Janot enviou ao Supremo [Tribunal Federal-STF) para investigar políticos citados em delações de executivos da Odebrecht?
Randon: É importante para o Brasil saber. Mas na situação em que o país está tem que se resguardar um pouco o presidente (da República) que está hoje. Senão, derruba-se tudo e aí fica pior.
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