Estudo defende custo corrigido para balizar tarifas de concessões

Algumas distribuidoras de energia estão praticando tarifas acima do que seria devido tendo em conta o dinheiro de fato investido por elas no passado, enquanto outras estão sub-remuneradas. Para os consumidores de diferentes regiões do país, a mesma lógica se aplica: alguns pagam mais e outros menos do que seria o economicamente justo.


Essa é a conclusão da tese de doutorado da professora e pesquisadora Maria Elisabeth Moreira Carvalho Andrade, que foi orientada pelo professor e ex-diretor da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) Eliseu Martins, uma das maiores autoridades sobre assuntos contábeis no Brasil. Os dois entendem que o problema se repete em concessões de outras áreas.


O problema estaria no uso do valor de reposição dos ativos, que precisa ser estimado em laudo, para definir as tarifas cobradas da população. Depois de comparar os preços resultantes desse método de cálculo, que é o que vem sendo usado no setor elétrico, com quanto deveriam custar as tarifas se o preço fosse baseado no custo histórico do investimento de fato realizado, corrigido pelo IPCA, os pesquisadores encontraram distorções que os levam a defender a simples correção pela inflação.


A discussão proposta é relevante em um momento em que ocorre o quarto ciclo de revisão tarifária das distribuidoras de energia e diante da nova rodada de concessões de infraestrutura que o governo acaba de lançar. Martins lembra que a subjetividade do valor de reposição gera brigas que não têm fim e chama a atenção ao fato de que o critério também é usado em concessões de saneamento, gás e às vezes em transporte público.


“Há empresas que estão recebendo muito acima e outras muito abaixo do que deveriam”, diz Elisabeth, sobre o resultado de sua pesquisa, que foi adaptada para artigo acadêmico e aceita para publicação na “Revista Contabilidade & Finanças da USP”.


Apenas como exemplo, no terceiro ciclo de revisão tarifária, que ocorreu entre 2011 e 2014, as bases de ativos de distribuição de Cemig e Copel estavam, respectivamente, 69% e 27% acima do que seriam se tivesse sido usado o custo corrigido pelo IPCA – lembrando que quanto maior a base, mais alta a tarifa cobrada dos clientes.


Do outro lado, empresas como Eletropaulo e Light possuíam a base de ativos 17% e 15%, pela ordem, abaixo daquela que teriam com ajuste pela inflação.


A tese da pesquisadora traz duas críticas principais ao uso do que se chama tecnicamente de “valor novo de reposição” para formação do preço das tarifas de energia e em outras concessões: uma delas é principiológica e a outra de ordem prática.


Ao tratar da primeira delas, o professor Eliseu Martins pondera que, para uma empresa privada que atua em um setor em que os custos sobem acima da inflação, o uso do valor atual dos bens como custo para fins gerenciais é importante para garantir a reposição (e daí vem o nome) do estoque, por exemplo. “Mas na tarifa pública, isso onera o consumidor de hoje por conta de uma infraestrutura que será resposta daqui a 20 anos, com base no preço de reposição caso eu fosse reconstruir hoje”, diz.


Nos casos em que o valor de reposição supera o custo corrigido, ressalta Martins, o concessionário acaba recebendo valores maiores de tarifa, retém esses recursos, e quando investe, não o faz apenas com dinheiro do bolso dele, mas com o recurso pago pelo consumidor. “Ele tem uma taxa de retorno sobre um capital que no fundo não é dele.”


Já nas outras situações, quando o valor de reposição calculado dos ativos fica abaixo do custo corrigido, acontece o contrário, o consumidor é beneficiado, mas o vencedor da concessão é prejudicado, porque não recupera todo o capital investido. “A política de concessão pública baseada em custo de reposição provoca essa situação. Ou se beneficia um e prejudica o outro, ou vice versa”, diz Martins.


Quando fez um teste estatístico comparando as bases de ativos de 44 concessionárias de distribuição de energia no segundo ciclo de revisão, Elisabeth encontrou um resultado indicando que não há diferença estatisticamente relevante entre os métodos.


Mas a média que aponta um valor de reposição 11% acima do custo corrigido esconde uma situação em que 16 concessionárias estão com remuneração abaixo do que teriam pela inflação e 28 têm uma tarifa maior.


Como os consumidores e investidores de cada área de concessão são específicos, não existe compensação entre ganhos e perdas nas diferentes áreas. “A sociedade tem que pagar o que está consumindo e o investidor tem que ganhar o valor justo pelo que construiu”, defende Elisabeth.


Em relação ao problema de ordem prática, a pesquisadora menciona que o cálculo do valor de reposição exige muito mais gastos com laudos de avaliação contratados pelas concessionária e posterior validação pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) e que isso também é repassado ao preço das tarifas. “Sem contar que é impossível de auditar. Não dá para chegar no mesmo valor se fizer duas vezes.”


Não por acaso, os ciclos de revisão se estendem por longos períodos e geram constantes disputas entre empresas e Aneel, seja durante a própria revisão ou no momento de renovação ou do fim das concessões, quando se leva anos para calcular a indenização referente à parcela não amortizada ou depreciada dos investimentos.


Martins ressalta ainda o efeito que a incerteza traz para a decisão dos investidores. Como existe dúvida se o valor de reposição vai subir ou cair durante o período do contrato, diz ele, isso leva o concessionário a exigir uma taxa de retorno maior, para tentar assegurar que no mínimo vai recuperar o capital investido. “Se o governo aumentar a garantia para o investidor, é possível ter uma taxa de retorno menor.”

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