Em meio à maior crise econômica da história do Brasil, o Pará vem apresentando uma combinação rara para os dias atuais: atividade em crescimento e contas públicas relativamente em ordem. O Estado tem se beneficiado de grandes investimentos da indústria extrativa e em infraestrutura, além da alta do preço do minério de ferro no mercado internacional.
Isso tem feito com que o Pará viva uma fase de “ufanismo econômico”, como define Eduardo Costa, presidente da Fundação Amazônia de Amparo a Estudos e Pesquisas (Fapespa), órgão subordinado ao governo do Estado. Um ajuste fiscal promovido pelo governador Simão Jatene (PSDB), em 2015, fez com que as contas públicas, que já estavam relativamente equilibradas, se mantivessem em melhor situação do que as de outras unidades da federação.
Mas a estrutura econômica que permitiu esse crescimento não só tem deixado parte da população à margem das melhoras, como tem piorado a qualidade de vida de outra parte. “É um modelo extremamente perverso”, diz Costa, para quem o desenvolvimento do Estado vem gerando “um paradoxo entre pobreza e crescimento”.
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A raiz tanto da força econômica quanto desse desequilíbrio está na exportação de minério de ferro, isenta de ICMS. “A nossa base econômica é pouco tributável”, afirma Costa. A estimativa da Fapespa é que nos últimos 20 anos o Estado tenha perdido R$ 44,1 bilhões por causa da Lei Kandir, que desonera de ICMS as exportações de bens primários e semielaborados.
Ao mesmo tempo, investimentos de dezenas de bilhões de reais realizados nos últimos anos vêm atraindo um número cada vez maior de migrantes de baixa escolaridade “em busca do Eldorado”, que acabam sem emprego e desassistidos pelo poder público. “Você aumenta o passivo social e não dá a devida contrapartida financeira”, diz Costa. “Isso gera aumento da economia informal, com muita gente cooptada pelo tráfico de drogas, pela criminalidade, pela prostituição infantil.”
Das 100 cidades com pior Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) do Brasil, 41 estão no Pará. Entre 2010 e 2014, o governo estadual estima ter recebido 150 mil habitantes de outras partes do Brasil em função de obras no Estado. No ano passado, a Vale inaugurou em Canaã dos Carajás, no sudeste do Estado. A S11D recebeu investimento de US$ 6,4 bilhões e terá capacidade para produzir 90 milhões de toneladas de minério de ferro por ano a partir de 2020, dobrando a produção do Estado.
“Vamos superar Minas Gerais, que é o líder em exportação de minério de ferro”, diz Costa. A obra em andamento da usina de Belo Monte é ainda mais imponente, com investimento total na casa dos R$ 30 bilhões. Apesar do porte do projeto, a maior parte da arrecadação ficará com outros Estados, já que os impostos sobre a energia incidirão onde ela for consumida.
Tanto para superar essa estrutura pouco tributável quanto para diversificar as fontes de crescimento, o governo lançou no ano passado o Pará 2030. O programa tem o objetivo de “tornar mais atraente aos investidores” 24 cadeias produtivas, das quais 14 são consideradas “estratégicas prioritárias”, diz Costa.
A ideia é, por exemplo, agilizar a concessão de licenciamentos ambientais ou ampliar a infraestrutura que atende à cadeia produtiva em questão. Entre os setores contemplados, estão a produção de açaí, o turismo e obras logísticas – o Estado é uma espécie de “ponte” entre a Amazônia e os mercados dos EUA e da Europa.
Por enquanto, com base principalmente na exportação de minério de ferro e em grandes obras de interesse nacional, o Pará vem apresentando desempenho econômico melhor do que a média do Brasil. A estimativa mais pessimista do desempenho em 2016 vem do Santander, que estimou em setembro que a atividade local recuaria 2,7% – queda menor do que a contração de 3,6% do Produto Interno Bruto (PIB) nacional.
A Fapespa, por sua vez, estima que a atividade do Estado teve recuo de apenas 0,03%. A 4E Consultoria calcula que o PIB paraense cresceu 2,25%. No mesmo período, o único outro Estado que apresentou crescimento, segundo a consultoria, foi Roraima (1,29%).
Boa parte desse resultado pode ser explicado pela produção industrial do Pará, que atingiu no ano passado o ponto mais alto desde o início da série histórica do IBGE, em 2002. “Você vê a indústria nacional apresentando queda por dois anos e a indústria do Pará dando risada”, diz Leopoldo Gutierre, economista da 4E.
Independentemente das estimativas para 2016, as perspectivas para 2017 são boas. O Santander, por exemplo, calcula que o PIB paraense crescerá 2,5% neste ano, bem acima da alta de 0,7% estimada para o Brasil. A Fapespa calcula crescimento de 2,09%. Beneficiada pela alta dos preços do minério de ferro no mercado internacional e pelo aumento da produção da commodity, a indústria extrativa, que representa 22% da economia paraense, mais uma vez será o carro-chefe. “E isso se espalha para outros segmentos”, diz Rodolfo Margato, economista do Santander.
A valorização do minério de ferro vem se consolidando desde meados do segundo semestre de 2016, principalmente em decorrência dos planos do presidente Donald Trump de ampliar os investimentos em infraestrutura nos EUA. Mas uma eventual queda dos preços, por qualquer razão, colocaria em risco o crescimento econômico do Estado. “A economia paraense é mais dependente [de uma única commodity]”, afirma Margato.
Mesmo assim, a tendência é que os investimentos no setor continuem altos nos próximos anos. Entre 2017 e 2020, a Fapespa calcula que haverá aporte de R$ 124 bilhões em obras da indústria extrativa, usinas de energia elétrica e infraestrutura e logística. “É quase um PIB do Pará (R$ 126 bilhões)”, diz Costa.
O desempenho econômico crescente vem colaborando em certa medida com os cofres públicos. Mesmo com todas as dificuldades estruturais de tributação, “pelo menos até o ano passado, o Pará tinha uma dinâmica saudável de receitas e despesas”, diz Gutierre, da 4E. Em 2016, as receitas tiveram queda real de 1,73%, mas as despesas recuaram mais (5,34%). O Estado vem mantendo desde 2013 o rating B+ concedido pelo Tesouro Nacional. No ano passado, foi o único que conseguiu essa nota.
No quesito solidez fiscal, do Ranking de Competitividade dos Estados, o Pará é o segundo colocado, com 94,4 pontos em uma escala de 0 a 100. O projeto é uma parceria da Tendências Consultoria com a revista britânica “The Economist” e tem apoio da BM&F Bovespa. O Pará perde apenas para Roraima, que tem a nota máxima de 100 pontos, sempre atribuída ao primeiro colocado. A diferença é que quase 75% das receitas de Roraima vêm de transferências do governo federal, enquanto no Pará esse índice é inferior a 40%.
A diminuição dos repasses federais em função da crise, no entanto, tem preocupado a administração estadual. A estimativa da Fapespa é que a participação desse tipo de receitas caia a 30% do total no ano que vem. A avaliação dentro da máquina pública a respeito das contas do Estado também é mais pessimista do que a do mercado. “Estamos em uma situação fiscal menos desconfortável, o que não significa que a crise não tenha nos atingido”, diz Costa. “O Estado só não quebrou porque houve um ajuste.”
No começo de 2015, Jatene cortou o número de órgãos subordinados ao Estado (de 71 para 51), a frequência de concursos e o ritmo de reajustes. Houve também a contratação de auditores fiscais e “a implantação de modelos de gestão”, diz Costa, com o objetivo de diminuir tanto a sonegação de impostos quanto o desperdício de recursos. Os investimentos também foram alvos dos cortes, recuando de R$ 1,36 bilhão para R$ 940 milhões entre 2015 e 2016.
“Investimento é a única variável com maior poder de ajuste” por causa da rigidez das leis relacionadas aos servidores concursados, diz Costa. “A ordem é não iniciar novas obras e terminar as que estão em andamento.” Essas medidas permitiram que o funcionalismo público e fornecedores chegassem ao fim de 2016 sem atrasos nos pagamentos.
Mas, diferentemente da atividade, as perspectivas para o quadro fiscal em 2017 continuam ruins. A tendência é que o crescimento econômico demore a se refletir em um aumento das receitas. Por isso, o governo tentou, no fim do ano passado, aprofundar o ajuste com aumento das alíquotas de ICMS e previdenciária dos servidores. Os projetos encontraram resistência na Assembleia Legislativa e acabaram não sendo votados. Ficou acordado que eles voltarão a ser discutidos, caso a situação fiscal piore ao longo do ano.
A maior preocupação é com o crescimento do número de inativos, mas isso “não significa que o futuro no curto prazo não é preocupante”, diz Costa. Com o impasse legislativo, a solução foi cortar o que estava ao alcance do Executivo. Até o expediente de alguns órgãos públicos estão menores. “Aqui na Fapespa, trabalhávamos até às 5 da tarde. Agora, é só até às 2h. Precisamos apertar o cinto.”
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