Ainda é madrugada quando toca o despertador de Josué
Martiniano dos Santos. Às 3 horas, o dia não clareou e o silêncio lembra o
encarregado de manutenção de 59 anos que ainda é hora de descansar. Mas para
quem precisa enfrentar quatro conduções até o trabalho, em um percurso superior
a 40 quilômetros, dormir é luxo. “O primeiro ônibus que pego, às 4 horas, já
está lotado. Se resolver ficar mais tempo na cama, não chego na Barra Funda na
hora certa”, diz o morador de Parelheiros, no extremo sul.
A região é uma das piores no quesito mobilidade. Faltam
opções de linhas de ônibus e de trem para atender os trabalhadores que cruzam a
capital no sentido centro. Santos faz uma ginástica diária por 6 horas para
chegar ao trabalho e voltar: são dois ônibus e dois trens na ida e o mesmo
tormento no retorno. “De tarde é ainda pior. Tem dia que fico de 40 a 50
minutos na fila para conseguir entrar no ônibus no Terminal Grajaú. ”
POD NOS TRILHOS
- Investimentos, projetos e desafios da CCR na mobilidade urbana
- O projeto de renovação de 560 km de vias da MRS
- Da expansão da Malha Norte às obras na Malha Paulista: os projetos da Rumo no setor ferroviário
- TIC Trens: o sonho começa a virar realidade
- SP nos Trilhos: os projetos ferroviários na carteira do estado
Ampliar a oferta de linhas nos terminais mais procurados e,
principalmente, aumentar o número de ônibus é o que mais pedem os usuários.
Quem depende do sistema quer, sim, mais corredores e faixas exclusivas, como
prometem os candidatos, mas a prioridade é poder embarcar mais rápido e
enfrentar a viagem sentado.
Na planilha da Prefeitura, porém, não parece faltar ônibus.
Os números oficiais mostram que há 14.736 veículos rodando pela cidade. Juntos,
eles realizam uma média diária de 9,8 milhões de viagens. Mas nenhuma linha
opera de forma expressa ou semiexpressa, como defende o urbanista e consultor
de trânsito Flamínio Fishman.
“A Prefeitura, por meio do Bilhete Único, sabe quais são os
deslocamentos mais realizados. Sabe, por exemplo, que muita gente sai da região
de Santo Amaro de manhã com destino ao centro. Poderia oferecer uma linha
direta para tornar a rota mais ágil. Ou então criar só duas ou três paradas”,
diz.
A babá Marcia Souza, de 47 anos, usa o corredor da Avenida
Santo Amaro para chegar ao emprego, na Vila Mariana, também na zona sul, e
aprova. “A viagem vai bem mais rápida quando tem corredor, o problema é que são
poucos. ” Hoje são 137,6 quilômetros em corredores à esquerda e outros 513,3 km
em faixas exclusivas à direita – São Paulo tem 17 mil km de vias.
Quem anda de carro teve de se acostumar às faixas. A gestão
Fernando Haddad (PT) implementou 423,3 km dessas vias. Passada a resistência
inicial, a política foi assimilada pela população, o que não ocorreu com a
redução das velocidades nas Marginais nem com a ampliação do número de radares.
Pesquisa da Rede Nossa São Paulo mostra que 53% dos paulistanos desaprovam a
ação.
“Por que só se pode andar a 50 km/h em uma via expressa, em
pleno sábado ou domingo? Não concordo. Acho que isso atrapalha, não ajuda”, diz
a atendente Alessandra Gonçalves, de 29 anos. Segundo a Prefeitura, a redução
da velocidade fez cair o número de vítimas no trânsito e os congestionamentos.
Queixa. Para o taxista Paulo Sérgio Bezerra, de 35 anos, o
discurso oficial não se sustenta. “O trânsito continua péssimo. Levo mais de
uma hora para ir do Limão, na zona norte, para o Alto de Pinheiros, na zona
oeste, em horário de pico. Sem trânsito, é um trajeto de 15 minutos”, diz.
Bezerra reclama ainda da regulamentação do Uber.
Há também quem ainda não entenda o investimento pesado em
ciclovias, uma vez que três em cada quatro paulistanos dizem nunca andar de
bicicleta. Hoje, a malha cicloviária tem 438,7 km – três vezes mais do que
todos os corredores de ônibus juntos. Pesquisas, no entanto, mostram que a
política fez dobrar o número de ciclistas na cidade. Hoje, são 261 mil.
Já os pedestres são os menos citados nos horários eleitorais
dos candidatos. Para o carteiro Alexandre de Arruda, de 36 anos, essa é uma
falha das campanhas. “Só pensam em carro, táxi, ônibus. Um erro, já que
pedestres somos todos nós. ”
Legado olímpico:
novos serviços de transportes precisam se manter eficientes
05/09/16 – O Globo
O Globo – Rio Como Vamos destaca a necessidade de
permanência de novidades na mobilidade serem acompanhadas
O sucesso da Olimpíada do Rio é resultado de uma combinação
de fatores, que vão além da simpatia típica do povo carioca e da alegria
contagiante do Boulevard Olímpico do Porto, que reuniu milhares de visitantes.
A mobilidade urbana foi um dos destaques durante os Jogos. Não há como negar
que a integração do metrô com o BRT e o VLT merece um lugar no pódio. Para
atender os 450 mil espectadores circulando diariamente pela cidade, foi preciso
fazer uma transformação profunda no transporte público. Mas o legado dessas
intervenções é uma das grandes preocupações de quem vive na cidade. Segundo
Thereza Lobo, diretora executiva do movimento Rio Como Vamos (RCV), apesar de
todos os investimentos, ainda existem questões a serem discutidas:
— Não há dúvida de que parte do sucesso da Olimpíada se deve
à mobilidade. Mas não adianta falarmos de milhões em investimentos sem
atentarmos para a qualidade da prestação desses serviços. É preciso que todas
as mudanças sejam acompanhadas de perto, para que esse legado não vá por água
abaixo em um curto espaço de tempo. É muito bom que a cidade evolua nesse
sentido, mas não podemos esquecer que todas as obras deverão ter um
acompanhamento posterior.
Pesquisa feita pelo RCV em 2015 constatou que 29% dos
entrevistados acreditavam que o principal benefício dos Jogos seria a melhoria
dos transportes públicos. Entre os investimentos citados como prioridades,
estavam as novas vias de BRT e a expansão do metrô, mencionadas por 66% e 56%
das pessoas ouvidas, respectivamente.
Levantamentos feitos pelo movimento também mostraram que,
entre 2009 e 2015, o número de cariocas que utilizavam o transporte público na
cidade aumentou 5%. No caso do metrô, esse crescimento foi de 7%.
ESCASSEZ E SUPERLOTAÇÃO DE ÔNIBUS
Os problemas, porém, cresceram. Somente no primeiro semestre
deste ano, a central 1746 registrou 17.322 reclamações sobre ônibus municipais,
número quase 12% maior que no mesmo período do ano passado. Entre as principais
queixas estão a escassez de veículos e a superlotação. O preço da passagem
também foi citado. Três em cada dez passageiros acham os valores altos demais.
Segundo a Secretaria municipal de Transportes, desde a escolha
do Rio como sede dos Jogos Olímpicos, em 2009, a cidade vem passando por uma
ampla transformação, que inclui a reorganização na forma como cariocas e
visitantes se deslocam na cidade. Houve investimentos em VLT, BRT, corredores
de BRS e na Linha 4 do metrô (Barra-Ipanema).
Em 2009, a rede de transporte de alta capacidade do Rio
compreendia duas linhas de metrô (Pavuna – Estácio e Saens Peña – General
Osório), cinco ramais de trem (Santa Cruz, Deodoro, Japeri, Belford Roxo e
Saracuruna), e três ligações hidroviárias (Praça Quinze– Niterói, Praça
Quinze–Ilha do Governador e Praça Quinze– Paquetá), além das 1.450 linhas e
serviços de ônibus municipais e intermunicipais.
O secretário municipal de transportes, Alexandre Sansão,
destaca que a rede metroviária passou de 42 para 57 quilômetros, de 2009 para
2016, um aumento de cerca de 35%. Com a abertura da Linha 4, dos 160 bairros da
cidade, 107 passarão a ser diretamente atendidos pelo metrô e suas as
integrações, o que representa cerca de 2,5 milhões de passageiros por dia.
Com a conclusão do Transbrasil, a cidade terá, no total, 155
quilômetros de corredores BRT. Juntos, os BRTs terão capacidade para
transportar até 1,4 milhão de pessoas por dia. Na área central, o sistema VLT,
que terá 28 quilômetros, vai promover a integração entre diferentes modais,
atingindo 300 mil passageiros por dia.
ORÇAMENTO PRIVILEGIOU LEGADO
O orçamento total dos Jogos alcançou R$ 39 bilhões. A maior
parte (R$ 24 bilhões) foi destinada a obras que ficarão de legado para a
cidade, incluindo uma rede de transporte integrada e de alta capacidade.
— Os Jogos possibilitaram a elaboração de um plano de
transportes reunindo antigos projetos engavetados por décadas e novas
propostas, bem como o direcionamento dos recursos orçamentários para o plano de
mobilidade do Rio num curto espaço de tempo — explica Sansão.
DEZ ÁREAS SÃO MONITORADAS
O Rio Como Vamos (RCV) avalia a qualidade de vida do carioca
em dez áreas: saúde; transportes; educação; segurança; pobreza e desigualdade
social; meio ambiente; lazer e esporte; saneamento; inclusão digital; e
trabalho, emprego e renda. Os dados são divulgados pelo GLOBO e no site
riocomovamos.org.br/site/.
O RCV conta com o apoio de Firjan, Associação Comercial,
Observatório de Favelas, CDI, Idac, Institutos Ethos, Light, Instituto do
Trabalho e Sociedade, Grupo Libra, Metrô Rio, Michelin, KPMG, OnBus Digital,
Instituto Invepar, The Climate Works e Vale.
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