Mais uma vez, naufragou a tentativa de iniciar a dragagem do
porto de Santos (SP), serviço avaliado em R$ 369,1 milhões e essencial para a
competitividade do maior porto da América Latina. A comissão de licitação
recusou, pela segunda vez em menos de três meses, a garantia financeira
apresentada pela empresa EEL Infraestruturas, contratada em abril pela
Secretaria de Portos (SEP) para fazer o serviço.
Sem a comprovação de que a empresa tem condições financeiras
de arcar com o contrato, a ordem de serviço para início dos trabalhos de
desassoreamento continuado no porto não pode ser dada. O atraso compromete a
competitividade dos terminais instalados em Santos, porto que responde por
quase 30% das trocas comerciais brasileiras em valores.
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A previsão inicial era que essa dragagem começasse ainda em
2014 para levar a profundidade do canal de navegação e das bacias de acesso aos
berços de atracação para entre 15,4 metros e 15,7 metros.
Enquanto isso, a Codesp, estatal que cuida do porto, precisa
firmar uma série de contratos “tampão” para manter a profundidade a 15
metros até começar o trabalho contratado por Brasília.
Indeferida a garantia, o caminho natural é a rescisão
unilateral do contrato – ou a concessão de uma terceira chance para a empresa.
O assunto saiu da área técnica e será debatido em uma reunião marcada para hoje
no Ministério dos Transportes, apurou o Valor. Procurada, a pasta disse que a
garantia da EEL está em análise pela consultoria jurídica e que somente após
isso haverá uma decisão.
Em julho, a comissão de licitação recusou pela primeira vez
a garantia apresentada pela EEL na forma de títulos de dívida pública. Segundo
a Advocacia Geral da União (AGU), eles estavam vencidos e poderiam ser falsos,
conforme parecer ao qual o Valor teve acesso. O ministério deu nova chance à
EEL. Concedeu um prazo adicional para ela apresentar uma nova garantia –
“uma discricionariedade do contratante, para evitar situações de
judicialização”, explicou a pasta. A EEL enviou então um seguro-garantia,
novamente recusada.
A garantia equivale a 10% do valor do contrato e pode ser
apresentada nas modalidades caução em dinheiro, título da dívida pública e
seguro-garantia ou fiança bancária.
A presidente da EEl, Claudia Alves, afirmou, em nota, que a
comissão não recusou o seguro-garantia, apenas pediu esclarecimentos. Segundo
ela, o seguro-garantia obedece “todos os formatos legais, nos estritos
termos do edital e regulamentação da registrada na Susep, demonstrando que a
EEL possui todas as condições técnicas, jurídicas, legais e financeiras para
cumprir o objeto do contrato”.
Para aferir se a EEL apresentou um título falso da primeira
vez, a AGU recomendou, ainda em julho, que se colhesse manifestação da
Coordenação-Geral de Controle da Dívida Pública, do Tesouro Nacional, e se
atestasse a autenticidade dos documentos. Mas até agora não há registro de
consulta sobre a autenticidade dos títulos apresentados como garantia pela EEL,
informou o Ministério da Fazenda. A apresentação de título falso é considerado
crime.
O Ministério dos Transportes disse que vai enviar a
documentação para as autoridades competentes e que não tem poder legal para
atestar ou não a falsidade de documentos, “por isso deve consultar os
órgãos competentes”.
A EEL é uma empresa criada em 2011 e que, neste processo da
dragagem de Santos, se tornou conhecida pelos sucessivos atrasos na
apresentação de documentos. A companhia venceu a concorrência para dragar
Santos ao ofertar o menor preço na licitação feita via Regime Diferenciado de
Contratações Públicas (RDC), modelo que prevê a inversão de fases: vence quem
der o maior desconto sobre o preço de referência do serviço. A segunda colocada
na disputa foi a holandesa Van Oord, que tem grande experiência nesse tipo de
serviço. A multinacional pediu R$ 373,9 milhões para fazer o serviço.
A segunda colocada só poderá ser chamada no caso de rescisão
do contrato, o que Brasília teme que pode judicializar o processo.
A contratação da dragagem do porto de Santos deflagrou a
segunda etapa do Programa Nacional de Dragagens, ainda na gestão da
ex-presidente Dilma Rousseff. Lançada em 2014, a concorrência sofreu diversos
reveses, com duas tentativas frustradas de Brasília contratar o serviço. A
abertura das propostas ocorreu em julho de 2015.
A EEL chegou a ser desclassificada em 2015, devido a atrasos
na apresentação de uma certidão. O governo começou a negociar então com a Van
Oord, mas a EEL obteve na Justiça decisão que impediu Brasília de fechar o
contrato com a concorrente. A EEL assinou finalmente o contrato em abril, após
apresentar a certidão.
A EEL é o braço de dragagem da Enterpa, “a maior
empresa de dragagem portuária brasileira”, diz Claudia. Herdeira do
fundador da Enterpa, a executiva explica que a empresa-mãe está dedicada ao
ramo de origem: coleta de resíduos sólidos, aterros sanitários e outras obras
de infraestrutura. Claudia diz que a EEL tem “várias dragas estacionárias
e transportadoras; batelões e dezenas de equipamentos de apoio próprios”,
além do acervo técnico da Enterpa, que há 50 anos draga os portos nacionais.
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