A Maersk Line firmou com o grupo Oetker, dono do armador
Hamburg Süd, um acordo para compra da sua companhia de navegação, líder nos
tráfegos marítimos com o Brasil. O negócio cria um gigante na Costa Leste da
América do Sul que vai gerar uma concentração nas linhas marítimas que servem a
região – sobretudo no transporte doméstico (cabotagem).
A aquisição foi anunciada ontem e ainda está sujeita à
aprovação de órgãos reguladores – incluindo o Conselho Administrativo de Defesa
Econômica (Cade). O valor do negócio é desconhecido porque o acordo ainda está
sujeito a auditoria financeira. Os detalhes devem ser divulgados no começo do
segundo trimestre de 2017. Mas nos bastidores se fala em uma negociação da
ordem de € 4 bilhões. A expectativa é que a aquisição esteja concluída até o
fim do próximo ano.
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A dinamarquesa Maersk Line é o maior armador de contêineres
do mundo, com 15,7% de participação do mercado global em capacidade. A Hamburg
Süd ocupa o sétimo lugar no ranking, com 2,9%. A frota de navios combinada
passa a ser de 741 embarcações. Com a aquisição, a fatia mundial da Maersk Line
sobe para quase 19% e, com isso, a companhia se descola da MSC, a segunda
colocada que tem hoje 13,6%.
A Hamburg Süd é líder nos tráfegos Norte-Sul e a Maersk Line
é forte no Leste-Oeste, daí a principal sinergia da compra. A alemã
comercializa os serviços pelas marcas Hamburg Süd, CCNI (com sede no Chile) e
Aliança (no Brasil).
“Conseguiremos oferecer mais eficiências, opções e
produtos para nossos clientes, mas essa transação não será uma integração
completa. A Hamburg Süd continuará como uma marca separada com sua própria
configuração comercial”, disse ao Valor Omar Shamsie, presidente da Maersk
Line na América Latina. Segundo ele, a Hamburg Süd tem uma “proposição de
valor atrativa e competitiva” para os clientes que será protegida.
Conforme o Valor informou em reportagem publicada dia 24 de
novembro, o maior impacto da concentração na região será na cabotagem: a
Aliança, da Hambrug Süd, e a Mercosul Line, o braço de cabotagem da Maersk no
Brasil, somam 80% da capacidade total em Teus (contêiner de 20 pés). O restante
está com a Log-In, que deve ser afetada ao perder a parceira Mercosul Line (com
quem troca slots) e ficar com a frota mais antiga e menos homogênea do mercado
até que os navios encomendados a estaleiros nacionais fiquem prontos e entrem
em operação.
No transporte de longo curso, os dois grupos teriam juntos
uma fatia de 36% no volume de cargas transportadas nos tráfegos com a Costa
Leste da América do Sul, considerando os dados da consultoria Datamar no
acumulado do ano até setembro. Nesse setor, os maiores impactos para os
embarcadores poderão ocorrer na rota entre Brasil e Ásia, onde Maersk Line e
Hamburg Sud já operam com grandes navios e em serviços diferentes.
Com menos competição para os embarcadores decidirem quem
contratar, a aposta do mercado é que o Cade dificilmente aprove a negociação
sem “remédios”. A concentração também deverá promover um rearranjo
das cargas nos terminais portuários, deslocando para os terminais onde a Maersk
Line atua os contêineres da Hamburg Süd, com consequências ainda imponderáveis
para essas instalações. A aquisição aumentará volumes “tanto da Maersk
Line quanto da APM Terminals”, o braço de operação portuária do grupo
dinamarquês, disse Søren Skou, CEO da Maersk Line e do grupo Maersk, em
comunicado mundial.
O mercado lá fora gostou e a ação do grupo Maersk, listado
na Bolsa de Copenhague, fechou com alta de 6,71%. Mas não foi um dia exatamente
feliz para todos que atuam no mercado da navegação. A venda da Hamburg Süd está
inserida num contexto dramático do transporte marítimo, no qual a sobreoferta
de navios e os sucessivos resultados negativos dos armadores dificultam o
espaço para empresas de porte médio.
Segundo Leandro Barreto, especialista em transporte marítimo
e sócio da Solve Shipping, a saída dos Oetker do negócio marca o fim de uma era
e inaugura outra na qual empresas médias e de nicho não conseguem sobreviver. É
fruto ainda do “overcapacity” dessa indústria associado à
desaceleração das exportações mundiais, que levaram a uma queda exagerada dos
fretes e da utilização dos navios.
“Claro que não podemos minimizar a responsabilidade dos
próprios armadores ao terem contratado esse ‘overcapacity’ anos atrás motivados
pelos altos custos de combustíveis. Mas a verdade é que, no médio prazo, os
embarcadores de carga, que são os maiores beneficiados por essa queda
irracional dos fretes marítimos, deverão sentir mais fortemente os efeitos
dessa consolidação do mercado”, diz Barreto.
Em nota, o grupo Oetker disse que os proprietários e a
diretoria do armador “reconhecem que a participação ativa no processo de
consolidação pelo qual o setor passa atualmente acarretará em investimentos
ainda mais vultosos, o que dificultaria o equilíbrio da distribuição de risco
entre as várias atividades do grupo Oetker”. O Valor apurou que a Hamburg
Süd estimava perder globalmente US$ 1 milhão por dia neste ano.
Em setembro a Maersk Line anunciou que aumentaria sua
participação de mercado de forma orgânica e via aquisições. Sobre novas
compras, Shamsie disse que por enquanto não há mais por vir. “Mas as
aquisições continuam uma opção para o sucesso de nossa estratégia de
crescimento.”
A história da Hamburg Süd está entrelaçada culturalmente com
a o Brasil. Antes de se tornar o maior provedor do transporte marítimo de
contêineres da Costa Leste da América do Sul, a companhia foi responsável pela
vinda de milhares de imigrantes alemães para o Brasil nos séculos XIX e XX.
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