Os repasses de recursos do Banco Nacional de Desenvolvimento
Econômico e Social (BNDES) feitos por instituições financeiras dão uma boa
dimensão da velocidade com que os bancos vêm se contraindo também quando o
assunto é financiamento corporativo voltado ao investimento produtivo –
justamente um dos pilares eleitos pelo governo interino para a retomada do
crescimento econômico. Os repasses somaram R$ 21,809 bilhões de janeiro a
junho, uma queda de 38% sobre o total liberado em igual período do ano passado.
O perfil dos maiores repassadores também mudou. Os de nicho
ou regionais ganharam espaço no total emprestado no período. Em um movimento
que, involuntariamente, pode ser uma antecipação das feições que o banco de
fomento busca assumir daqui para frente, o foco dessas instituições são
segmentos como agronegócio, inovação e energias alternativas.
Do total emprestado pelos dez bancos mais bem colocados de
janeiro a junho, a fatia repassada pelos menores chega a 25,8%. Em 2015, também
entre os dez maiores, 81,5% do volume foi repassado pelos grandes e apenas
18,5%, pelos bancos de menor porte.
Entre os cinco maiores (Banco do Brasil, Bradesco,
Santander, Itaú e Caixa), que tradicionalmente também eram os maiores
repassadores, houve mudanças. A Caixa perdeu o quinto lugar, mantido pelo menos
desde 2012, e o Santander passou o Itaú, chegando à terceira posição do
ranking. Outro banco, o BTG Pactual, forte nos repasses em infraestrutura,
sumiu do ranking em razão das turbulências enfrentadas pela instituição no fim
do ano passado.
Anualizados, os R$ 21,8 bilhões emprestados de janeiro a
junho somariam R$ 43,6 bilhões no fim de 2016, o que significa um recuo de
33,2% em relação aos R$ 65,4 bilhões repassados em todo o ano passado. Se os
bancos seguirem emprestando nesse ritmo, as operações indiretas do BNDES podem
registrar o pior ano desde 2007, quando somaram apenas R$ 37,9 bilhões.
Nas operações indiretas, o BNDES usa a rede de bancos
credenciados para conceder financiamento de longo prazo, geralmente de até R$
20 milhões. O cenário é de recuo duplo: baixa demanda e escassez de crédito. O
conservadorismo dos bancos, no entanto, tem peso especial nessa equação, em
particular o das maiores instituições. “No âmbito do BNDES, a única coisa
que estou financiando são usinas eólicas”, diz um executivo de um grande
banco. “Olho quem é o sponsor [o garantidor] e a viabilidade do projeto
para assumir o risco”, conta, ao lembrar que nesse tipo de operação o
risco de liquidez é do BNDES, mas o de inadimplência é 100% da instituição financeira
repassadora.
Inovação em projetos de energia também tem sido o foco do
Banco Regional de Desenvolvimento do Extremo Sul (BRDE), além de operações
estruturadas em infraestrutura e, o carro-chefe, o agronegócio. “Nossa
posição no ranking subiu, muito mais pelo recuo dos grandes, e esse é o papel
do banco de desenvolvimento. Quando todo mundo sai, somos o último recurso do
empreendedor”, diz o superintendente de crédito e controle do BRDE, Thiago
Tosatto.
O alvo do banco de desenvolvimento regional, que ocupou o
lugar da Caixa ao repassar R$ 1,074 bilhão de janeiro a junho, são produtores
rurais e cooperativas dos Estados da região Sul, além do Mato Grosso do Sul.
Com foco no financiamento de caminhões e ônibus, o
Volkswagen caiu no ranking (do 8º para o 11º lugar do ano passado para cá). O
cenário difícil para o mercado automotivo em geral atrapalhou o desempenho. O
banco, contudo, tenta se segurar porque nada menos do que 90% do que é vendido
em caminhões e ônibus é feito via financiamento, explica Paulo Pinho, superintendente
de operações de campo da Volkswagen Financial Services. “Temos que ter por
vocação essa perenidade”, afirma.
Até julho, o volume de contratos mensais de financiamentos
de caminhões e ônibus caiu 11,3% na comparação anual. Em relação ao pico mais
recente, 2013, a redução é de 63%. Naquele ano, o Volkswagen fazia,
mensalmente, cerca de 2 mil contratos de financiamento, número que caiu para
900 no ano passado e está em 700 contratos mensais.
Pinho ressalta a dificuldade maior das empresas em assumir
novos empréstimos. A inadimplência acima de 30 dias, que em 2013 estava em 5%,
subiu para 10%. “Temos boa chance de os contratos se recuperarem no
segundo semestre, mas não esperamos crescimento para 2016 sobre 2015”, diz
Pinho. Dentre os grandes, o Santander mudou a estratégia e remodelou a
estrutura de financiamento concedido via repasses do BNDES. “O Santander
quer ter uma posição significativa dentro do BNDES”, diz o
superintendente-executivo do banco, Alexandre Guimarães Soares. O agronegócio é
um dos pilares do banco, que, de acordo com ranking dos maiores repassadores
exclusivamente no agronegócio, é o quinto colocado – atrás de BB, BRDE,
Bradesco e John Deere, voltado para máquinas agrícolas.
Soares reconhece que a demanda por crédito corporativo caiu
e os bancos estão mais seletivos, mas lembra que o próprio banco de fomento vem
se ajustando, de volta ao tamanho que tinha entre 2009 e 2010.
Sérgio Lazzarini, pesquisador do Insper, vê o movimento como
positivo, mas ressalta que muito do volume repassado com recursos do BNDES vai
para empresas grandes, com boa capacidade de pagamento, o que estaria longe do
ideal. “Tem que ir aonde o mercado não consegue funcionar adequadamente,
como saneamento básico e áreas de infraestrutura mais remotas”, afirma
ele. “Repasse para um banco privado emprestar para grande empresa é
distorção.”
Executivo de um banco avalia que os repasses caíram muito
nos últimos meses em razão da queda do apetite das instituições financeiras e
devem continuar a desacelerar nos próximos, mas pelo novo posicionamento do
BNDES. “É claro que isso vai impactar o investimento em infraestrutura no
curto prazo, mas não acho que tenha efeito estrutural tão relevante. O Brasil
vai ter que se adequar a condições reais de captação no mercado.”
Seja o primeiro a comentar