Aumento da malha ferroviária cria oportunidades

Aos 72 anos, o aposentado José Nunes ficou emocionado ao saber que a neta Flaviaine Pereira, 24 anos, trabalharia no setor de ferrovias. Ele atuou por muitos anos na manutenção de estradas de ferro, mas se viu obrigado a abandonar a profissão após ter sido demitido durante uma crise do setor. Formada em engenharia de produção, Flaviaine superou 200 outros candidatos que disputavam cada vaga do curso de especialização em engenharia ferroviária da Vale, empresa que administra mais de dez mil quilômetros de ferrovias no país. Durante três meses, entre outubro e dezembro do ano passado, ela mergulhou em uma rotina de dez horas diárias de aulas, palestras com gestores e especialistas da empresa e visitas técnicas nos fins de semana, além de ter que estudar para pelo menos duas provas semanais.


Ao final do curso, foi contratada para o cargo de engenheira ferroviária do setor de planejamento e controle de manutenção de via. Estou encantada com as perspectivas da carreira. Tenho certeza de que o setor ferroviário brasileiro viverá nos próximos anos um período de grande expansão e muitas oportunidades para quem atua na área, diz a mineira de Itabira – por coincidência, berço também da empresa para a qual ela trabalha. Solteira e sem filhos, Flaviaine mora em Belo Horizonte, mas viaja com frequência e está em vias de se transferir para o interior do estado. Uma das premissas dessa carreira é a disponibilidade para mudanças, muitas vezes para pequenas cidades, diz.


A expectativa geral de quem acompanha o setor de logística é de que as oportunidades ligadas às ferrovias – tanto na administração quanto na construção da infraestrutura e dos equipamentos – multipliquem-se gradualmente com a anunciada expansão da malha do país e a necessidade de aprimorar a produtividade das empresas que atuam no setor. O país ainda usa pouco o transporte ferroviário em comparação a outras potências econômicas e a tendência é de que o déficit seja reduzido nos próximos anos por uma questão de competitividade. O profissional que decide fazer carreira na área de ferrovias não pode ter pressa para subir na carreira. O ritmo é tradicionalmente mais lento, com processos complexos e de longo prazo, alerta o coordenador do MBA em gestão logística da Fipecafi, instituição ligada à FEA/USP, João Bio. Ele foi estagiário da Fepasa e trabalhou por 12 anos no Metrô de São Paulo. Um dos problemas que engessam o setor em termos de oportunidades de carreira é a dificuldade para a entrada de novas empresas, diz Bio.


Esse fator, contudo, não tem impedido, a criação de postos de trabalho, especialmente nas grandes empresas que já participam ativamente do esforço para ampliar a malha e aprimorar a qualidade dos serviços prestados. Além do curso de formação voltado a engenheiros de qualquer área que queiram se especializar no setor ferroviário – caminho seguido por Flaviaine -, outra porta de entrada na Vale é o programa de trainees. Para os jovens que conseguem passar pelo funil, as perspectivas são promissoras. A empresa já anunciou que planeja investir cada vez mais em estruturas de logística, tanto como apoio para as atividades de mineração quanto para a prestação de serviços terceirizados – a área de transporte ferroviário de cargas faturou US$ 1,3 bilhão no ano passado.


Na América Latina Logística (ALL), que obteve crescimento de 10% no volume transportado por ferrovias no ano passado, serão contratados no segundo semestre deste ano 50 jovens por meio dos programas de trainees e formação de engenheiros ferroviários. Além disso, serão mais 200 operadores de produção e 75 técnicos para funções de manutenção mecânica e elétrica de locomotivas.


Assim como ocorre na Vale, a ALL aposta na formação interna. Uma vez que não existe mão de obra pronta disponível no mercado, optamos por selecionar profissionais que demonstrem possuir valores que a companhia aprecia -mesmo que não tenham qualquer experiência em ferrovias -e prepará-los por meio dos cursos da nossa universidade corporativa, afirma o gerente de pessoas, Rodrigo Paupitz. Nas funções técnicas, os cursos são montados em decorrência de uma demanda já existente, de tal forma que o índice de contratação dos participantes beira os 100%. Para evitar que os profissionais formados em casa sejam roubados pelos concorrentes, a empresa aposta em um pacote de retenção que inclui monitoramento do clima de trabalho, remuneração variável e opção de o profissional crescer tanto em funções essencialmente técnicas quanto em cargos de gestão.


Na subsidiária brasileira da Siemens, 500 pessoas foram contratadas desde 2007 para atuar em funções ligadas ao setor ferroviário. Até o final deste ano, serão mais 150 empregos diretos e 450 indiretos, consequência da inauguração de uma unidade fabril em Cabreúva (SP) para reforma e fabricação de trens urbanos e composições usadas pelo sistema metroviário. A exemplo das outras grandes empresas que atuam no setor ferroviário, a Siemens desistiu de procurar mão de obra pronta e decidiu investir na formação. Contratamos pessoas sem experiência no setor e as colocamos para trabalhar ao lado dos mais experientes. É um treinamento na prática, define o diretor executivo da divisão mobility, Paulo Alvarenga.


A fábrica já está com uma encomenda que vai ocupar cinco anos de trabalho: a modernização de 98 trens das linhas 1, 2 e 3 do Metrô de São Paulo. O mercado nunca esteve tão aquecido quanto agora. A realização da Copa de 2014 no Brasil e o projeto do trem de alta velocidade entre São Paulo e Rio são eventos históricos, afirma Alvarenga.


Escolas ainda não têm cursos direcionados para o setor


O Instituto Elos, uma das principais referências acadêmicas do país na área de logística, ainda não tem um programa voltado exclusivamente para ferrovias. Até hoje, apenas alguns cursos foram desenvolvidos sob medida para funcionários de uma determinada empresa do setor. A tendência, porém, é de que os cursos específicos sejam criados. Os próximos anos vão ser de grandes investimentos na rede ferroviária e as instituições de ensino vão ter que acompanhar esse movimento, diz o gerente de capacitação do Elos, Leonardo Julianelli.


Uma alternativa, por enquanto, é o curso de desenvolvimento de analista de logística, com aulas aos sábados durante um ano. Também no MBA de gestão logística da Fipecafi, por onde passaram cerca de 200 alunos nos últimos cinco anos, o tema ferrovias é tratado apenas em um dos módulos do curso, ainda sem maior destaque.


Para o especialista na área de logística e transportes da consultoria Fesa, Eduardo Matsushita, o perfil dos profissionais absorvidos pelo setor ferroviário está passando por uma transição. Até a década de 1990, com a malha estagnada e a baixa perspectiva de novos investimentos, as atenções estavam concentradas na melhoria operacional da estrutura já existente. Isso exigia, acima de tudo, conhecimentos técnicos sobre o funcionamento das ferrovias. Agora, esses conhecimentos continuam sendo importantes, mas é essencial ter também uma visão mais abrangente da cadeia de transporte. É preciso entender todos os processos envolvidos, como armazenamento e transbordo, para ajudar os clientes a encontrar a melhor combinação entre custos, benefícios e riscos, afirma Matsushita.


O gerente geral de inovação e desenvolvimento ferroviário da Vale, Gustavo Mucci, diz que dinamismo, proatividade e disposição para entender os processos em sua plenitude são atributos essenciais buscados nos jovens selecionados pela empresa para atuar no setor. De acordo com ele, as ferrovias podem parecer um universo limitado para quem enxerga de fora, mas é um setor que entusiasma justamente por oferecer muitas alternativas e desafios para o profissional. Neste momento, por exemplo, estamos trabalhando em projetos distintos como o desenvolvimento de trens mais longos, a criação de simuladores que reproduzem a realidade, e a busca de

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