Depois de investir US$ 1,2 bilhão no Brasil nos últimos cinco anos, US$ 320 milhões dos quais em 2013, a americana Cargill, maior empresa de agronegócios do mundo, acaba de aprovar um pacote que prevê aportes de mais US$ 500 milhões no país nos próximos dois anos. Os recursos serão destinados sobretudo a projetos na área de logística e para ampliar a produção de ingredientes de alto valor agregado, mas o segmento sucroalcooleiro também será contemplado.
“Temos uma agenda bastante positiva no Brasil. O país é um dos cinco maiores investimentos da companhia no mundo”, afirmou ao Valor o presidente da subsidiária brasileira do grupo, Luiz Pretti. O grupo, que em 2015 vai comemorar 150 anos, mantém operações diretas no Brasil há 49 anos. “Estamos entregando à matriz tudo o que prometemos”.
Como a empresa já havia sinalizado, a maior parte dos investimentos previstos para entre junho de 2014 e maio de 2016 será em portos. Estão programados cerca de US$ 200 milhões, concentrados na ampliação da capacidade do porto da multinacional em Santarém, no Pará – de 2 milhões para 5 milhões de toneladas por ano, basicamente de soja -, e na instalação de uma estação de transbordo fluvial em Miritituba, também no Estado, projeto que ainda aguarda a licença ambiental necessária. Paralelamente, há interesse em contar com um terminal no porto de Vila do Conde, próximo a Belém.
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A preocupação dos grandes grupos do agronegócio que atuam no Brasil com a logística e os grandes investimentos que têm sido realizados para incrementar o escoamento das exportações pela região Norte se justificam. No ano passado, por exemplo, o grande volume de exportações de soja e milho atravancou os portos do Centro-Sul, gerou filas de caminhões em rodovias e de navios na costa, provocou problemas de armazenagem no Centro-Oeste e elevou os custos das empresas nas operações de trading.
No caso da Cargill, o incremento dos custos logísticos foi de 31% em 2013, com reflexos diretos sobre os resultados da subsidiária brasileira. Em balanço publicado em abril, a Cargill Agrícola informou que seu lucro líquido (atribuível aos acionistas controladores) foi de R$ 380,1 milhões, 6,1% menos que em 2012. “Mesmo assim, e diante dos problemas logísticos que enfrentamos, foi um resultado robusto”, afirmou Pretti. A receita líquida cresceu 4,4%, para R$ 24,8 bilhões. Nos nove primeiros meses de seu atual exercício global, encerrados em fevereiro, as vendas da Cargill alcançaram US$ 98,7 bilhões e seu lucro líquido foi de US$ 319 milhões – 21% menor que no mesmo período do ano fiscal anterior, em parte por conta de problemas logísticos enfrentados também nos EUA, por causa de chuvas e nevascas. Nos últimos cinco anos, os investimentos globais da multinacional somaram US$ 15 bilhões.
Apesar dos gargalos que tumultuaram e encareceram o escoamento – e em 2014 a cheia do rio Madeira, em Rondônia, e a seca da hidrovia Tietê-Paraná, em São Paulo, também atrapalham bastante as operações – a Cargill originou, processou e comercializou 21 milhões de toneladas de produtos no Brasil em 2013, mesmo patamar do ano anterior. A empresa é uma das maiores exportadoras de grãos do país. No primeiro quadrimestre de 2014, seus embarques totais, impulsionados por mais uma safra recorde, somaram US$ 1,7 bilhão, 2,2% mais que em igual intervalo do ano passado.
“Mas, no ano passado, as vendas no mercado doméstico, puxadas por produtos de maior valor agregado, já representaram 25% do nosso faturamento bruto, que alcançou R$ 26 bilhões”, realçou Pretti. Daí porque, do pacote de investimentos aprovado para os próximos dois ano, há programados US$ 140 milhões para a ampliação das linhas de ingredientes das fábricas da empresa em Uberlândia (MG) e Castro (PR). A fábrica de processamento de milho de Castro, que começou a operar em novembro depois de aportes da ordem de R$ 500 milhões, foi um dos destaques entre as realizações da empresa em 2013.
Do montante previsto até maio de 2016 nessa frente, cerca de US$ 40 milhões serão destinados à expansão de 40% na capacidade de produção de maltodextrina da unidade de Uberlândia. Derivado do milho, o ingrediente é usado em alimentos infantis e isotônicos, entre outros produtos. A fábrica mineira também receberá outros US$ 75 milhões para a ampliação da oferta de ácido cítrico, amidos modificados e ração animal. Castro receberá US$ 25 milhões para a instalação de uma nova linha de amido modificado industrial, voltado à indústria de papel.
No segmento de açúcar e etanol, cujas lideranças pressionam o governo federal por medida de estímulo ao biocombustível, a Cargill pretende continuar a investir nas joint ventures Cevasa e SJC Bioenergia. Conforme Pretti, serão cerca de US$ 50 milhões nas três usinas envolvidas, que deverão moer 9,5 milhões de toneladas de cana no ano fiscal 2014/15. No ano passado, foi inaugurada a Usina Rio Dourado, a segunda da SJC, parceria com o grupo USJ. “Temos uma expectativa grande nesse segmento”, disse Pretti ao Valor. Na área de açúcar, a Cargill ainda espera a aprovação das autoridades regulatórias para dar início efetivo às operações da trading que criou em parceria com a Copersucar. Será a maior do mundo no segmento.
Do ponto de vista estratégico, esse deverá ser o caminho da Cargill no Brasil nas próximas décadas, como foi nos últimos anos: tornar a logística cada vez mais eficiente para garantir um escoamento rentável de produtos agrícolas ao exterior e acompanhar o aumento da demanda por produtos de valor agregado mais elevado, em linha com o crescimento de renda da população. “Até 2050, teremos 9,6 bilhões de pessoas no mundo, 70% em áreas urbanas – comendo melhor e de forma segura e sustentável. Brasil, Argentina e Estados Unidos são fundamentais para garantir essa oferta de alimentos”.
Ao mesmo tempo, a evolução do consumo no Brasil, que tem exigido a ampliação da oferta de ingredientes especiais voltados aos setores de alimentos e bebidas, também tem gerado investimentos em cacau – capacidade da unidade da empresa em Ilhéus (BA) nessa frente foi ampliada em 2013 -, em óleos especiais e gorduras, e em molhos. O Brasil é o único dos 67 países nos quais a múlti está presente diretamente onde há negócios com molho de tomate, por exemplo – e, se surgir, uma nova oportunidade de diversificação como essa será aproveitada e poderá elevar o montante de investimentos previsto, conforme Pretti.
Segundo ele, esses investimentos no Brasil fazem dos últimos – e dos próximos – anos o melhor período da companhia no país, que ganha cada vez mais importância nos negócios globais. Foi inaugurado aqui, há dois anos e meio, o centro de inovação do grupo para a América Latina, que custou US$ 2,5 milhões, e Pretti é o único executivo de um país emergente a participar de um dos dois principais comitês globais da Cargill, o de riscos financeiros – o outro é o de riscos de commodities. É do Brasil, ainda, que a Cargill administra a parte financeira de todas as operações na América Latina.
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