Novo edital do TAV reduz risco cambial e de demanda

O governo aposta na presença de pelo menos quatro grupos estrangeiros no leilão do trem de alta velocidade (TAV). Franceses, alemães, coreanos e japoneses devem participar da disputa pelo projeto, que prevê a ligação entre Rio de Janeiro, São Paulo e Campinas. Na avaliação oficial, há grande possibilidade ainda de a canadense Bombardier entrar na concorrência.


A licitação da primeira etapa do projeto, quando será escolhida a empresa responsável pela operação e administração do trem-bala, deverá ocorrer em novembro. O edital está pronto e só aguarda aval da presidente Dilma Rousseff para ser lançado e submetido a audiência pública, entre fevereiro e março.


O modelo de negócios para a exploração do trem-bala foi totalmente reformulado após o fracasso em três tentativas de licitá-lo, entre 2010 e o ano passado. Se não tivéssemos adiado o leilão, pela primeira vez, teria havido um grupo vencedor. Mas, para o governo, não interessa ter um vencedor a qualquer preço, disse ao Valor o ministro dos Transportes, Paulo Sérgio Passos. Estamos falando de um projeto de vários bilhões de dólares e com um alto grau de complexidade.


No novo modelo, a taxa de retorno do projeto como um todo foi calculada em 6,32% – próxima do índice de 6,46% estabelecido para o recente leilão dos aeroportos e abaixo dos 8% definidos nas últimas concessões de rodovias federais. A remuneração sobre o capital próprio investido pelos acionistas ficará em 11,7% anuais.


O financiamento público, liderado pelo BNDES, atingirá cerca de R$ 22 bilhões. Estimativas de demanda de passageiros e receita das futuras concessionárias foram basicamente preservadas. Fazendo isso, é mais fácil até conversar com o TCU, comentou Passos, referindo-se à necessidade de reapresentar os estudos e o edital ao Tribunal de Contas da União.


Para viabilizar definitivamente o trem-bala, projeto que Dilma considera prioridade absoluta do governo, a União decidiu bancar – pelo menos parcialmente – os principais riscos associados à demanda, construção e operação. Para diminuir o risco cambial, a futura concessionária poderá tomar um financiamento em reais, garantido pelo Tesouro Nacional. Os recursos poderão ser usados, inclusive, na compra de equipamentos importados, como locomotivas, vagões e sistemas de comunicação.


Normalmente, os financiamentos do BNDES – para usinas hidrelétricas ou para a recente concessão de aeroportos – estão restritos à aquisição de equipamentos nacionais. No trem-bala, não deverá haver esse tipo de restrição. Com isso, a futura operadora do trem-bala poderá usar os recursos tomados no banco – uma parcela dos R$ 22 bilhões totais, provavelmente algo em torno de R$ 5 bilhões, já que o restante será para as obras civis – para comprar à vista os equipamentos necessários no exterior, blindando-se contra eventuais desvalorizações do real entre o momento da encomenda e o da entrega dos bens.


Como o pagamento do empréstimo continuará a ser feito em moeda local, o governo acredita que isso tira do operador o risco de pagar muito mais caro pela variação do dólar.


A questão cambial é apenas um dos três riscos que foram atenuados pelo governo na nova modelagem. Outro é o risco de construção, pivô da discrepância entre as projeções oficiais e da iniciativa privada sobre o custo do investimento necessário na construção do trem-bala. Com as mudanças, a Etav – estatal que começará a funcionar imediatamente após o primeiro leilão – contratará um projeto executivo de engenharia. As estimativas para a construção do trem-bala variavam de R$ 34 bilhões, valor frequentemente citado pelo governo até o ano passado, aos mais de R$ 50 bilhões que vinham sendo mencionados pelas empreiteiras interessadas em tocar as obras.


Para o ministro, o projeto executivo sepultará esse tipo de controvérsia e permitirá ao consórcio construtor ter uma noção clara e objetiva de quanto gastará para executar toda a infraestrutura do TAV e qual será a sua remuneração por isso. Essa discussão acabará, afirma Passos.


Pelo novo formato desenhado pelo governo, o leilão foi dividido em duas etapas. Na primeira, serão escolhidos o operador e a tecnologia do trem-bala. O contrato terá duração de 40 anos e o tempo da viagem expressa (sem paradas intermediárias) entre Rio e São Paulo deverá ser de 99 minutos. No cronograma imaginado, o trem estará funcionando em 2019.


Aproximadamente um ano depois da primeira licitação, será feita nova concorrência para definir o grupo responsável pelas obras civis e pela exploração do potencial imobiliário no entorno das estações. O grupo construtor arrendará a infraestrutura para o operador.


No modelo anterior, vencia a licitação quem apresentasse a menor tarifa para o trecho expresso Rio-São Paulo (em classe econômica), cujo teto estipulado era de R$ 200. Essa tarifa máxima será mantida – atualizada pela inflação do período -, mas servirá apenas para evitar que a futura concessionária tenha liberdade total para definir os preços do trajeto. Ou seja, ela poderá fazer promoções e cobrar menos, mas sempre respeitando um teto tarifário.


A tarifa máxima, no entanto, não será mais usada como critério para definir o vencedor do leilão. No novo modelo, ganhará essa primeira concorrência quem oferecer o valor mais alto de outorga para a relação passageiro/quilômetro percorrido.


Esse indicador será adotado como critério, porque o trem-bala vai operar em várias rotas diferentes – por exemplo, Campinas-São Paulo ou São José dos Campos-Rio. Na prática, cada passageiro terá um valor mínimo sobre quilômetro percorrido e vencerá o primeiro leilão quem oferecer o maior ágio sobre esse piso, que ainda não está fechado.


Para minimizar as incertezas em torno da demanda futura, evitando que operadoras estrangeiras deixem de participar do leilão por receio de um volume de passageiros aquém do projetado nos estudos, o governo também resolveu bancar parte do risco. A concessionária responsável pela operação e pela administração do trem-bala pagará, como outorga, apenas o valor correspondente ao número de passageiros efetivamente transportados no sistema ao longo do contrato de concessão.


Se a demanda ficar abaixo dos 46 milhões de passageiros estimados para 2024, ou dos 69 milhões que se espera em 2034, por exemplo, a concessionária pagará ao governo apenas pelo volume realmente verificado. O pagamento ao governo será feito sempre, no entanto, conforme o valor passageiro/quilômetro percorrido estipulado na proposta vencedora do leilão.


Com essa sistemática para minimizar o risco de demanda, foram descartadas outras possibilidades, como uma eventual extensão do contrato para mais de 40 anos, caso haja menos passageiros do que o inicialmente estimado. O governo também acredita que se tornou desnecessário repetir o esquema, adotado na licitação anterior, no qual os juros do financiamento do BNDES estavam atrelados à demanda.


Para o ministro, a nova modelagem garantirá a presença de empresas interessadas na primeira etapa da licitação (operadoras) e atrairá grupos para a segunda fase (construtoras). Franceses (representados pela Alstom), alemães (Siemens), japoneses (Hitachi, Mitsubishi e Toshiba) e coreanos (Hyundai e Samsung) seguramente têm interesse, diz Passos.


Segundo ele, os coreanos – que estavam prontos para oferecer uma proposta na primeira tentativa de leiloar o trem-bala e desfizeram o consórcio com empresas brasileiras durante o processo de licitação – voltaram a se articular com outra composição. A informação que tive é que eles já se reorganizam de outra forma.


De acordo com Passos, a reunião com a presidente Dilma deverá contar com a presença dos principais órgãos de governo responsáveis pelos estudos – além do Ministério dos Transportes e da Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT), também a Casa Civil, o BNDES e os ministérios da Fazenda, Desenvolvim

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