As velhas companhias ferroviárias brasileiras morreram em 1996, durante o programa de privatização do setor. Morreram com elas locomotivas e vagões sucateados, estruturas técnicas e administrativas que davam prejuízos anuais de R$ 1 bilhão em dinheiro de hoje, e nomes que passaram à história como exemplos de maus resultados, como RFFSA e Fepasa.
O que sobrou foi entregue às concessionárias encarregadas de operar e modernizar o setor, entre elas Vale, ALL e MRS. Nessa transformação do sistema ferroviário brasileiro quase morreu também a unidade da GE Transportation em Contagem, MG, inaugurada em 1967 para fabricar e dar manutenção a locomotivas.
“Quando chegou o ano de 2001, não tínhamos sequer perspectiva de pedidos”, diz o CEO da empresa para América Latina e África de língua portuguesa, Guilherme Mello. Sem encomendas de máquinas novas do Brasil ou de qualquer país da região, a empresa sobreviveu fazendo reformas e revisões de locomotivas para clientes e demitiu perto de 100 funcionários.
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Mesmo assim, era pouco para justificar a manutenção de uma grande fábrica de uma das maiores empresas do mundo. “A fábrica só não fechou porque os gestores mostraram à companhia um cenário latente indicando encomendas no futuro, para a renovação da frota”, acrescenta Mello. Em 2005, diz, o presidente Lula reforçou essa perspectiva, pedindo ao presidente da GE que a fábrica não fosse fechada.
De lá para cá, o mercado evoluiu. Só este ano, a empresa entregará 67 locomotivas, e em 2011 o dobro disso, afirma o CEO da companhia. “Valeu a pena esperar”, diz ele. Seu entusiasmo é explicável.
Até o fim do ano, as receitas da subsidiária brasleira deverão representar 20% do total faturado pela divisão GE Transportation no mundo. Isso significa no mínimo US$ 750 milhões. As perspectivas de crescimento são grandes, admite Mello, que este ano já entregou 25 máquinas para o governo da Nigéria e está concluindo a fabricação de 50 para a Cosan, a um valor médio de US$ 3 milhões cada uma.
Por fora, todas têm a mesma aparência das locomotivas antigas, mas por dentro são muito diferentes. O modelo AC-44, um dos mais modernos da empresa, com 4.400 HP de potência, tem instrumentação e controle digitais, cabine com ar-condicionado, geladeira, tevê, banheiro e rádio para comunicação.
O consultor Paulo Fleury, presidente do Instituto de Logística e Supply Chain, do Rio de Janeiro, conta que a falta de investimentos do governo foi a responsável pela situação que quase liquidou a fábrica.
“As ferrovias eram monopólio estatal e o governo passou de 15 a 20 anos sem comprar locomotivas”, conta ele. Quando as ferrovias foram privatizadas, diz Fleury, os concessionários concluíram que “não valia a pena usar máquinas zero-quilômetro naqueles trilhos.
Com exceção da Ferronorte, todas preferiram reformar as locomotivas que tinham, ou importar usadas para reformá-las aqui”, explica. “O problema era o traçado das linhas e a qualidade dos trilhos, em que a velocidade máxima não passava de 30 km/h”, diz Lars Sanches, professor de logística do Instituto Insper, de São Paulo. “No Brasil, a velocidade média dos trens é de 20,9 km/h, enquanto nos EUA é de 40,5 km/h”, acrescenta. Mas isso mudou.
Atualmente, há 2.857 locomotivas em operação no Brasil, 80% delas no transporte de minérios. Dessas, 1.145 são da marca GE. Com as vendas em alta, Guilherme Mello admite que a empresa está de olho em outras oportunidades, incluindo as obras do trem-bala. “Não fabricamos as máquinas, mas temos sistemas de sinalização perfeitos para a ferrovia”, conclui.
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