No fim do ano passado, o investidor americano Warren Buffett realizou a maior aquisição de sua vida. Ele comprou a totalidade das ações da principal ferrovia dos Estados Unidos, a Burlington Northern Santa Fe, por 26,3 bilhões de dólares. A transação, que surpreendeu o mundo inteiro, foi justificada da seguinte forma: Isso só está acontecendo porque meu pai não quis me comprar um trenzinho quando eu era criança. É claro que a aposta de Buffett não tem a ver com uma frustração infantil. O terceiro homem mais rico do mundo está certo de que, daqui a alguns anos, o encarecimento do petróleo, a forte demanda por veículos menos poluentes e a modernização das malhas ferroviárias em diversos países marcarão a retomada de um setor que virou figurante depois da popularização dos transportes rodoviário e aéreo. Mas será que o megainvestidor americano veria com o mesmo entusiasmo um dos projetos mais propagandeados pelo governo Lula – o trem-bala que ligará São Paulo ao Rio de Janeiro?
A julgar pelo histórico de investimentos de Buffett, a resposta seria não. O bilionário fez pouquíssimos negócios fora dos Estados Unidos. Além disso, procura investir em empresas sólidas, que já se mostraram lucrativas em ambientes ruins de negócios. Já o trem-bala brasileiro ainda precisa provar que é viável para os investidores. Por isso, antes de tudo, os empresários precisam saber quanto custará, de fato, a ferrovia – algo necessário para estimar o capital inicial aplicado e a margem de lucro. Afinal, não se está falando de uma obra trivial. O projeto tornou-se, simplesmente, o maior do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), com orçamento de 34,6 bilhões de reais, 45% a mais do que a hidrelétrica de Belo Monte, no Pará. É bom lembrar que a cifra bilionária ainda é uma estimativa. Muitos pontos técnicos ainda não foram resolvidos – e isso pode alterar os números.
Um exemplo emblemático de como os custos podem estourar e comprometer todo o planejamento é o famoso trem-bala que liga a França à Inglaterra, atravessando o Canal da Mancha por um túnel. A obra foi orçada inicialmente em 9 bilhões de dólares. Ao final, custou 19 bilhões de dólares, porque os especialistas não contavam com tantas dificuldades para construir as passagens submersas. O salto nos custos, com certeza, foi um dos responsáveis pelos prejuízos do consórcio Eurotunnel, que administra a via. A empresa amarga um legado de mais de 10 bilhões de dólares de dívidas – e até hoje tenta renegociar o financiamento do déficit em seu caixa.
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De onde virá o dinheiro?
Para evitar que o mesmo ocorra com o Brasil, consultores da área de infraestrutura acreditam que seria preciso estabelecer um preço fixo e definitivo da obra, consentido pelos investidores e pelas companhias de seguros. Determinar o real custo da obra é apenas o primeiro passo. O outro, tão ou mais difícil, é saber de onde virá o dinheiro – o tipo de dívida que os investidores vão contrair para tocar a obra pesa, e muito, no nível de retorno financeiro. Para os especialistas, o governo federal deveria proporcionar os melhores recursos de financiamento dos empréstimos porque a sustentabilidade operacional do TAV dependerá essencialmente de dinheiro público. A colaboração do governo de Portugal com a construção da ferrovia Lisboa-Porto proporcionou uma economia de 18% para a obra, compara Carlos de Faro Passo, consultor na área de infraestrutura e professor da Fundação Getúlio Vargas (FGV) em São Paulo.
Seja qual for a fonte de recursos, um dia o consórcio responsável pelo trem-bala brasileiro terá de começar a pagar o financiamento. Por isso, uma pergunta constante dos sete investidores interessados – França, Alemanha, Coreia do Sul, Japão, Espanha, China e Itália – é: a ferrovia vai gerar caixa suficiente para quitar as contas e dar lucro? Isso depende, é claro, de quantas pessoas vão aderir à novidade. Em 2017, quando o trem-bala provavelmente estiver concluído (a expectativa inicial era de que ele já operasse em 2014, a tempo de atender a demanda da Copa do Mundo), as pontes aéreas e rodoviárias entre São Paulo e Rio de Janeiro poderão movimentar cerca de 15 milhões de passageiros. Desse total, 80% deverão optar pela malha ferroviária, caso o preço seja mais acessível do que a conexão aérea. Se isso, de fato, acontecer, ainda vão faltar 10 milhões de passageiros para atingir a demanda original do empreendimento, que prevê partidas a cada 15 minutos, durante 14 horas por dia.
Para rentabilizar o Trem de Alta Velocidade (TAV), as concessionárias deverão criar mais estações para atrair os usuários. No entanto, as empresas terão de oferecer um serviço tão veloz e tão econômico quanto o aéreo. Isso seria possível com tantas paradas obrigatórias? Terá de ter flexibilidade operacional, com viagens diretas para o Rio de Janeiro ou apenas para Campinas, propõe Fernando Fleury, sócio da consultoria Almeida e Fleury, que faz estudos sobre as fontes de financiamento para a obra. Até agora, calcula-se que o percurso total deverá durar 90 minutos, sem paradas, e o bilhete poderá custar 250 reais. Se esses números subirem, corre-se o risco de a oferta ser maior do que a demanda. E, aí, quem daria conta do déficit: o governo ou as companhias? A resposta ainda é incerta.
No começo de março deste ano, o governo resolveu ceder às pressões do empresariado e decidiu que, se a compra de passagens do trem-bala ficar abaixo das expectativas, o empréstimo feito junto ao Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), que bancará 60% dos 34,6 bilhões estimados para a obra, terá juros menores e ganhará um prazo maior para o parcelamento da dívida. A linha de crédito custará a variação da Taxa de Juros de Longo Prazo (TJLP) mais 1% ao ano. Outro incentivo para as empresas será o aumento do período de vigência da concessão, que passará de 30 para 40 anos.
Um trem de burocracias
Embora os subsídios públicos sejam um passo importante para viabilizar o primeiro trem-bala brasileiro, eles não são o bastante. Em 2004, a Coreia do Sul inaugurou um trem-bala entre Seul e Busan, com extensão de 412 quilômetros – 90 quilômetros a menos do que o projeto do trem-bala brasileiro. A obra custou 18,2 bilhões de dólares, dos quais o governo bancou 35% do projeto e garantiu o financiamento de outros 10% – menos, portanto, do que o governo brasileiro está disposto a bancar. No entanto, o TAV coreano demorou 11 anos para ser concluído, devido à burocracia estatal para licitar a obra.
O ritmo de maria-fumaça com que o projeto avança pelos gabinetes de Brasília também incomoda. No momento, o projeto do trem-bala está sendo estudado pelo Tribunal de Contas da União (TCU). A expectativa do presidente da Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT), Bernardo Figueiredo, é de que o edital seja anunciado até o começo de maio deste ano. Enviamos a proposta para o Tribunal de Contas da União no dia 17 de dezembro. Mas, até agora, não tivemos resposta alguma. Acredito que o TCU já tenha condições de se pronunciar sobre o caso, diz Figueiredo.
O ministro Augusto Nardes, relator do processo que tramita no TCU, alega que o Executivo demorou muito para encaminhar os estudos técnicos referentes ao TAV: Em 2007, sensíveis à implantação do TAV, aprovamos o primeiro estágio do acompanhamento para a concessão. No entanto, passaram-se quase dois anos sem que o governo desse continuidade. Segundo Nardes, a proposta de construção do trem-bala foi retomada no final de 2009. E somente agora, no começo de fevereiro, é que alguns documentos imprescindíveis, ligados aos estudos de viabilidade econômico-financeira, foram encaminhados ao Tribunal. Agora, precisamos de um tempo para examinar todos os elementos antes de nos pronunciarmos, afirmou.
Se por um lado a burocracia é um mal necessário para evitar superfaturamentos de obras e desvios de verba pública, por outro as exigências rocambol
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