*Richard White é professor de história em Stanford e autor de “Railroaded: the transcontinentals and the making of modern America”, a ser lançado em breve.
É difícil para os liberais como eu achar uma boa notícia no recente acordo sobre os cortes do orçamento federal, mas há pelo menos um lado positivo: os subsídios para a construção da rede ferroviária do trem de grande velocidade sofreram cortes consideráveis.
Por que esta seria uma boa notícia? Em seu discurso sobre o Estado da União, o presidente Barack Obama comparou a rede às ferrovias transcontinentais do século 19, como exemplos paralelos de inovação americana. Acho que ele está certo.
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Para os EUA como um todo, a Lei da Ferrovia do Pacífico de 1864 e a subsequente legislação que subsidiava as ferrovias transcontinentais – as linhas que atravessavam o continente do meridiano 98 até a Costa do Pacífico – foi o negócio que o dinheiro poderia comprar.
Encorajando uma expansão obtusa, estas leis sacrificaram o bem público ao lucro privado, e mais tarde os americanos lamentaram isso.
Não que as ferrovias transcontinentais ou as de grande velocidade sejam sempre péssimas ideias. Pode-se defender a construção da ferrovia de grande velocidade entre Boston e Washington, por exemplo, mas o governo propõe construir linhas de grande velocidade em lugares onde não existe uma demanda comprovada.
Na Califórnia, a construção de uma nova linha do gênero entre San Francisco e San Diego começará com um trecho de Borden a Corcoran, no Vale Central da Califórnia. O projeto já foi ridicularizado como o trem para lugar nenhum. A redução dos subsídios federais não parou o projeto, que agora ameaça tornar-se um monumento abandonado à arrogância.
Os defensores das ferrovias transcontinentais prometeram todo tipo de benefícios que não cumpriram. Afirmaram que elas eram necessárias para salvar a União, mas a União já estava salva antes da conclusão da primeira linha. As melhores terras agrícolas no Oeste teriam sido ocupadas sem as ferrovias; seu impacto em outras áreas foi muitas vezes desastroso para o meio ambiente. Durante três décadas, as mercadorias da Califórnia puderam ser transportadas a preços mais baratos, e praticamente com a mesma rapidez, por mar. Os subsídios recebidos pelas ferrovias enriqueceram as construtoras e os financistas, mas quase todas as ferrovias tiveram a liquidação judicial decretada, várias vezes; o governo salvou outras.
Como parlamentares mais lúcidos reconheceram, os subsídios foram um erro. Um deles definiu o principal inconveniente de uma proposta para o governo garantir os títulos: “Se houver lucro, as empresas podem ficar com ele; se houver prejuízo, que fique com o governo”.
Depois de 1872, o país voltou-se contra os subsídios das grandes corporações. Era um pouco tarde. As fraudes e as falências deixaram um legado que faria com que o governo levasse quatro décadas tentando recuperar o que tão impensadamente havia distribuído. Na década de 1890, o Congresso ainda tentava recuperar o dinheiro da Pacific Railway.
E, no entanto, aqui estamos nós de novo. O governo Obama propôs um subsídio substancial, US$ 53 bilhões em seis anos, para induzir os investidores a assumir riscos que de outro modo não assumiriam. Estes subsídios criam o que o economista Robert Fogel chamou de “capitalismo de estufa”: o governo assume grande parte do risco, enquanto as empreiteiras privadas e os financistas ficam com o lucro.
Como ocorreu anteriormente, a Califórnia tornou-se a terra dos sonhos das ferrovias. Nos anos 1860 e 1870 a Califórnia precisava de uma ferrovia regional que servisse os portos da Baía de San Francisco, e hoje ela precisa de melhores ferrovias urbanas e melhores sistemas de transporte de carga. Em vez disso, nos anos 1860, ela ganhou a Pacific Railway, e hoje a ferrovia do trem de grande velocidade. E, como fez na década de 1860, a Califórnia adoçou a proposta com subsídios próprios: uma emissão de títulos de US$ 9 bilhões.
A lei estatal estipula que a Autoridade do Trem de Grande Velocidade da Califórnia, encarregada do projeto, da empreitada e da operação do sistema, não receberá subsídios operacionais. O Estado californiano, e não os contribuintes, pagará seus custos operacionais e suas dívidas.
Estas garantias têm como base projeções de consumo otimistas e amplamente ridicularizadas. Os críticos, os mais violentos dos quais pertencem à Community Coalition on High-Speed Rail, afirmam que apenas duas linhas de alta velocidade funcionam sem subsídios operacionais: a Paris-Lyon e a Osaka-Tóquio.
Sem as garantias dos títulos, os investidores privados, que até o momento parecem mais dispostos a exigir uma análise detalhada da operação do que a Autoridade da Ferrovia de Grande Velocidade da Califórnia, ainda não colocaram dinheiro no projeto. O mais espantoso é que, embora os problemas financeiros obriguem a Califórnia a desmantelar sua rede de seguridade social, a destruir seu sistema educacional, e ficar observando enquanto a rede de estradas entra em colapso, concordou com um plano desse tipo que exige substanciais subsídios locais e certamente envolverá futuras concessões por parte do Estado para atrair investimentos privados.
É como se uma família, na qual um cônjuge está desempregado, incapaz de honrar o pagamento da hipoteca ou a escola dos filhos, procurasse desesperadamente endividar-se ainda mais para comprar um carro elétrico porque um tio se ofereceu para ajudar a pagar o custo. A armadilha está no fato de que não há um teto para o preço, e os vizinhos precisam contribuir. Os americanos do século 19 entenderiam a analogia.
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