A venda da Brasil Ferrovias para a América Latina Logística (ALL), anunciada na semana passada por R$ 1,4 bilhão, foi mais que um negócio bilionário. Ela criou a maior ferrovia da América Latina, com extensão de 21.000 quilômetros, abrangendo três regiões do país (Centro-Oeste, Sudeste e Sul) e a Argentina. E pode dar um novo impulso de competitividade a um setor estratégico para o Brasil.
A operação exigiu um intenso trabalho da ALL nos bastidores para ser concretizada – sobretudo para espantar dois concorrentes de peso, a Companhia Vale do Rio Doce e a MRS, que também estavam interessadas no negócio. Segundo Época apurou, o presidente da ALL, Bernardo Hees, começou a se reunir em segredo no fim do ano passado com o consultor Nelson Bastos, que foi presidente da Brasil Ferrovias entre 1999 e 2003 e hoje presta serviços para empresas como Parmalat e Daslu. Na pauta, um pedido de ajuda para conquistar os sócios da Brasil Ferrovias que emperravam o negócio. Deu certo. Num encontro de fim de semana armado por Bastos, Hees conseguiu dobrar quem se opunha à transação.
A negociação demonstra o estilo agressivo que a ALL impôs a um setor tradicionalmente abandonado no Brasil. Até a década de 90, o sistema ferroviário era mantido pelo Estado – muito mal. Hees, de 36 anos, é o segundo presidente da ALL desde 1997. Seu antecessor, Alexandre Behring, ocupa hoje a principal cadeira do conselho de administração da empresa, que fica em Nova York. Ambos são executivos formados na GP Investimentos, fundo de capital privado que controla as Lojas Americanas e criou a AmBev. A GP é conhecida por uma forte cultura competitiva, que inclui uma busca obsessiva por redução de custos e produtividade, além de metas claras – e duras – de desempenho. Foi essa fórmula que transformou a ALL numa empresa competitiva. Ela nasceu da compra da malha sul da antiga Rede Ferroviária Federal, em 1997. De lá para cá, o volume de cargas transportadas pela empresa cresceu 46%.
Em junho de 2004, a ALL fez sua primeira oferta pública de ações e, a partir daí, o valor de suas ações na Bolsa mais que triplicou. A expectativa é dobrar de tamanho em três anos, pois sempre acreditamos na capacidade de fazer uma virada nas empresas compradas, disse Hees durante o anúncio da transação. Para isso, será empregado R$ 1 bilhão em novos investimentos. A ALL vai gastar muito dinheiro para arrumar a Brasil Ferrovias, afirma Hugo Yoshizaki, especialista em logística da USP. Mas isso vai atrair novos investidores para o setor ferroviário.
Vista pelo ângulo financeiro, a compra da Brasil Ferrovias seria um mau negócio. No ano passado, sua dívida superou os R$ 3 bilhões, e o prejuízo os R$ 800 milhões. No entanto, o que atraiu a ALL foi a importância estratégica da ferrovia. Antes da aquisição, a Brasil Ferrovias possuía uma malha de 4.500 quilômetros, responsável pelo transporte de 40% de toda a soja colhida na Região Centro-Oeste. Estudávamos a compra havia mais de um ano, diz Sérgio Pedreiro, diretor-financeiro da ALL. Com ela, a empresa domina agora cerca de metade da malha ferroviária nacional.
Seja o primeiro a comentar