Construtoras da Lava Jato tentam se reerguer

Valor Econômico – Sete anos após o início da Lava Jato, as construtoras brasileiras atingidas pela operação ainda batalham para sobreviver e se reerguer, após o forte impacto em seus negócios, dificuldades financeiras, problemas de reputação, além da crise econômica do país desde 2015.

A situação varia muito entre os grupos. A Camargo Corrêa, por exemplo, que correu para fazer acordo de leniência, conseguiu reestruturar suas dívidas mais rapidamente, o que facilitou a retomada. Já a UTC ainda acumula dívidas bilionárias e corre risco de se desmantelar por completo – com a possível venda, inclusive, do seu braço de engenharia, a Constran.

Em comum, todas as companhias sofreram uma redução drástica de receitas, e nenhuma delas têm perspectiva de voltar à posição de gigante do setor, segundo a avaliação de executivos e assessores – alguns pediram anonimato, devido ao envolvimento nos processos.

A crise desses grupos começou a partir de 2014, como resultado da recessão econômica do país e da operação Lava Jato, que revelou esquemas de corrupção, fraudes em licitações – com destaque de obras da Petrobras – e cartel entre as empresas. As companhias, que passaram a ser alvo de investigação e tiveram que fechar acordos de leniência com multas altas, também viram as fontes de financiamento secar e os novos contratos minguarem, e tiveram que passar a vender ativos, ou colocá-los em recuperação judicial, para pagar as dívidas bilionárias.

Hoje, os grupos – que chegaram a ter negócios em diversos segmentos – têm feito um retorno às origens, com foco na engenharia, para sobreviver no longo prazo. Porém, há ao menos dois grandes desafios para a retomada: a lenta recuperação do mercado de construção pesada; e a dificuldade das próprias empresas para contrair financiamentos.

O setor de engenharia encolheu drasticamente nos últimos anos, pela crise e falta de obras de infraestrutura. O volume de investimento no setor no país caiu 31%, entre 2014 e 2019, segundo a Associação Brasileira da Infraestrutura e Indústrias de Base (Abdib). Se considerado apenas o gasto público, a queda é de 52%.

Os contratos também mudaram de perfil. Já não há mais as obras públicas faraônicas que impulsionaram as empresas no passado. As licitações governamentais se tornaram muito menores. Hoje, grande parte das concorrências são privadas, promovidas por outros grupos, que operam concessões de infraestrutura.

“O mercado passou por um grande ciclo de baixa. Com a pandemia, a crise se prolongou ainda mais. Empresas tiveram que se adequar, vender ativos. Porém, estamos motivados com a expectativa de retomada”, afirma Cláudio Medeiros, presidente do Sinicon (Sindicato Nacional da Indústria da Construção Pesada).

Para Venilton Tadini, presidente da Abdib, o Brasil só irá superar os gargalos de infraestrutura quando o poder público voltar a ampliar seus aportes. Porém, já há indicações de otimismo para as empresas de engenharia – com as novas concessões, a lei do saneamento, as renovações antecipadas de contratos de ferrovias e as desestatizações da Petrobras.

Mesmo com a retomada, as empresas ainda terão mais um desafio: o acesso a crédito, essencial no mercado de construção, que demanda capital intensivo.

“A obra exige um aporte inicial grande, para a mobilização de máquinas, canteiros. Já o retorno vem a conta-gotas. Às vezes a empresa até consegue o contrato, mas falta capital para começar, ou, se há atraso nos pagamentos, gera-se um rombo no caixa”, afirma Gustavo Salgueiro, sócio do Galdino & Coelho Advogados.

Nas obras privadas, a saúde financeira do grupo frequentemente surge como fator de risco que trava a contratação, afirma um analista. Outra fonte diz que, no caso de grupos que passam por recuperação judicial, o quadro é ainda pior, porque os bancos e as seguradoras que atuam no mercado são os mesmos que, nos últimos anos, tiveram créditos renegociados ou cortados.

Por outro lado, observa um executivo, as grandes construtoras preservam atestados e equipes com forte experiência, o que continua sendo um trunfo na hora de disputar obras complexas.

Os grupos que não recorreram à recuperação judicial para reestruturar dívidas, como a Camargo Corrêa, a Andrade Gutierrez e a Queiroz Galvão, são apontados como os que têm conseguido se recuperar mais rapidamente.

Isso não significa que não há dificuldades financeiras. Neste mês, a Andrade Gutierrez anunciou a venda da participação na CCR, para quitar dívidas e fortalecer seu braço de engenharia. O grupo resistiu por anos à saída da empresa, que é bastante rentável e promissora, mas decidiu abrir mão das ações – pelo pagamento expressivo de R$ 4,6 bilhões – após sofrer os impactos da pandemia. A expectativa é que, com uma situação financeira mais equilibrada, a construtora poderá aproveitar o atual aquecimento do mercado, diz uma fonte.

A OEC (Odebrecht Engenharia e Construção) também conseguiu, em 2020, reestruturar suas dívidas, por meio de um acordo extrajudicial – em um processo externo à gigante recuperação judicial de sua controladora Odebrecht (rebatizada Novonor).

O desafio é voltar a ampliar o porfólio, que já foi de US$ 33,9 bilhões, em 2014, e terminou o ano passado somando US$ 2,7 bilhões. A OEC também tem conseguido novas obras. Em 2020, a construtora adicionou contratos de US$ 381 milhões e, em março deste ano, conquistou um projeto de US$ 920 milhões, para construir uma refinaria em Angola.

A OAS (que passou a se chamar Metha) também equacionou a situação financeira. O grupo encerrou, em 2020, sua recuperação judicial, após ceder a credores sua fatia na empresa de concessões Invepar. Analistas, porém, avaliam que a empresa sangrou muito durante a crise, e ainda veem sua retomada como um desafio.

Já a situação da UTC é considerada mais dura. O grupo, em recuperação judicial, acumula dívidas de R$ 4,38 bilhões, segundo relatório de setembro de 2020 – o valor inclui passivos da recuperação judicial, créditos extraconcursais e outras contas a pagar.

Atualmente, a empresa tenta aprovar junto aos credores o terceiro aditivo de seu plano de reestruturação. A estratégia é se desfazer de ativos. O grupo já recebeu oferta pela Heftos (empresa de serviços de engenharia de petróleo e gás), mas ainda falta o aval dos credores. Além disso, estão à venda a participação na concessionária do aeroporto de Viracopos, terrenos e até mesmo a Constran, afirma uma fonte.

No mercado, a expectativa é que a maioria dos grandes grupos sobreviva, mas com um tamanho muito menor. Além disso, deverá haver uma maior pulverização – e, claro, concorrência – no mercado, avalia Thomas Felsberg, sócio do Felsberg Advogados. “Dificilmente as empresas voltarão a ser o que eram. O setor de construção [pesada] será uma mistura entre construtoras estrangeiras, algumas empresas médias e os grupos grandes que conseguirem sobreviver”, diz ele.

Fonte: https://valor.globo.com/empresas/noticia/2021/05/28/construtoras-da-lava-jato-tentam-se-reerguer.ghtml

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