O Globo – A Prefeitura do Rio anunciou nesta quarta-feira um novo esquema de bilhetagem digital, que prevê maior transparência às informações do sistema de transporte público da cidade. A intenção é acabar com a “caixa preta” dos transportes, como definiu o prefeito Eduardo Paes. Isso porque as informações de despesas e arrecadação das operadoras são atualmente coletadas e controladas por elas mesmas. Com acesso ao cálculo real da demanda e das receitas do sistema de transporte, a prefeitura poderá dar crédito às empresas e levar uma porcentagem do faturamento, dando margem a uma possível redução no preço da passagem. A prefeitura também citou como objetivo melhorar a qualidade dos serviços prestados.
Segundo a Secretaria municipal de Transportes (SMTR), o edital será publicado no dia 30 de agosto, depois de duas audiências públicas sobre o tema. A empresa vencedora será escolhida por critério de maior outorga, e o contrato terá a duração de dez anos. A concessionária assumirá as funções em março do ano que vem, e os usuários terão três meses para realizar a troca de cartões, que será gratuita.
— Vamos fazer o controle da receita. Toda a arrecadação do sistema de transporte vai passar pela prefeitura — disse a secretaria municipal de Transportes, Maína Celidonio, na cerimônia de apresentação do projeto, no Palácio da Cidade.
Para o cidadão, a medida prevê o fim gradativo do uso de dinheiro na compra de passagens, previsto para setembro de 2023. Segundo a prefeitura, o uso de cartões permite um maior controle sobre a arrecadação, pois todas as transações serão registradas no sistema de bilhetagem. Além disso, para os gestores, a mudança propicia uma maior previsibilidade ao sistema, já que, pelos dados de validação, é possível identificar quais linhas são mais demandadas e em que momentos do dia. De acordo com a SMTR, as informações serão monitoradas em tempo real por um data center, que terá acesso livre por empresas conveniadas que administrem outros modais, como o metrô.
O novo sistema de bilhetagem vai incorporar meios eletrônicos de pagamento, como o Pix. A recarga poderá ser feita por um aplicativo onde o usuário terá acesso a dados de sua conta. O esquema terá também a integração com outros meios, como o Bike Rio e o Táxi Rio. Para tirar a proposta do papel, a prefeitura também pretende aumentar o número de postos de recarga e compra física, reduzindo de 7,5 mil para 2,5 mil a quantidade de habitantes por máquina disponível. Além disso, a SMTR anunciou que aumentará de 6 para 15 o número de repartições destinadas ao atendimento presencial dos usuários, com foco nas Zonas Oeste e Norte.
Para as empresas operadoras, a prefeitura prometeu conceder gratuitamente os primeiros validadores, além da instalação e da manutenção das máquinas de recarga, as chamadas ATMs. Além disso, segundo Celidonio, a taxa de administração cobrada pela concessionária de bilhetagem a cada um dos operadores será de 3% — atualmente a porcentagem é desigual entre as empresas.
Por outro lado, a prefeitura deverá recolher entre 10 e 15% da arrecadação dos operadores. Toda tarifa paga ao usuário será recebida pela prefeitura, que a encaminhará às companhias. Caso haja um saldo remanescente entre o crédito conferido pela prefeitura e o faturamento final da empresa, ele será destinado de volta para o financiamento da mobilidade urbana — um novo sistema apresentado como Câmara de Compensação Tarifária.
A prefeitura também planeja arrecadar por meio de publicidade no aplicativo e no cartão, assim como por naming rights (direitos pela marca) e a comissão de vendas. Com as novas fontes de receita, a ideia é que a passagem se mantenha no mesmo preço ou mesmo fique mais barata, anunciou Celidonio.
A administração municipal ainda não definiu quanto será gasto em subsídios para as empresas no novo modelo, que começará a ser implementado no ano que vem. O tema será pauta das próximas audiências públicas a respeito da novidade, que acontecem nos próximos dias 12 e 16.
A intenção da prefeitura é já ter uma empresa definida para substituir a RioCard em setembro deste ano. A nova concessionária, no entanto, só assume suas funções no início do ano que vem, de acordo com o cronograma da SMTR. Três meses depois, ela se tornará exclusiva — ou seja, os cartões RioCard não serão mais aceitos. A ideia é acabar com o pagamento de bilhetes por dinheiro em até um ano e meio após a assinatura do contrato, isto é, no segundo semestre de 2023.
‘Caixa preta’
Quando anunciou uma intervenção no BRT, em março, o prefeito Eduardo Paes também disse que faria uma mudança no sistema de bilhetagem do transporte público na cidade. Ele manifestou a intenção de tirar o controle do monitoramento dos dados das mãos da RioCard, empresa vinculada à Fetranspor, e assim abrir a “caixa preta” do sistema de ônibus. Atualmente, a RioCard é quem fornece dados necessários para determinar o custo do serviço e, consequentemente, o preço cobrado pela passagem, como o número de passageiros por veículo e o volume de arrecadação. Com a mudança, a prefeitura pretende poder auditar os dados do sistema de transporte.
A novidade pode ser decisiva também quanto ao financiamento do serviço do transporte. Empresas de ônibus da cidade dizem enfrentar há anos uma crise econômica que teria sido agravada pela pandemia, com a redução a demanda de passageiros e da arrecadação. Desde 2015, segundo a Fetranspor, 16 viações da cidade encerraram as atividades e nove entraram em recuperação judicial. A Rio Ônibus requisitou o auxílio financeiro do poder público, mas a Prefeitura do Rio resistiu à proposta por não ter acesso aos dados de demanda e receita das viações. O impasse chegou a causar uma paralisação de motoristas de ônibus em fevereiro.
Paralelamente à iniciativa da prefeitura, em 2017, o governo estadual, o Ministério Público Estadual e a Defensoria Pública firmaram um termo de compromisso para a realização de uma licitação do sistema de bilhetagem das passagens intermunicipais. O acordo também visa a tirar das mãos da Fetranspor o controle sobre o processamento dos dados do transporte público intermunicipal. O prazo dado para a implementação da medida pelo governo do estado se encerrou no mês passado, mas o Executivo estadual só pretende assumir o sistema de bilhetagem eletrônica dos transportes intermunicipais no Grande Rio em 2022.
Outro lado
Depois da apresentação do novo esquema de bilhetagem, o Sindicato das Empresas de Ônibus do Rio de Janeiro, Rio Ônibus, soltou uma nota em que salienta que o modelo de venda de passagens e o possível subsídio à operação das empresas são assuntos diferentes. A organização pontua que “todas as iniciativas para retomar a qualidade do setor de ônibus, afetado em cheio pela pandemia, são importantes e urgentes”, mas que a SMTR “não sinaliza prazos ou cronogramas para, de fato, dar suporte econômico necessário aos consórcios para que tenham condições de oferecer um serviço de qualidade, como o próprio prefeito informou”.
“Apenas durante a pandemia, duas empresas fecharam, nove passaram a operar em regime de recuperação judicial e sete mil rodoviários foram demitidos, além de perda de arrecadação de R$1,5 bilhão.
Sobre modificações no sistema de bilhetagem eletrônica, o Rio Ônibus esclarece que a apresentação abordou apenas aspectos conceituais e precisa receber detalhamentos mais tecnicos acerca da proposta do Município, para poder se manifestar, ressaltando, porém, que não há uma caixa preta, já que os dados são disponibilizados na forma contratual à Secretaria”, prossegue o comunicado.
A RioCard também se manifestou. A empresa diz que “as propostas apresentadas pela Secretaria Municipal de Transportes para a licitação do sistema de bilhetagem eletrônica já são realidade para os clientes que utilizam o transporte público na cidade do Rio. Diferentemente do que foi exposto, a Riocard mantém um fluxo transparente de informações sobre a operação das empresas de transporte, que são enviadas diariamente para análise da Prefeitura. Com esses dados, o governo municipal tem todas as condições de planejar a mobilidade da cidade do Rio”.
“A RioCard também foi surpreendida pelo desconhecimento da SMTR sobre as regras vigentes em relação aos créditos de transportes não utilizados pelos passageiros. Por decisão judicial, desde maio de 2019, o saldo remanescente permanece com os usuários e não se deve falar na sua utilização para financiar a mobilidade urbana”, prossegue a nota.
Após o posicionamento da Rio Ônibus, a secretária Maína Celidonio reforçou ao GLOBO que o modelo de bilhetagem é necessário na definição do subsídio.
— A bilhetagem tem tudo a ver com a possibilidade do poder concedente prover subsídios. A bilhetagem possibilita contabilizar a receita do sistema e, consequentemente, qual o valor do déficit e do subsídio necessário — afirmou.
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