Folha de S. Paulo – Anna Balla, 47, tolerou por meses os comportamentos que, segundo ela, tornaram-se comuns entre passageiros do “L” (o metrô elevado de Chicago): pessoas fumando, assédio e até uma vez em que um desconhecido usou seu ombro, sem permissão, como apoio para pular a um lugar num trem superlotado.
Mas foi algo que aconteceu num dia em março que a levou a abandonar o metrô de uma vez por todas.
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Numa estação movimentada no Loop, o centro financeiro da cidade, no horário do rush, Anna viu um rapaz sem camisa puxar uma mulher pelo braço e bater nela com uma garrafa de cerveja, enquanto ela se encolhia na plataforma, aos gritos. Anna saiu às pressas do vagão lotado e subiu correndo para a rua.
“Tive medo de alguém sacar uma arma ou, se a polícia chegasse, de começar um tiroteio”, diz Anna, secretária de um museu em Chicago. “O clima era esse.”
No momento em que várias grandes cidades americanas procuram atrair o público de volta às áreas centrais, antes movimentadas, líderes municipais enfrentam índices de criminalidade no transporte público que já ultrapassaram os níveis anteriores à pandemia em Nova York, na área da baía de San Francisco, na Filadélfia e em Los Angeles.
Neste mês um incidente com tiros num trem do metrô no Brooklyn, em Nova York, deixou 23 feridos. Em outras cidades, relatos de agressões violentas, assaltos a mão armada e esfaqueamentos em ônibus e trens dominam o noticiário noturno e conversas em aplicativos de mensagens entre moradores.
A queda no número de passageiros levou muitas pessoas a dizer que se sentem mais vulneráveis do que antes quando usam o transporte público. Na Filadélfia, o número de crimes graves denunciados é maior hoje que antes da pandemia, e em Nova York está mais ou menos igual, apesar de o número de passageiros ter caído muito nas duas cidades. Menos crimes vêm sendo denunciados em outras cidades que em 2019, mas a taxa de criminalidade subiu porque há tão poucos passageiros.
A crise dos sistemas de transporte coloca em risco a recuperação nacional da pandemia. Autoridades dizem que restaurar a confiança das pessoas nos metrôs, nos trens metropolitanos e nos ônibus ajudaria a resgatar as economias locais de dois anos de estagnação, incentivar mais pessoas a voltar para escritórios urbanos e levar turistas a se sentirem confortáveis em se deslocar livremente.
Em lugares densamente povoados como Chicago e Nova York, onde o transporte público é essencial para milhões de pessoas, o bem-estar do sistema é sentido como espelho do bem-estar das próprias cidades.
Prefeitos, empresas e a polícia procuram maneiras de reduzir a criminalidade e restaurar a confiança dos passageiros, mas, segundo especialistas, os destinos do transporte público e das áreas urbanas centrais se interligam de maneiras complicadas. Se mais pessoas voltarem a usar o sistema agora que retornam a seus escritórios e às lojas, os trens podem parecer mais seguros. Ao mesmo tempo, se as pessoas não se sentem seguras, relutam em voltar às áreas esvaziadas pela Covid.
Em Chicago, onde em março o segundo maior sistema de transporte público do país foi usado por uma média de 800 mil passageiros por dia, a criminalidade em trens e ônibus aumentou neste ano —mesmo antes da pandemia, os casos já vinham aumentando. No mês passado, a prefeita Lori Lighfoot anunciou a intensificação das medidas de segurança e o uso de policiais adicionais para tranquilizar os passageiros.
“Essa é uma das coisas mais importantes que podemos fazer para alterar a percepção da cidade como um todo”, disse Kevin Ryan, vice-presidente de segurança da Autoridade de Trânsito de Chicago, falando da segurança no sistema de transporte público.
“É uma das primeiras coisas vistas por muitas pessoas que vêm para a cidade. É crucial para muitas das comunidades mais pobres ou mal servidas, cujos habitantes não possuem veículos particulares e dependem do transporte público. A segurança na CTA é imprescindível.”
O número de crimes denunciados no transporte público de Chicago hoje é cerca de 50% menor do que antes da pandemia, mas o número de passageiros também caiu pela metade. A queda em muitos sistemas é um dado essencial quando se analisam os índices de crimes neles: em Los Angeles, o número bruto de crimes registrados em 2021 foi inferior aos anos pré-pandemia, mas, como o número de usuários também caiu muito, a taxa de crimes por passageiro é mais alta hoje.
Em outras cidades, como Filadélfia, os incidentes vêm crescendo ao longo da pandemia. Em 2021, policiais da Septa (empresa de transportes públicos do sul da Pensilvânia) registraram 86 agressões com agravantes, contra 46 em 2019. No mesmo período, assaltos subiram de 118 para 217. As cifras nos primeiros meses de 2022 indicam uma queda pequena.
Segundo a vereadora Jamie Gauthier, os problemas não se limitam ao transporte público, mas fazem parte de uma tendência maior de alta da violência na cidade. “Temos uma crise de opiáceos e uma habitacional. Os problemas maiores que vemos na cidade também migraram para nosso sistema de transporte.”
Especialistas consideram que a preocupação crescente com a criminalidade talvez reflita em parte uma mudança de percepção dos passageiros, muitos dos quais interromperam seus deslocamentos habituais em ônibus e trens urbanos durante a pandemia.
A perspectiva de voltar ao transporte público está levando algumas pessoas a avaliar a segurança de uma maneira que não teriam feito no passado, quando a ida e volta diária entre casa e trabalho era parte da rotina. Um fator que eleva a tensão, para alguns passageiros, foi o recuo de muitas cidades na questão do uso de máscara, depois de uma juíza na Flórida ter derrubado a obrigatoriedade do item de proteção em aviões e no transporte público.
Christopher B. Leinberger, professor emérito da Universidade George Washington que estuda espaços urbanos e transportes públicos, afirma que a melhor maneira de reduzir a violência no transporte público é conseguir que mais pessoas voltem a usá-los. “A melhor maneira de suprimir o crime é ter muita gente, de muitas faixas de renda, nos transportes de massa. É claro que a polícia tem um papel importante, mas o mais importante é ter muitas pessoas de olho nas outras pessoas.”
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