Valor Econômico – O bom desempenho da balança comercial brasileira, apesar de abaixo das expectativas mais otimistas do início do ano, foi comandado completamente por uma melhora dos preços, tanto dos produtos exportados como dos importados. Para o segundo semestre, porém, a ameaça de queda ainda maior dos preços de commodities e a perspectiva de desaceleração das principais economias do mundo colocam em dúvida a dinâmica do setor e pode frustrar a expectativa de bater o recorde de US$ 61,2 bilhões do ano passado.
No início de abril, na esteira da explosão dos preços das commodities após o início da guerra entre Rússia e Ucrânia, o Ministério da Economia divulgou uma projeção de US$ 111,6 bilhões para o saldo comercial este ano, salto de 82,3% em relação a 2021. Desde então, a perspectiva dedesaceleração econômica mundial, o fechamento parcial de portos e cidades na China e a continuidade dos problemas de logística e nas cadeias de produção significaram resultados menos expressivos do saldo comercial. No início de junho, o ministério baixou a projeção para US$ 81,5 bilhões.
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Para Welber Barral, sócio da BMJ Consultores, as projeções do governo naquele primeiro momento eram muito otimistas, uma vez que as importações de 2021 estavam em patamares muito deprimidos, com espaço para se recuperar este ano, junto com o restante da economia.
Atualmente, ele prevê saldo “entre US$ 55 bilhões e US$ 60 bilhões” no fim do ano. “As importações estavam em base baixa, mas se juntarmos isso aos preços mais altos do petróleo e de derivados, bem como certa recuperação econômica doméstica, vemos que o aumento das importações acaba diminuindo o saldo, ainda que ele continue alto.”
No Bradesco, que já trabalhava com perspectiva de maior normalização dos preços de commodities, a estimativa da caiu de US$ 75,4 bilhões em abril para US$ 70,3 agora. “Aquela projeção de superávit de US$ 111,6 bilhões que o Ministério da Economia fez no início do ano era mais compatível com o pico das commodities, que já passou”, diz Rafael Martins Murrer, economista do banco.
Lia Valls, pesquisadora do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV Ibre) chama atenção para o fato de que o crescimento em valor dos fluxos de comércio no primeiro semestre de 2022 foi liderado pelos preços. Os bens exportados subiram 20,2% entre janeiro e junho, na comparação com igual período do ano passado. No período, o volume caiu 0,6%. Já o preço das importações avançou 33,1%, enquanto o volume cedeu 2,7%.
Como resultado, a balança comercial encerrou o semestre com superávit de US$ 34,3 bilhões, abaixo dos US$ 37 bilhões registrados em igual período de 2021.
Diante da virada na política monetária de grandes bancos centrais para combater a escalada da inflação, que ameaça jogar o mundo em uma recessão, é pouco provável que os volumes exportados voltem a se recuperar no futuro próximo. Esta não é a única preocupação que ronda a balança, notam os economistas.
Valls ressalta que houve uma recuperação das exportações da indústria de transformação no primeiro semestre, com destaque para as vendas à Argentina, que cresceram 32%. Essa situação, no entanto, não deve durar.
“A crise na Argentina ainda não está transparecendo na pauta. Tivemos um bom começo de ano, mas essa situação deve se reverter, porque o país começa a colocar restrições para reter moeda estrangeira”, diz a economista do Ibre.
O comportamento das compras argentinas pesa porque o país é destino relevante para automóveis, único bem industrial entre os 15 produtos mais vendidos pelo país, lembra José Augusto de Castro, presidente da Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB).
“A Argentina corresponde a um terço das compras de manufaturados brasileiros da América do Sul, nosso segundo maior mercado, atrás apenas dos Estados Unidos”, afirma Castro. A AEB trabalha hoje com uma projeção de saldo da balança comercial de US$ 54,1 bilhões em 2022, queda de 11,6% em relação recorde de 2021.
Outro ponto de atenção é o comportamento da China, o único o entre os principais mercados atendidos pelo Brasil a apresentar queda no volume, de 14%. Com isso, a participação chinesa nas exportações brasileiras recuou de 34,5% para 28,7%. A alta de 16,1% dos preços dos produtos comprados pelos chineses compensou e garantiu uma ligeira expansão do valor das exportações, de 0,3%.
Na primeira metade do ano, a China acabou crescendo menos do que muitos analistas esperavam em boa parte por causa da política de combate à covid, que manteve diversas cidades e portos fechados. Entre os três principais produtos da pauta brasileira à China, que respondem por 79% das vendas a esse mercado, só a soja viu aumento em volume, de 18,8%. Minério de ferro (-33%) e petróleo, (-1,3%) tiveram queda, assim como o movimento dos preços no período.
Mesmo um pacote de US$ 120 bilhões em infraestrutura anunciado em maio pelo governo em Pequim fracassou em impulsionar o preço das commodities metálicas. Na semana passada, os contratos futuros do minério de ferro para agosto tocaram o patamar mais baixo desde novembro na bolsa de Cingapura.
Outra questão que pode prejudicar as exportações brasileiras, neste caso de petróleo, é de natureza mais geopolítica. Em meio à aproximação entre Pequim e Moscou após a guerra na Ucrânia, os chineses trocaram parte do fornecimento brasileiro pelo russo.
“A questão da competição com a Rússia faz sentido. É possível e até provável que China reveja a situação com seus parceiros e compre mais da Rússia, não apenas em petróleo, mas em outros mercados, como o trigo”, diz Myriã Bast, também do Bradesco. “De qualquer forma, nossas exportações para a China não são tão elásticas, uma vez que boa parte é de commodities agrícolas”, complementa.
Um ponto de apoio, nesse cenário, é o comportamento das commodities agrícolas. Ao contrário dos metais industriais, esse grupo conseguiu se manter com preços historicamente elevados, ainda que já abaixo dos picos recentes. O valor médio da saca de soja negociado em Chicago entre fevereiro e maio deste ano foi 14% maior que no mesmo período do ano passado, nota o Itaú BBA em relatório. Já o milho ficou 21% acima. A tonelada de carne bovina para a China se mantém perto de US$ 7 mil, 41% a mais que no ano passado.
“A perspectiva de menor demanda à frente interrompeu a escalada dos preços de commodities, mas não necessariamente forçará uma acomodação brusca, em especial no caso das alimentícias, cujos balanços entre oferta e demanda tendem a seguir bem apertados, entre outros motivos, porque a demanda por alimentos (principalmente os mais básicos) é menos sensível a ciclos econômicos”, diz relatório de analistas do BBA.
Castro da AEB, chama também atenção para o conflito no leste europeu. “Se a Ucrânia conseguir, de alguma forma, escoar seus estoques de milho, cujo preço já está em queda, pode impactar as exportações brasileiras, justamente no momento em que os embarques são maiores, que é o segundo semestre”, diz. Por outro lado, pode melhorar a oferta de fertilizantes, cujos preços dispararam 31% apenas entre março e julho, diz.
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