Houve um tempo em que o Estado tomava para si missões que não eram suas, como assumir a gestão de empresas privadas a partir de encampações, cujos resultados foram sempre desastrosos. Movidos por sentimentos nacionalistas e até, em alguns casos, por boas intenções, governantes empunhavam contratos rasgados como símbolos de vitória numa luta ideológica em defesa de um Estado que só se expandia, tornando cada vez mais pesada a administração pública.
O caso mais célebre é o da encampação da Companhia Telefônica Riograndense, feita por Leonel Brizola, então governador do Rio Grande do Sul, em 1962. Já no comando do Rio de Janeiro, Brizola encampou mais de mil ônibus em 1985. O programa de concessão de rodovias do Rio Grande do Sul também sofreu fortes resistências dos administradores locais, o que resultou em sua extinção e no fim dos investimentos e estradas menos conservadas. Em todas essas experiências e tantas outras país afora, a população logo descobriria os péssimos serviços que seriam prestados após a estatização.
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Esse tempo havia ficado para trás, mas retornou em pleno século XXI pelas mãos do populismo na prefeitura da cidade do Rio de Janeiro. Se antes o Rio atraía o interesse mundial de turistas, trabalhadores e investidores internacionais, hoje o sentimento que emana da cidade é de repulsa. As imagens de um prefeito sorrindo diante de retroescavadeiras destruindo a praça de pedágio da Linha Amarela, como aconteceu em outubro de 2019, refletem a devastação do ambiente de negócios na cidade.
O alcance do desrespeito aos contratos vai além das fronteiras cariocas e avança como sombra ameaçadora por todo o país. Num momento de grave crise econômica, agravada pela pandemia da Covid-19, o Brasil prepara um pacote de leilões em infraestrutura para alavancar a economia nacional com recursos da iniciativa privada. A ideia é que ativos federais, estaduais e municipais, englobando as áreas de rodovias, ferrovias, portos, aeroportos e telecomunicações recebam pesados investimentos nos próximos anos. O poder público não tem condições de assumir tal desafio.
Concessão é uma alternativa para trazer investimento e gerar emprego de maneira rápida e livre das dificuldades fiscais de um governo, e que passa ao largo das tendências ideológicas e do populismo eleitoral. É uma política de Estado.
No entanto, os investidores do mundo inteiro estão dispostos a participar da retomada da economia brasileira e confessam abertamente seus receios, quanto ao ambiente de negócios do país, devido ao exemplo dado pelos administradores da segunda maior cidade do país.
A preocupação de todos se justifica. O Rio envia ao mercado sinais claros de insegurança jurídica. O caso está agora no Superior Tribunal de Justiça, a quem caberá restabelecer o equilíbrio dessa balança em favor do respeito à legalidade dos contratos e a um ambiente saudável de negócios calcado em sólida segurança jurídica não só para a capital fluminense, mas para todo o país.
César Borges é presidente-executivo da Associação Brasileira de Concessionárias de Rodovias e foi governador da Bahia e ministro dos Transportes.
Fonte: https://oglobo.globo.com/opiniao/rio-afasta-investimentos-privados-24648225
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