As inovações, os desafios e o papel do heavy haul na descarbonização serão discutidos no evento do IHHA, em agosto, no Rio de Janeiro
O setor de transportes é responsável por cerca de 20% das emissões de gases de efeito estufa em todo planeta. O modo rodoviário (caminhões, ônibus e carros particulares) representa três quartos dessa parcela, seguido dos marítimo e aéreo, com 11% e 9%, respectivamente. O setor ferroviário, com seus 3%, não só tem o menor percentual entre os modais, como também tem sido o único a reduzir de forma consistente suas emissões, segundo a UIC (União Internacional de Ferrovias, na tradução). A queda, nos últimos 20 anos, foi de 2%, afirma a instituição.
Essa mudança não aconteceu por acaso: o tema sustentabilidade entrou de vez no dicionário de operação de ferrovias mundo afora (incluindo o Brasil). E não à toa também pautará as discussões na 12ª edição da Conferência da Associação Internacional de Heavy Haul (IHHA, na sigla em inglês). O evento será realizado entre os dias 27 e 31 de agosto, no Rio de Janeiro, onde são esperados cerca de 1 mil participantes de todos os cantos do planeta, para falar sobre avanços, tecnologias, boas práticas e os desafios na busca de uma operação ferroviária mais eficiente e sustentável. É a segunda vez, desde 1978 (primeira edição da Conferência do IHHA), que o Brasil sedia o encontro. O primeiro foi em 2005, também na capital fluminense.
A importância dessas discussões gira em torno do fato de que o IHHA reúne 11 países membros. Para se ter uma ideia, mais de 60% de todo o volume de carga movimentado sobre trilhos no mundo passam pelas ferrovias heavy haul associadas, que transportam carga geral, minério de ferro e carvão. Os países são: Austrália (representada pela Aurizon, na Costa Leste, e BHP e Rio Tinto, na Costa Oeste), Brasil (Vale e MRS), Canadá (Canadian Pacific e Canadian National), China (China Academy of Railway Sciences e China Railway), França (International Union of Railways-UIC), Índia (Indian Railways), Noruega (Nordic Heavy Haul Association), Rússia (Russian Railway Research Institute), África do Sul (Transnet Freight Rail e South32), Suécia (também Nordic Heavy Haul Association) e Estados Unidos (MxV Rail e AAR-The Association of American Railroads).
Tópico inédito
O tema do evento deste ano é “Aplicação de inovações em heavy haul para um mundo sustentável”. A programação será composta por dois dias de workshop técnico, três dias de sessões plenárias paralelas e três dias de conferên cia principal, além de eventos sociais e um dia reservado para um tour técnico nas empresas coanfitriãs (MRS e Vale). Executivos, líderes e fornecedores de vários países vão apresentar seus projetos e iniciativas em prol da sustentabilidade ferroviária. Mas “o coração” da conferência está nas sessões técnicas, onde serão divulgados 300 artigos acadêmicos, divididos em temas como material rodante, sistema de rastreamento de equipamentos, pontes e túneis, operação, via permanente e sustentabilidade e inovação – este último uma novidade este ano.
“Até 2019, não falávamos tanto em sustentabilidade e descarbonização em heavy haul. Esse tema nunca foi debatido de forma profunda em conferências do IHHA. Abrimos a possibilidade para o evento deste ano, e a surpresa foi a quantidade de trabalhos recebidos, envolvendo combustíveis alternativos, eficiência energética de custo, economia circular, energia sustentável. De todos os artigos selecionados, um quinto é dedicado ao tema sustentabilidade. Um sucesso absoluto, visto que nosso forte sempre foi via e material rodante”, ressalta Antonio Merheb, presidente do IHHA e consultor de Engenharia da MRS Logística.
Para ele, isso reforça a mudança de mentalidade que tem ocorrido no setor ferroviário nos últimos anos. “As ferrovias estão realmente entendendo o papel que lhes cabe num mundo que se propõe a ser mais sustentável”, acredita Merheb. E o pilar que vem sustentando toda essa transformação, segundo ele, é a tecnologia. Dos trens autônomos e sistemas de sinalização que possibilitam trens mais longos aos vagões com maior capacidade de carga e locomotivas movidas a bateria, o setor ferroviário voltou-se para as inovações a fim de melhorar a eficiência e descarbonizar a sua operação.
Há critérios básicos para a inclusão de ferrovias no seleto grupo do IHHA, que a priori são operação regular num trecho de, no mínimo, 150 km, peso do trem de pelo menos 5 mil toneladas e volume de carga acima de 25 toneladas por eixo. Cada ferrovia associada, porém, tem suas particularidades e expertises em termos de processo e inovação. Enquanto na Austrália, os trens autônomos já são uma realidade, na China, há conhecimentos avançados em material rodante e na construção ferroviária. Na África do Sul, o ponto forte está na formação de trens longos e com maior capacidade de carga. Na Noruega, o capital humano e a tomada de decisão baseada em big data e inteligência artificial dominam a operação.
“Todos os sistemas buscam eficiência operacional. E cada um contribui de uma forma nas discussões em grupo, que sempre convergem para um objetivo final que é transportar mais em menos tempo, com menos intervenção e uso de materiais, o que acaba exigindo menos do meio ambiente. É uma cadeia de transformações e tecnologias que englobam operação e manutenção de ativos”, explica Merheb.
Inspiração e melhorias
No Brasil, MRS e Vale também dispõem de exemplos positivos. Como consultor da primeira, Merheb cita, com propriedade, as mudanças significativas que testemunhou na operação nos últimos anos e que servem de inspiração, inclusive, para outras ferrovias associadas ao IHHA. Entre 2014 e 2022, o trem de minério da ferrovia que corta a região Sudeste do país duplicou de tamanho, saindo de 136 para 272 vagões. Isso foi possível com o trabalho integrado de vários setores da empresa, entre eles, de operações, que aprimorou a técnica de condução de trens e adotou soluções inovadoras, pontua Merheb. A otimização da zona de frenagem entre as composições, trazendo mais segurança operacional foi um dos benefícios dessa mudança, diz ele. Outro exemplo foi a instalação do sistema de sinalização CBTC (Communication- based train control), adquirido da Wabtec, que possibilitou a introdução de mais trens na malha numa janela de intervalo mais curta.
“Reduzir a variação de frenagem e de aceleração do trem contribui para a eficiência energética. Na MRS, este índice melhorou nos últimos 10 anos em 21%. Isso é muito para uma ferrovia”, complementa Merheb, acrescentando que houve mudança de cultura nos processos de manutenção também. Com planos de intervenção mais precisos e centralizados, menor se tornou a necessidade de reposição de materiais, a exemplo de dormentes e trilhos. “Para fazer essa mudança, não basta só ter o equipamento. Só é possível tirar ganho de um equipamento novo se tiver processo e, principalmente, pessoas aplicadas a esse processo”, explica o especialista.
O presidente da MRS, Guilherme Segalla de Mello, corrobora essas informações e também aponta os desafios que precisam ser superados. “Buscar outras fontes de energia para locomotivas permanece sendo algo complexo. A estratégia de descarbonização passa por novas tecnologias, que precisam ser adaptadas ao transporte de cargas pesadas em longas distâncias”, afirma, citando uma questão particular da malha brasileira. “Temos uma geografia mais desafiadora comparada à de outros países, o que gera vias com traçados sinuosos e diferentes níveis de aclives e declives. Essa situação traz questões específicas para eficiência energética e para busca de fontes alternativas de energia”.
Mello marcará presença na conferência como palestrante e vai detalhar um pouco as transformações pela quais a MRS passou nos últimos anos. E também as que vêm pela frente. O executivo diz que a renovação do contrato de concessão (assinada em julho do ano passado) foi um marco para a companhia no sentido de criar um novo referencial estratégico e dar sequência a inciativas digitais. “Sem dúvida, é possível dizer que a ferrovia já entrou na era digital, mas ainda temos um longo caminho pela frente. Entendemos que a visão computacional deverá nos abrir um leque de possibilidades no monitoramento de passagens em nível, aumentando a segurança, além da identificação de restos de carga nos vagões, acompanhamento de ativos na via e nos pátios, inspeções de via etc”, afirma.
Ferrovia digital
Na avaliação de Mello, o caminho de transformação na operação e na manutenção passará, inexoravelmente, por soluções baseadas em inteligência artificial, big data, sensoriamento de ativos, automação e outras ferramentas tecnológicas. Ele cita como exemplo a implementação, em 2022, de um trem autônomo de minério em um trecho de 10 km de malha, em Minas Gerais, conhecido como Zona de Autossalvamento, onde não é permitida a presença ou fluxo de pessoas. O projeto, desenvolvido localmente pela Newon em parceria com a Siemens, foi pautado em tecnologias como internet das coisas, e permite a operação sem maquinistas a bordo e acompanhamento e intervenções a distância.
O diretor de Engenharia de Ferrovias, Portos e Náutica da Vale, Daniel Novo, acredita que o grande desafio para as ferrovias heavy haul no mundo é a descarbonização. Na companhia, esse tema intensificou-se nos últimos dois anos. Foi nesse período que a as primeiras locomotivas 100% a bateria chegaram para testes na Estrada de Ferro Carajás e na Estrada de Ferro Vitória a Minas. Para a primeira, o modelo é da chinesa CRRC. Na segunda, é a EMD® Joule, da Progress Rail. O desafio está na utilização da máquina em linha, uma vez que ambas foram originalmente produzidas para atuar em pátio de manobra.
“Avaliamos projetos que permitam o uso de combustíveis alternativos nas locomotivas, que, aliada à eletricidade, possam zerar nossas emissões. Hoje, a malha ferroviária da Vale representa 10% das emissões da empresa. A Vale possui metas de redução de emissões, nas quais suas ferrovias se enquadram. No entanto, o desafio tecnológico ainda é alto, assim como os custos para implantação”, pontua Novo, que também deverá palestrar na conferência do IHHA.
Muitos dados
O executivo diz que a empresa tem investido, há algum tempo, na inspeção autônoma de ativos por meio de parâmetros de medição de temperatura, análises acústica e de imagens, medições a laser etc. O próximo passo, segundo ele, é a consolidação e correlação da grande quantidade de informações disponíveis com o avanço de sistemas de inteligência artificial. “Esse é o caminho para uma manutenção cada vez mais eficiente, produtiva e segura”, destaca, afirmando que sistemas autônomos também estão no radar, uma vez que “os processos que dependem de decisão humana trazem consigo uma grande dispersão”.
“Assistentes de condução, por exemplo, tendem a reduzir a dispersão tanto em consumo de combustível, um dos maiores custos das ferrovias, quanto em tempo de viagem. Isso acaba proporcionando uma maior regularidade para o sistema”, explica Novo, que faz o exercício de tentar entender como será o futuro das ferrovias heavy haul no Brasil e no mundo:
“Teremos uma maior utilização de otimizadores de condução de trens, com melhoria na segurança e na eficiência energética, uso de sistemas de inspeções automáticas e a introdução da Inteligência Artificial na realização dos diagnósticos e recomendações de manutenção, que proporciona mais assertividade e redução de custos. A vida útil de rodas e trilhos estará maior com a adoção de melhores materiais, truques e processos de manutenção. Com todas as melhorias, também teremos menor quantidade de ocorrências ferroviárias”, prevê.
Visão 2030
Além do público brasileiro, que deverá comparecer em peso no evento, um grupo seleto de especialistas e executivos estrangeiros de diversas ferrovias, associações e consultoras prometem elevar o nível das discussões. No encontro desse ano também será divulgado um documento que trará os próximos passos do heavy haul, dentro do contexto da Indústria 4.0. O debate para a formulação desse material começou em 2018, por um grupo de trabalho composto por membros de cada país que integra o IHHA. Naquele mes mo ano foi realizado um workshop estratégico, cujos resultados foram apresentados na conferência de 2019, realizada na Noruega.
O documento, que está sendo chamado de Visão 2030, traz as diretrizes para as associadas do IHHA. Os membros chegaram a um consenso, por exemplo, de que as ferrovias heavy haul precisam levar em consideração trens autônomos, apoiados por sistemas informatizados e supervisionados por pessoas. O uso de big data deverá nortear as operações ferroviárias, permitindo uma visão mais ampla e proativa dos fluxos de rede. Para Kari Gonzales, CEO da MxV Rail, uma consultora em pesquisa ferroviária com sede nos EUA, o documento vai fornecer a direção para os desafios atuais e futuros. “Servirá para inspirar as ferrovias e impulsionar possíveis mudanças”, completa.
Ela garante que a emissão zero é meta de longo prazo para as ferrovias e fornecedores norte-americanos. E que o caminho para isso está sendo trilhado com o desenvolvimento de combustíveis alternativos e novos materiais para a infraestrutura ferroviária. “À medida que a indústria de heavy haul evolui, a MxV Rail continuará fornecendo um ambiente de testes para acelerar a implementação de novas ideias”, aponta Gonzales.
O chefe de Engenharia de Gerenciamento de Tecnologia da sul-africana Transnet Freight Rail, Nkululeko Gobhozi, pontua que o documento que trará a Visão 2030 da ferro via heavy haul vai também orientar a indústria ferroviária no sentido de criar estratégias de inovação mais assertivas para o mercado. “Isso pode contribuir com melhorias significativas em segurança, eficiência e sustentabilidade nos próximos anos”, diz, acrescentando que a operadora passa por problemas frequentes de roubos e vandalização da infraestrutura ferroviária. “Esse desafio nos levou ao desenvolvimento de soluções inovadoras”.
O diretor e coordenador da Nordic Heavy Haul Association, uma associação científica e tecnológica escandinava de ferrovias heavy haul, Per-Olof Larsson-Kraik, lembra que o IHHA tem uma grande diversidade de membros e uma variedade de ideias que serão colocadas à mesa através do documento. “Será uma boa oportunidade para construir e aumentar o espírito de equipe do IHHA como organização”, destaca. No que diz respeito à operação heavy haul na Escandinava, Larsson-Kraik ressalta as tecnologias que permitiram, nos últimos anos, trens mais longos, mais pesados e mais rápidos. “Fato que proporcionou não só o aumento da capacidade, mas também o retorno de investimentos das ferrovias tanto em infraestrutura quanto em material rodante”.
Passo sustentável
Para além da Visão 2030, os participantes do evento trarão questões que envolvem a busca por mais sustentabilidade no setor de heavy haul. O vice-presidente do IHHA, Brian Monokali, ressalta que muitas cargas ainda são transportadas por estradas mundo afora, embora o transporte ferroviário seja o modal que menos emite gases poluentes. Se volumes não migrarem para as ferrovias, a tendência é que haja piora nos níveis de aquecimento global, afirma. Na avaliação de Monokali, as emissões diretas do modo ferroviário ainda precisam ser reduzidas. “É necessário migrarmos para fontes de energia mais verdes para a tração ferroviária”.
Sandra Gehenot, diretora de Carga da UIC, compartilha a mesma opinião. Para ela, se nenhuma ação urgente for tomada, a mudança climática será uma ameaça à existência humana. As mudanças precisam passar, inevitavelmente, pela evolução e expansão do transporte ferroviário no mundo”, diz. “É necessário também tornar o transporte ferroviário mais flexível e atraente para os clientes, implementando mudanças tecnológicas e melhorando drasticamente o custo de movimentação”.
Programação intensa
A conferência do IHHA, no Rio de Janeiro, marcará a volta do evento pós-pandemia. No primeiro dia do encontro, a visão para o heavy haul em 2030 será o tema central da plenária de abertura com a participação do presidente da MRS, Guilherme Segalla de Mello, do presidente da Loram, Bradley Willems, e do vice-presidente do IHHA, Brian Monakali. Também haverá um painel moderado com representantes das empresas Rio Tinto, MxV Rail, Transnet e Vale.
A sustentabilidade será abordada no segundo dia, com destaque para o painel moderado pela diretora de Carga da UIC, Sandra Gehenot, sobre o tema “Analisando os desafios e oportunidades globais para a sustentabilidade ferroviária”. Participarão também o chefe de Planejamento e Estratégia da Transnet, Andrew Shaw, o vice-presidente Executivo de Operações da Union Pacific, Eric Gehringer, e o presidente da UIC, François Davenne.
A integração mina-ferrovia-porto será discutida no terceiro dia, com palestras de especialistas e executivos. A principal será do especialista em Transporte do Banco Mundial, Edpo Covalciuk Silva, sobre “Reforma ferroviária, regulamentações e parcerias público-privadas como fatores-chave para desbloquear o transporte ferroviário: um estudo de caso do Brasil e da Índia”. A plenária final abordará os próximos passos do heavy haul. Além de premiações e reconhecimentos, será anunciado o próximo país a sediar a conferência em 2025.
“Descarbonizar é um foco, mas não o único”
Natural do Pará, o engenheiro civil Antonio Merheb mudou-se para São Paulo, em 2012, para fazer mestrado em Infraestrutura de Transportes na Universidade de São Paulo (USP), curso em parceria com a Vale. Dois anos depois, ingressou na MRS, para atuar como especialista ferroviário.
Imerso nesse universo, teve sua vocação reconhecida quando foi designado pela MRS como diretor no Conselho do IHHA, em 2020, aos 33 anos. Em 2022, na eleição para presidente da associação, Merheb obteve a maioria dos votos entre os conselheiros de 11 países. E chegou fazendo história: é o primeiro brasileiro e o mais jovem a ocupar a presidência do IHHA.
Coube a ele a missão, entre outras, de organizar e direcionar as estratégias de um evento que reúne a nata da ferrovia mundial. Na 12ª edição da Conferência do IHHA, o tema sustentabilidade ganhou força por seu intermédio, não por acaso. De uma geração cada vez mais engajada em pautas ambientais, Merheb vem ajudando a levantar a bandeira sustentável no setor ferroviário. A descarbonização é um foco, mas não o único. Para ele, ferrovia também tem papel social. “Temos que entender que fazemos parte de uma comunidade”.
Revista Ferroviária – Como o transporte ferroviário heavy haul pode contribuir para a sustentabilidade?
Antonio Merheb – Existe um tratado (Acordo de Paris) que tem como objetivo a descarbonização no mundo. Nesse contexto, o único modal que conseguiu reduzir níveis de consumo de combustíveis e manter essa tendência de redução foi o ferroviário. Crescemos nos últimos anos, mas não aumentamos as emissões de gases. Se quisermos uma cadeia de transporte mais efetiva para a sustentabilidade, inevitavelmente, precisamos passar pela ferrovia.
RF – A descarbonização é o principal foco do setor?
AM – É um dos focos. Quando a gente fala de meio ambiente não é só a natureza em si. O conceito de sustentabilidade também está atrelado à relação do homem com o meio ambiente. No caso da ferrovia, é também a questão do ruído e da vibração, por exemplo. Ferrovias que transportam minério e que passam por regiões em que venta muito. Se não houver controle, pode resultar em contaminação. Esses são exemplos práticos, mas o papel da ferrovia vai além disso.
RF – Qual é?
AM – Refiro-me ao papel social da ferrovia. Temos que entender que fazemos parte de uma comunidade. Não é só pensar que ferrovia precisa ser mais eficiente, utilizar menos combustível e operar o trem mais rápido. Esses pontos são pilares para reduzir o consumo de diesel e materiais. O papel social, no entanto, diz respeito à participação em iniciativas de sustentabilidade e aos esforços para recuperação de áreas degradadas e conservação de florestas.
RF – Essa discussão é inédita no âmbito do heavy haul?
AM – Os sistemas são alinhados com que o mundo está precisando. Nos últimos 20 anos tivemos diversos objetivos, entre eles, melhor interface roda-trilho, eficiência da operação e segurança. Tivemos discussões sobre como operar em regiões inóspitas. Mas, talvez seja a primeira vez que a gente fale de um sistema que integre ferrovia e comunidade. Pensar no heavy haul para a comunidade, o que podemos deixar de sustentável ao mundo. Até o momento, melhoramos internamente, como ferrovia.
RF – Fizeram o dever de casa…
AM – Sim. Mas agora é hora de trazer a comunidade para o jogo também. Vamos trazer a nossa eficiência e tecnologia, nos manter em níveis controláveis de sustentabilidade, mas não pensar só no nosso sistema. Acho que é a primeira vez que a gente traz isso à mesa de discussão.
RF – Quais tecnologias vão despontar num futuro próximo?
AM – A operação com menor interferência humana é a primeira, sem dúvida, com os trens autônomos. A segunda é a sinalização mais eficiente. Nem todo sistema heavy haul no mundo tem uma sinalização tão eficiente. Os norte-americanos estão evoluindo muito nisso agora. Outro ponto é a inspeção autônoma de via e de material rodante. A ferrovia no mundo todo mudou nos últimos 20 anos. Os índices mundiais de acidentes, por exemplo, caíram muito.
RF – Quais são os desafios para atingir esse nível de tecnologia?
AM – Um deles é melhorar a eficiência no caso da automação. Outro é a questão da qualificação e correlação de dados para uma manutenção mais eficaz, que é a preditiva. A frota de equipamentos também precisa ser modernizada. Há novas ligas de metal que podem compor vagões mais produtivos. Pelo lado das locomotivas, há um caminho no quesito energético para reduzir o consumo de combustível que, embora seja menor comparado a outros modais, ainda é relevante.
RF – Pode-se dizer que a ferrovia embarcou no conceito da Indústria 4.0?
AM – Não estar ligado à Indústria 4.0 hoje é perder dinheiro. Isso que o heavy haul quer mostrar. É possível melhorar o esmerilhamento em 10% ou mais se os dados forem bem tratados. É preciso usar as informações de forma eficiente para conseguir chegar onde se quer daqui a 30 anos. Não há outro caminho.
RF – Como o IHHA discute a integração mina-porto-ferrovia?
AM – Em qualquer sistema do mundo, a ferrovia nunca é o fim do processo. Mas o que adianta ter uma ferrovia supereficiente e um mina-porto-ferrovia pouco eficiente ou o oposto? Precisamos pensar integrados. Se você não entender o problema do outro e o outro não entender o seu, haverá mais gastos.
RF – Qual é o futuro do heavy haul no Brasil?
AM – O que vai manter o Brasil forte não é apenas o heavy haul de minério, mas é o transporte de carga geral. Eu falo que o heavy haul no Brasil vai ser muito além do minério, vai ser mais soja, carga agrícola etc. O Brasil está se adaptando ao modelo que os norte-americanos já fazem. É uma evolução.
Origem do IHHA
A Associação Internacional de Heavy Haul (IHHA) surgiu em 1976, quando empresas de diferentes países se uniram para enfrentar desafios técnicos do transporte de heavy haul. Essa colaboração deu origem a uma organização sem fins lucrativos e não política, dedicada à busca de excelência nas operações ferroviárias, engenharia, manutenção e tecnologia. Para alcançar essa missão, a associação patrocina e organiza conferências internacionais e regionais, sessões técnicas especializadas e seminários específicos.
Nos últimos anos, nove países sediaram as conferências internacionais, reunindo profissionais do setor ferroviário de todo o mundo. A última, em 2019, atraiu mais de 600 participantes de 52 países. Ao todo, foram publicados mais de 2 mil artigos sobre o transporte de heavy haul ao longo de 40 anos, e quatro livros foram escritos sobre melhores práticas para operação ferroviária, construção de infraestrutura, interface roda-trilho, manutenção de via e de material rodante.
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