Folha de S. Paulo – O assessor financeiro Douglas Gonçalves, 28, decidiu pedir demissão porque chegava em casa muito tarde. Do escritório no Méier, na zona norte do Rio de Janeiro, até Duque de Caxias (a cerca de 20 km da capital), cidade onde mora, levava duas horas. Metade do tempo era esperando o trem chegar.
“Comecei a chegar em casa só para dormir, acordar e voltar ao trabalho. Abri mão de plano de saúde e comissão. Fui para uma empresa perto de casa, sem benefícios, mas com qualidade de vida”, afirma.
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Por terra ou mar, o transporte fluminense tem sido alvo de críticas de especialistas e usuários. Os trens urbanos, em especial, estão em crise. A SuperVia é a concessionária que administra o modal desde 1998. A empresa japonesa Gumi Brasil passou a controlá-la em 2019, e agora diz que vai entregar a concessão.
A Gumi afirma não ter condições financeiras de manter o serviço por conta da queda de passageiros e dos prejuízos gerados pelo furto de cabos. Perguntado se pretende reestatizar os trens, o governo do estado diz que estudos estão em andamento.
Outra possibilidade é procurar uma nova empresa para operar o serviço.
Quem assumir a SuperVia encontrará um sistema no qual a média de usuários caiu de 600 mil pessoas por dia antes da pandemia para 350 mil. No total, os trens atendem 12 municípios com 104 estações ao todo.
Para comparação, o metrô do Rio tem média diária de 641 mil passageiros em suas três linhas, que juntas possuem 41 estações —todas apenas na capital.
A linha 3 do metrô, que ligaria o Rio a Niterói e São Gonçalo (ambos na região metropolitana), é prometida há 25 anos, mas jamais saiu. O secretário estadual de Transportes, Washington Reis, diz que planeja retomar a ideia, mas não há prazo. Na linha 4, a estação da Gávea tem obras paralisadas desde 2015, e a estrutura subterrânea foi inundada com 36 milhões de litros de água para evitar instabilidade do terreno.
Quem depende da SuperVia enfrenta atrasos na circulação dos trens. A concessionária diz que isso acontece por conta do furto de cabos. Este ano, 26.843 metros de cabos foram furtados.
Quando o trem chega à estação, passageiros lotam rapidamente as composições e até se empurram para conseguir um assento. Ao longo da viagem, não há garantias de que o trem seguirá o tempo regular. Na última quinta (20), uma queda de energia interrompeu a circulação de trens no ramal Gramacho, e 35 estações ficaram fechadas por mais de 20 horas.
“Já perdi dia de trabalho por causa do trem, tive o dia descontado em folha”, diz a analista de suporte Patrícia Alves, 45, moradora de Japeri, na Baixada Fluminense. Ela agora participa de grupos de WhatsApp para saber como está a circulação dos trens.
Ruan Avelar, 23, mora no município de Nilópolis (também na Baixada) e estuda arte visuais na Uerj (Universidade Estadual do Rio de Janeiro), no bairro do Maracanã, no centro do Rio.
“Sempre chego atrasado nas aulas por conta dos trens que atrasam para chegar na estação. Às vezes, deixo de pegar o trem para voltar para casa porque ficam com intervalos enormes e, quando os trens chegam, estão lotados”, diz o universitário, que já foi vítima de assalto dentro do vagão.
“É preciso pensar em um sistema único de mobilidade, como o SUS (Sistema Único de Saúde), onde haja participação do governo federal com recursos. Municípios e estados não conseguem investir, nem financiar. Como não dão conta da qualidade, usuários optam pelo automóvel”, diz Iuri Moura, gerente de projetos do ITDP (Instituto de Políticas de Transporte e Desenvolvimento).
Além dos trens, o sistema de BRTs (Ônibus de Trânsito Rápido) também enfrenta problemas. O controle voltou às mãos da prefeitura em março de 2021, após o rompimento do contrato com a antiga concessionária.
Atualmente diversas estações estão em reformas e a frota antiga, alvo de revolta dos usuários, foi parcialmente substituída. A prefeitura comprou 561 ônibus em dezembro, e 291 foram entregues. O restante será até março.
Dos antigos ônibus, de cor azul, 90 ainda circulam. Muitos BRTs antigos têm portas danificadas e circulam superlotados nos horários de pico. Alguns passageiros se arriscam e viajam com parte do corpo para fora. Em junho, houve duas mortes após quedas.
O professor de educação física Willyang Santana, 29, mora no bairro de Sulacap, trabalha na Barra da Tijuca (ambos na zona oeste) e usa a frota antiga do BRT. Usuário do sistema na parte da noite, Willyang sofre com a falta de segurança.
“As estações estão abandonadas. Algumas não têm bilheteria, nem segurança à noite, depois das 22h. Já fui assaltado duas vezes, mas não tenho outra saída a não ser o BRT”.
Chamados de ‘amarelinhos’, os novos BRTs têm um aviso sonoro de fechamento das portas. Isso impede que eles se movimentem com portas abertas.
“Qualquer oportunidade de fugir do BRT azul eu fujo. Ainda que seja preciso fazer um caminho mais longo. Os azuis parecem um forno. A janela não abre, ficamos enclausurados. Com o amarelo ficou um pouco melhor. Tem época que está até frio”, diz o autônomo Luiz Eduardo Elgarten, 35, morador da Taquara, zona oeste.
Nos ônibus municipais, algumas viações faliram e a idade da frota nunca foi tão antiga. Os veículos que rodam têm, em média, sete anos. Prefeitura, Promotoria e consórcios firmaram um acordo em 2022 que prevê pagamento de subsídios para melhorar a qualidade.
“Mais de 600 pontos onde não tinha ônibus voltaram a ter, houve aumento de 24% nas viagens. Há uma recuperação mais lenta da frota, sabemos que ela é antiga. Mas o foco da secretaria é aumentar o número de ônibus”, afirma a secretária municipal de Transportes, Maína Celidônio.
Além dos transportes terrestres, as barcas da baía de Guanabara, que ligam Rio e Niterói e o centro às ilhas de Paquetá e do Governador, só operam pela força de um acordo na Justiça, em março.
O contrato do estado com a concessionária CCR se encerrou em fevereiro, mas as duas partes assinaram extensão de um ano para evitar a interrupção do serviço. Em contrapartida, o governo do estado prometeu pagar indenização de R$ 598,8 milhões, dividida em oito parcelas, até 2026. Uma nova concessão está sendo estruturada.
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