Leilão de linha SP-Campinas reacende debate sobre trens de passageiros

Veja – Em 30 de novembro de 1998, o Trem de Prata, que conectava São Paulo ao Rio de Janeiro, fez sua última viagem. O trajeto de dez horas não conseguia competir com as pontes aéreas rápidas e mais baratas, e o número de passageiros mal chegava a um terço dos tempos áureos. O seu ocaso repetiu o fracasso de inúmeras ferrovias desativadas pelo país nos anos de 1980 e 1990, em meio à falta de modernização e à concorrência desigual com outros modais de transporte. Mas o melancólico fim das viagens ferroviárias pode estar vivendo o primeiro ponto de virada em muitos anos. Na última quinta-feira, 29, o governo de São Paulo concluiu o leilão do eixo norte do Trem Intercidade , o TIC, que ligará a capital paulista a Campinas. Será o primeiro trem de passageiros interurbano do país a ser construído desde o declínio do segmento. “Sempre há um ar de desconfiança sobre se é viável ter um trem de passageiros de média velocidade no Brasil”, disse a VEJA o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas. “Vamos provar que é.”

O TIC é apenas o ponto de partida de um projeto mais abrangente, que prevê outras rotas da capital paulista para Sorocaba, São José dos Campos e Baixada Santista. As iniciativas espalham-se pelo país. O governo federal está mapeando ferrovias antigas que podem ser reformadas para o transporte de pessoas, além de preparar a elaboração da chamada Política Nacional do Transporte Ferroviário de Passageiros. “Ela deve dar mais garantias regulatórias e ajudar a destravar os projetos de linhas regionais”, diz Joubert Flores, presidente do conselho da ANPTrilhos, associação das operadoras de trens de passageiros. No ano passado, uma empresa privada, a TAV Brasil, foi autorizada a realizar estudos de viabilidade de um trem-­bala entre São Paulo e Rio de Janeiro. “O TIC é só um prenúncio do que está por vir”, diz Isadora Cohen, ex-secretária-executiva de transportes metropolitanos de São Paulo e sócia da ICO Consultoria. “Se der certo, outros terão caminho aberto.”

Os 101 quilômetros do trem SP-Campinas se somarão aos pífios 1 500 quilômetros das únicas duas ferrovias para passageiros ativas no Brasil, ambas operadas pela mineradora Vale: a Estrada de Ferro Vitória-Minas e a Carajás. Toda a malha restante, de cerca de 30 000 quilômetros, é exclusiva para cargas. Para efeito de comparação, a França tem quase a mesma extensão de ferrovias — são 27 000 quilômetros —, mas o país é do tamanho de Minas Gerais e a maior parte da rede serve ao transporte de pessoas. Os Estados Unidos têm a maior malha ferroviária do mundo, com cerca de 250 000 quilômetros, dos quais 35 000 centrados em passageiros.

A viagem de São Paulo a Campinas deverá ser feita em uma hora e custar, no máximo, 64 reais. Haverá uma linha paralela, com paradas adicionais ao longo do percurso. Com apenas um concorrente, o leilão foi vencido pelo consórcio C2 Mobilidade, liderado pelas empresas Comporte Participações (controlada pela família Constantino, fundadora da Gol) e CRRC. Elas ofertaram desconto pecuniário no valor de 0,01%. De seu lado, o governo paulista arcará com 60% dos 14,2 bilhões de reais previstos em investimentos, o que certamente foi decisivo para que o leilão fosse bem-sucedido. Além de responder pela maior parte dos aportes financeiros, o governo garante à empresa vencedora 90% da chamada “demanda programada”. Segundo Rafael Benini, secretário estadual de Parcerias e Investimentos de São Paulo, se houver demanda menor do que a prevista, o estado pagará o que falta à concessionária. Se o número de passageiros superar em 10% o estimado, a empresa e o poder público compartilharão as receitas excedentes.

Uma das vitrines do governo Tarcísio, o projeto foi concebido no âmbito do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) do governo federal e conta com recursos do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES).“É uma iniciativa complexa e onerosa”, diz o advogado Rafael Vanzella, sócio da área de infraestrutura do escritório Machado Meyer. “Mas vem com a contrapartida de um serviço de qualidade e da modicidade tarifária.”

Não é a primeira vez que o Brasil tenta retomar o transporte ferroviário de passageiros. Em São Paulo, os trechos atualmente em estudo remontam a 2010, quando eram discutidos projetos parecidos na gestão do então governador José Serra. Na ocasião, não se falava em participação da iniciativa privada. “A ideia era aliviar as estradas e levar desenvolvimento para o interior”, diz João Paulo de Jesus Lopes, secretário-adjunto da Secretaria de Transportes Metropolitanos de São Paulo naquela época. Os sucessores de Serra no governo do estado, Geraldo Alckmin e João Doria, até tentaram viabilizar o projeto, mas desacordos com municípios por onde o trem passaria e com empresas de transporte ferroviário de cargas, como MRS e Rumo, acabaram inviabilizando a proposta. “Trens entre cidades exigem alto índice de competências públicas para atrair os melhores parceiros”, diz Sandro Cabral, professor de estratégia e gestão pública do Insper.

Há fracassos retumbantes nesse setor. O mais icônico deles é o trem-­bala entre São Paulo e Rio, que começou a ser planejado em 2007, no segundo mandato presidencial de Lula. A proposta resvalava a megalomania: com investimentos de 34 bilhões de reais (cerca de 80 bilhões em valores de hoje), o trem viajaria a 300 quilômetros por hora — o de São Paulo a Campinas terá velocidade máxima de 140 quilômetros por hora. Essa característica elevava os custos consideravelmente. “A estruturação financeira do trem-­bala não foi bem feita”, afirma o economista e consultor Gesner Oliveira. De 2010 a 2013, o leilão do tal trem-­bala foi marcado três vezes, mas acabou adiado por falta de interessados. Em 2012, o projeto chegou a ser redesenhado e uma estatal, a Empresa de Planejamento e Logística, hoje incorporada a outras, foi criada para se dedicar ao projeto. Com a crise econômica que se sucedeu, o assunto foi esquecido. “A proposta acabou estigmatizada”, diz Bernardo Figueiredo, ex-diretor da Agência Nacional de Transportes Terrestres. Figueiredo está agora à frente da TAV Brasil, que promete criar um novo projeto ferroviário entre São Paulo e Rio. Ainda é cedo, contudo, para ter certeza que o país entrará nos trilhos.

Fonte: https://veja.abril.com.br/economia/leilao-de-linha-sp-campinas-reacende-debate-sobre-trens-de-passageiros/

1 Comentário

  1. Tá tão ridículo todas essas mudanças que vão gastar bilhões e ninguém vai usar direito. Vai ser uma Linha 13–Jade gigante. Enquanto no edital original, se cogitava a concessionária deveria comprar 15 novos trens Pendulares para o serviço expresso. As composições deveriam ser preferencialmente TUEs (Trem-unidade elétrico), que são composições tecnicamente semelhantes aos trens metropolitanos, com formação de 12 carros em piso único (1100 passageiros) ou seis carros com dois andares (860 passageiros).a gestão atual substituiu pelos modelos do tipo Push-Pull, que são formados por locomotivas que tracionam carros sem motorização, retirando do item de investimentos contingentes, que são passíveis de serem incluídos no contrato, as extensões do TIC até Americana e o Aeroporto de Viracopos, os gestores para facilitar e priorizar a concessão dos TIC até Campinas em detrimento dos Trens Metropolitanos, se coloca carros tracionados por locomotivas Diesel ou semelhantes, e se anuncia pela concessionária estudos dos primeiros trens a hidrogênio no Brasil, omitindo que quem irá bancar isto é o Estado!
    Trata-se de mais uma sugestão inútil! Enquanto até veículos automotivos a utilização permanente da eletricidade, sendo que no passado as próprias composições Budd em aço inox já eram em 3kVcc, próprias para viagens longas desta os gestores optam por utilizar locomotivas de forma permanente em um retrocesso comprovado!

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