Valor Econômico – A renovação das concessões de três das quatro principais malhas ferroviárias do país entrou numa “queda de braço” entre o governo federal e as concessionárias, e ainda provocou um “racha” entre o Ministério dos Transportes e a Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT). Basicamente, o impasse está nos valores das outorgas adicionais que o governo está tentando “arrancar” das operadoras pelas renovações antecipadas das concessões assinadas em 2021 e 2022 e na contrapartida que o Planalto poderá oferecer às detentoras das malhas ferroviárias.
Observadores do setor informam que a queda de braço entre as partes envolvidas “está duríssima”. Um desses observadores avalia que o racha entre Ministério dos Transportes e ANTT, responsável pela outorga da infraestrutura de ferrovias e rodovias no âmbito federal e também pela prorrogação antecipada dessas concessões na gestão anterior, vem desde o início deste governo, o que não estaria ajudando em nada na solução do impasse.
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Segundo essa fonte, as outorgas adicionais que as concessionárias teriam de pagar já haviam sido acertadas, mas agora o governo decidiu que esses valores são irrisórios para a renovação por mais 30 anos. A ANTT entende, ainda segundo esta fonte, que aumentar valores já acertados anteriormente seria como admitir que “fez o trabalho errado”. Outro observador avalia, entretanto, que há, de alguma forma, um certo espaço para cobrar um pouco mais das concessionárias, mas não o que o governo estaria pretendendo, em torno de R$ 40 bilhões. Procurados, tanto o Ministério dos Transportes como a ANTT não responderam.
A Vale, que opera as estradas de ferro Vitória-Minas e de Carajás, e a MRS Logística (Malha Sudeste) preferem não comentar detalhes nem montantes das negociações. Mas uma fonte próxima a essas discussões entende que qualquer valor que as concessionárias venham a ceder trará impactos significativos nas ações das companhias no mercado financeiro. Segundo essa fonte, os investidores não estão apenas atentos, mas vigilantes sobre o andamento das negociações. O temor é que o imbróglio seja judicializado, ou até mesmo que os ativos possam ser relicitados.
A empresa, cobrada quase em R$ 26 bilhões, informa estar em discussões avançadas com o Ministério dos Transportes sobre as condições gerais para otimizar os planos de investimentos nos contratos de concessão, que hoje são regularmente executados pela Vale nos termos estabelecidos e divulgados ao mercado em 16 de dezembro de 2020. A companhia explica ainda que manterá o mercado atualizado sobre qualquer compromisso relevante assumido no âmbito das negociações, em linha com a legislação.
“A Vale segue cumprindo com as obrigações decorrentes da renovação antecipada das ferrovias Estrada de Ferro Vitória a Minas e Estrada de Ferro Carajás. A empresa entregou 100% do compromisso cruzado da Ferrovia de Integração Oeste-Leste (Fiol) e adquiriu os equipamentos necessários para expansão da oferta de trem de passageiros. As obras de mobilidade urbana e a obra da Ferrovia Integração Centro-Oeste (Fico) estão em implantação”, informa a empresa em uma nota.
A MRS respondeu no mesmo tom. “A empresa dá continuidade às tratativas, que estão bem avançadas, junto às entidades envolvidas. O acordo, apesar de não estar 100% formalizado, está sendo bem endereçado. Por questões de governança, neste momento, não podemos oferecer mais detalhes”, afirma em nota a empresa, que estaria sendo cobrada em cerca de R$ 4 bilhões.
Independentemente da queda de braço entre as empresas e o governo, além das divergências entre o Ministério dos Transportes e a ANTT, o Demarest Advogados avalia que a possibilidade de um acordo para a manutenção da prorrogação antecipada é vista com bons olhos. “Frustrar a prorrogação antecipada seria desperdiçar um esforço de mais de sete anos para implementar essa política pública”, diz Virginia Mesquita, sócia da área de infraestrutura e financiamento de projetos do Demarest.
Segundo a advogada, a questão já passou por uma lei autorizativa, por uma ação direta de inconstitucionalidade no Supremo Tribunal Federal e por um processo longo de negociação dos novos investimentos e obrigações assumidos pelas concessionárias. “Agora, é uma oportunidade importantíssima de substituir os contratos lacônicos da época da privatização das ferrovias por contratos claros, com obrigações bem detalhadas. Colocar isso a perder nos parece ser um erro grave”, afirma Mesquita.
Até porque, acrescenta, nos últimos anos houve duas iniciativas voltadas a fomentar a expansão da malha ferroviária: as prorrogações antecipadas e o programa de autorizações. O programa, avalia, começou pelo fim ao priorizar a regulamentação das autorizações para trechos greenfiled, ao invés de facilitar a devolução de trechos inoperantes para depois delegar a operação por autorização. “Criou mais ferrovias de papel que investimentos concretos até agora. Nossa chance de vermos investimentos concretos no curto e médio prazo está nas prorrogações. A aproveitar a oportunidade para facilitar a devolução de trechos inoperantes, que podem ser operados no regime de autorização por outras companhias”, diz Mesquita.
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