Folha de S. Paulo – Há 50 anos, foi inaugurada a primeira linha do metrô de São Paulo. Como muitos, ainda lembro do frisson de andar por baixo da terra pela primeira vez. Hoje, sempre me espanto com o trem que anda sozinho, sem motorista, nas novas linhas.
A diferença entre o metrô e os outros meios de transporte é absurda. Cada linha chega a transportar até 60 mil pessoas por hora, veloz e confiavelmente. As pessoas percebem isso: o metrô foi escolhido como o serviço público mais confiável na última edição do especial O melhor da cidade.
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Diante dessa importância, a primeira pergunta que surge é natural: por que não temos mais linhas? E a segunda, talvez não tão natural, é: como os trilhos podem ser mais estratégicos para o desenvolvimento urbano da cidade?
MAIS DEVAGAR QUE OUTRAS CIDADES
O Metrô cresceu aos soluços, sofrendo com a baixa capacidade de investimento e as crises do país. Chegamos a 104 km, bem abaixo dos 588 de Shangai e até dos 140 de Santiago. O município de São Paulo não conseguiu manter sua participação e passou a gestão do metrô ao governo estadual em 1979. O governo federal, em um dos grandes financiadores do transporte público no mundo, praticamente não aportou nada até meados da década de 2010.
O governo estadual anunciou recentemente quase 200 km de trilhos adicionais em novas linhas e extensões. Isso é auspicioso, mas, dado o poder transformador do metrô, vale a pena pensar em ações de integração que potencializem esse investimento. Aí vão algumas sugestões:
INTEGRAÇÃO METRÔ, CONCESSIONÁRIAS E CPTM
O plano do governo estadual se apoia nas PPPs para crescer. Usuários não sabem —e não precisam saber— quais linhas têm gestão cedida à iniciativa privada. Tudo é metrô. E a cada PPP, é bom lembrar que o sistema precisa funcionar com preços, padrões de qualidade, manutenção e papel estratégico semelhantes.
Também há no horizonte uma discussão bem-vinda sobre novos modelos de remuneração, por disponibilidade em vez de pelo número de passageiros, para estimular qualidade.
Quanto à privatização, dado o conhecimento acumulado da equipe técnica do Metrô não valeria a pena considerar manter as linhas que já são públicas para ter um parâmetro de comparação entre os diferentes modelos?
Já a CPTM, que tem papel fundamental no acesso a periferias e outros municípios, passou décadas sem investimentos, com trens e estações sucateados. A partir de 2007, voltou a receber aportes; hoje, somadas redes de metrô e da CPTM, a cidade tem um total de 397 km de trilhos e deveria tratá-los de maneira integrada.
INTEGRAÇÃO METRÔ E ÔNIBUS
Cada nova estação de metrô demanda uma adaptação das linhas de ônibus. Não faz sentido manter trajetos duplicados, mas isso continua acontecendo hoje, após um projeto incompleto da Prefeitura, que gere os ônibus.
A queda brutal no número de passageiros de ônibus nos últimos dez anos tem a ver, provavelmente, com a comparação entre modais. Pessoas optam pelo metrô, o que é natural, mas também pelo transporte individual, o que é péssimo para a cidade. Faz falta, claro, um bom diagnóstico. A próxima pesquisa OD, do Metrô, que mede esses movimentos vai ser apresentada em novembro, após sete anos da última.
INTEGRAÇÃO MOBILIDADE E DESENVOLVIMENTO URBANO
O metrô tem o poder de induzir transformações urbanas. Por onde passa, mexe com o valor da terra, alterando o balanço de preços dos terrenos e construções. Assim, a discussão sobre novas linhas deveria estar sendo tomada em conjunto com as áreas de urbanismo. No caso do recém-revisto Plano Diretor de São Paulo, as linhas de metrô foram tomadas como um dado do problema e não uma variável a ser discutida.
Depois de ocupar as regiões mais centrais e mais providas de infraestrutura, as linhas estão finalmente chegando às regiões mais periféricas. Aqui sim, em Cidade Tiradentes, Grajaú ou Brasilândia, o metrô pode exercitar seu papel indutor, aumentando também a conexão bairro-bairro em vez de se concentrar só na centro-bairro.
INTEGRAÇÃO METROPOLITANA
Apesar das pessoas se deslocarem aos milhões pela Grande São Paulo, há uma falta de integração evidente entre os municípios. A Secretaria de Transportes Metropolitanos deveria coordenar isso, mas, há enormes lacunas na integração tarifária, prioridades e desenvolvimento urbano.
Uma autoridade metropolitana de transportes poderia ser a solução, como acontece em grandes cidades europeias. Em Londres, por exemplo, a Transport for London mexe até com o planejamento de calçadas, integrando racionalmente transporte de massa e trajetos de pedestres.
INTEGRAÇÃO DAS ESTAÇÕES COM O ENTORNO
Além do transporte, as estações de metrô são, na essência, espaços públicos. Como tal, deveriam ser planejadas para se abrir ao entorno, sem passarelas desconfortáveis, sem áreas cegas, com serviços, e integração urbana.
Um exemplo de baixa preocupação urbanística é o monotrilho, que agride o entorno, e algumas estações gigantes e pouco convidativas da linha 3, vermelha. Na linha 2, verde, ao contrário, há estações que se integram harmoniosamente à cidade, principalmente no trecho da Paulista. Transporte também molda cidades e promove encontros.
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