Com obstáculos à frente, PPPs ganham fôlego na AL

Valor Econômico – Pressionados pela escassez de recursos públicos e buscando melhorar a qualidade do gasto, governos da América Latina e do Caribe estão intensificando parcerias com empresas para prestar serviços em áreas como saúde, educação e saneamento. Trata-se de uma nova onda de atração de investimentos privados que, só no Brasil, pode chegar a R$ 40 bilhões até 2030. No entanto, ainda tem obstáculos políticos e institucionais para superar.

Esses negócios, chamados de Parcerias Público-Privadas (PPPs), foram tema de um encontro promovido pelo Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) na capital peruana. O Valor ouviu especialistas ao longo do evento para traçar um cenário sobre o futuro das PPPs em infraestrutura social.

São, por exemplo, escolas como as de Minas Gerais, construídas e mantidas pela iniciativa privada, mas com professores da rede pública. Nessa experiência consolidada há mais de uma década, a quantidade de alunos superou o esperado. A estimativa original, há dez anos, era atender 25 mil. Porém, já eram 42 mil em 2017, “entre os quais se encontravam filhos de famílias de classe média e alta”, diz relatório do BID.

Na mesma linha, São Paulo leiloou a construção de 33 escolas e quer reformar 143. A adequação das escolas custaria R$ 55 bilhões, mas a capacidade de investimento do Estado na área é de R$ 1 bilhão ao ano, disse o secretário de Parcerias e Investimentos do Estado, Rafael Benini. Pelo impacto social, o negócio atraiu um grande banco.

É no ciclo político que está um dos maiores gargalos para que mais escolas e unidades de atendimento à saúde passem a receber investimentos privados, apontou Frederico Turolla, sócio da consultoria Pezco. O tempo consumido entre a decisão de fazer uma PPP e a colheita dos primeiros resultados às vezes ultrapassa os quatro anos do mandato.

Esse problema foi abordado em um dos painéis do evento do BID. Todo o processo até a assinatura do contrato “tem de acabar no ciclo [de um mandato], se não a ‘mortalidade’ sobe muito”, alertou a vice-presidente do Banco de Desenvolvimento de Minas Gerais, Áurea Carvalho.

“A gente tem de se despir de vaidades para os projetos caminharem dentro do que deveriam”, rebateu o prefeito de Belo Horizonte, Álvaro Damião (União), no mesmo debate. Ele contou que a construção de escolas, que levavam três a quatro anos quando tocadas pela prefeitura, hoje demoram de seis a nove meses. A cidade pretende realizar uma PPP para despoluir a Lagoa da Pampulha, afirmou.

“No Peru, nós amadurecemos e não nos preocupamos tanto com o curto prazo”, disse em outro painel Luiz Del Carpio, diretor-executivo da Proinversión, agência governamental que está a cargo da carteira de PPPs do país. Porém, foi um aprendizado, contou. De início, projetos de longo prazo não despertavam interesse. “Mas aqui acreditamos em milagres”, brincou.

Na visão de Turolla, os casos de sucesso estimulam prefeitos a apostarem em PPPs. “Onde tem escola ou hospital em PPP, a realidade muda da água para o vinho”, comentou. “Imagina a revolução que isso causa e o apelo político de o prefeito, o governador, entregar um serviço dessa qualidade.”

É da Pezco a estimativa de R$ 40 bilhões investidos em PPPs de infraestrutura social até 2030. A cifra é conservadora, afirmou Turolla. A esse valor, devem ser somados gastos operacionais, que podem ser cinco vezes maiores.

A confusão entre PPPs e a privatização de serviços públicos é outro obstáculo político. Por isso, foi comemorada entre especialistas de dentro e de fora do governo a decisão tomada pelo Supremo Tribunal Federal (STF) no caso das escolas de São Paulo. Em seu despacho, o presidente da corte, Luís Roberto Barroso, disse que o negócio passaria para a iniciativa privada serviços que hoje já são terceirizados, como limpeza e segurança, mas não a parte pedagógica. Com isso, autorizou o seguimento das PPPs.

A confusão não se restringe ao Brasil. “Um dos principais desafios políticos para o desenvolvimento das PPPs sociais é a falta de confiança dos beneficiários em relação ao setor privado ou a percepção de que essas associações implicam a privatização dos serviços”, aponta o BID no relatório sobre o evento. A recomendação é formular estratégias de comunicação que expliquem aos beneficiários que receberão um serviço igual ou melhor.

O avanço das PPPs enfrenta dificuldades também na falta de pessoas qualificadas no setor público para trabalhar nos projetos e geri-los. Essa é uma das “dores do crescimento” das PPPs, disse o gerente de soluções da Unidade de Estratégias de Governo, Leiner Jean Bastos. A instituição tem contratados mais de 7 mil treinamentos em diversos níveis de complexidade, desde um curso online batizado de “PPP Flix” até mestrados, doutorados e imersões no exterior.

Os recursos foram viabilizados por uma portaria do Tesouro Nacional de 2023, pelo qual 0,5% do valor de todas as operações de crédito garantidas pelo Tesouro será revertido em melhoria da gestão fiscal, na qual esses cursos se enquadram. Caixa, BNDES e o BID também atuam em treinamentos.

A outra “dor” que o Banco do Brasil escolheu para atuar são as garantias a serem oferecidas ao sócio privado quanto aos pagamentos devidos pelo setor público, chamadas de contraprestações. A instituição opera mecanismos pelos quais assegura o pagamento por meio das transferências dos Fundos de Participação dos Estados (FPE) e municípios (FPM).

Por meio do FPE e do FPM, o governo federal divide com Estados e municípios perto de metade da arrecadação do Imposto de Renda e do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI). A transferência desses recursos é feita a cada dez dias, por meio do Banco do Brasil.

Além desses dois fundos, algumas PPPs de escolas usam como garantia cotas do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb), informou. O Fundeb também é uma transferência federal a Estados e municípios. Outros fundos federais são igualmente utilizados com essa finalidade.

Desde 2023, disse Leirner, o número de operações que utiliza esse tipo de garantia triplicou.

Trata-se de um mecanismo “forte”, avaliou Igino Zucchi, da Pezco. Para ele, o uso de fundos de transferência federal para entes subnacionais como garantia nas PPPs deu mais segurança ao privado e melhorou as condições de financiamento dos projetos.

Fonte: https://valor.globo.com/brasil/noticia/2025/04/14/com-obstaculos-a-frente-ppps-ganham-folego-na-al.ghtml

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