Ferrovia entre RJ e ES gera interesse e incerteza

Valor Econômico – O projeto do novo Anel Ferroviário Sudeste, a ferrovia EF-118, que deverá ser construída entre Espírito Santo e Rio de Janeiro, atraiu interesse no mercado, mas também gerou incertezas. O governo já trabalha em ajustes no modelo, que deverá ser finalizado até o início de agosto, segundo o secretário-executivo do Ministério dos Transportes, George Santoro.

As mudanças em estudo incluem alterações no traçado para mitigar questões ambientais, um seguro para garantir aportes públicos e a inclusão de um trecho de 80 km no Espírito Santo, que a princípio ficaria a cargo da Vale.

O leilão da ferrovia é visto como o único do setor com chance de sair até o fim da atual gestão. O governo federal já anunciou outras duas licitações do Plano Nacional de Ferrovias, mas que são vistas com mais descrença: a Ferrogrão e o corredor Fico (Ferrovia de Integração Centro-Oeste)-Fiol (Ferrovia de Integração Oeste-Leste).

A concessão da EF-118, a princípio, terá 170 km, com o chamado Trecho Central, entre Anchieta (ES) e São João da Barra (RJ), próximo ao Porto do Açu. A previsão inicial do contrato era de R$ 4,6 bilhões de investimento, e um aporte do governo de R$ 3,3 bilhões para viabilizar a obra – porém, com os ajustes, os valores vão subir.

O projeto também prevê a possibilidade de, no meio do contrato, um segundo bloco ser incorporado: o Trecho Sul, com 325 km, até Nova Iguaçu (RJ), onde haveria conexão com a malha da MRS.

Para que o segundo trecho seja incluído, o contrato terá que passar por reequilíbrio econômico-financeiro. O governo trabalha em ajustes no tema: a ideia é que a construção do bloco Sul seja uma obrigação, mas que só será ativada se forem atingidos gatilhos de demanda da região. “O início da fase 3 ou 4 do Comperj [Complexo Petroquímico do Rio de Janeiro] geraria demanda para isso.”

Além disso, o corredor contempla um terceiro trecho de 80 km no Espírito Santo, entre Anchieta e Santa Leopoldina: o Ramal Anchieta, que garante a conexão com a Estrada de Ferro Vitória-Minas, da Vale. A ideia era que a mineradora ficasse responsável pela construção, mas o mercado vê o arranjo como risco, então o governo estuda incluir a obra na concessão.

“É um assunto que surgiu em todas as conversas com interessados. A ferrovia pode gerar concorrência à Vale, então há desconfiança de deixar a obra com o grupo. É o tema mais sensível”, disse Santoro.

Segundo ele, as consultas iniciais ao mercado atraíram 24 empresas, mas ele avalia que ainda é cedo para mensurar o real interesse. “Quando tivermos o modelo final, vamos fazer nova rodada e teremos mais clareza.” Os interessados incluem operadores ferroviários, portuários (dado que o corredor passaria por diversos terminais), construtoras e grupos estrangeiros, como chineses e espanhóis.

Um deles é o Porto do Açu, da Prumo, que busca compor consórcio, dizem fontes. Além disso, o grupo está disposto a construir um ramal ferroviário de 43 km para conectar o porto à malha, o que demandaria outro investimento, estimado em R$ 650 milhões, que poderia ser feito em fases.

A Equipav também tem analisado de modo preliminar leilões ferroviários federais e poderá se juntar a um grupo chinês que já procurou a empresa, diz uma fonte.

Entre os operadores tradicionais, a MRS é apontada como potencial interessada, devido à possibilidade de conexão do corredor. Porém, questionada a respeito, a empresa afirma que não vai participar do leilão. Há também expectativa de que a Vale estude o ativo, pela ligação com a Vitória-Minas.

Fontes dizem que a VLI tem interesse, mas que a prioridade são as discussões da renovação antecipada da Ferrovia Centro-Atlântica (FCA). No caso da Rumo, a percepção é que o foco são os investimentos em curso no Mato Grosso.

Para David Goldberg, diretor sênior da A&M Infra, que apoia a modelagem, deve haver interesse de construtoras, dado que os aportes públicos cobrem a obra. “O projeto pode não ter operadores, porque grande parte do fluxo não precisa vir de operação endógena, pode ser de direito de passagem de outras ferrovias. Mas, para isso, é preciso viabilizar a conexão”.

Procurado, o Porto do Açu afirma, em nota, que já tem autorização para construir o ramal de 43 km e que “avalia permanentemente oportunidades e modelos de parcerias que possam agregar valor aos negócios”. A Equipav, a Vale e a Rumo preferiram não se manifestar. A VLI diz que “analisa todas as oportunidades” e que neste momento “está comprometida com a renovação antecipada” da FCA.

Apesar do interesse na etapa preliminar, analistas dizem que será desafiador tirar do papel a ferrovia, a ser construída do zero. Uma pessoa interessada no projeto avalia que será necessário formar consórcios com operadores ferroviários, portuários e construtoras, e que o governo terá de entrar com recursos e garantias firmes, além de apoio no financiamento.

“Projetos ‘greenfield’ são por definição difíceis de serem executados. Pelo custo, tanto no planejamento quanto na implantação, e pelo tempo alongado de retorno do projeto”, afirma Cláudio Frischtak, sócio da consultoria Inter.B.

Para ele, é imprescindível assegurar a construção do ramal Anchieta para viabilizar o corredor. Além disso, é preciso dar garantias do pagamento dos aportes públicos. “Seria possível criar uma conta especial. Tem que dar segurança de que os recursos estarão lá.”

O aporte dos recursos públicos também é apontado como ponto sensível por Eduardo Carvalhaes, do Lefosse. “No caso do governo federal, que tem menos experiência em Parcerias Público-Privadas, há dúvida sobre as garantias.”

Sobre esse ponto, Santoro afirma que o governo planeja usar recursos de repactuações de outras concessões, como a da MRS, para subsidiar o projeto. A alternativa seria usar o orçamento da União – mas a discussão será analisada internamente apenas quando o valor final do projeto for fechado. Além disso, o secretário diz que está em estudo a contratação de uma apólice de seguro para garantir o aporte público. “Se o governo não paga, alguém vai pagar, isso não eleva a despesa fiscal, mas dou mais tranquilidade ao privado.”

Fonte: https://valor.globo.com/empresas/noticia/2025/06/17/ferrovia-entre-rj-e-es-gera-interesse-e-incerteza.ghtml

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