ANTÔNIO MACHADO
Parece que nenhum dos litigantes, de modo geral, gostou de ver o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) referendar com restrições a compra de cinco mineradoras de ferro pela Cia. Vale do Rio Doce, o que a fez um monopólio de fato. A decisão atendeu as expectativas, mas sua forma de execução salomônica não agradou as partes – Vale, de um lado, e a siderúrgica CSN e IBS, Instituto Brasileiro de Siderurgia, de outro, representando Gerdau, Usiminas e demais indústrias do setor.
A Vale tem 30 dias para optar por uma entre duas possibilidades:
1ª) Ou vende uma das empresas de mineração adquiridas entre 2000 e 2001, a Ferteco, que é uma das sócias da MRS, ferrovia na qual graças a tais aquisições aumentou para 38% sua fatia no controle, que deveria estar limitada a 20%, e criou um conflito de interesse real, pois também é dona de 100% da concorrente Vitória-Minas. A operação implica também se desfazer dos terminais portuários de Sepetiba e Ilha de Guaíba, no Rio, herdados da Ferteco.
2ª) Ou abre mão do direito de preferência sobre o excedente de Casa de Pedra, da Cia. Siderúrgica Nacional, além de consolidar as participações na MRS numa subsidiária sem poder de veto. A MRS seria operada pelos demais sócios: CSN, Usiminas, Gerdau e outros acionistas menores. A operação desta subsidiária, porém, estaria sujeita à aprovação da ANTT, a agência de transportes terrestres.
Das duas opções, a segunda aparenta infringir menos danos à Vale, já que a ex-estatal opera o enorme campo de Carajás, onde investe pesado e extrai minério a um custo muito menor do que se obriga a pagar à CSN para exercer a preferência, comprando da siderúrgica por preço igual ao que receberia se pudesse exportar seu minério.
O faz apenas para impedir que a CSN se transforme num rival e lhe ameace o domínio sobre a formação de preços num setor cartelizado em todo mundo, com mais dois a três grandes mineradores. Trata-se, além disso, de medida acautelatória contra eventual venda da Casa de Pedra, considerada a mina de mais alto teor de minério no mundo e de menor custo de extração, a um dos gigantes internacionais.
CSN com Gerdau
Sair da Ferteco não alivia muito tais precauções. Não só um rival de fora poderá habilitar-se a comprá-la, como talvez se interesse a própria CSN, de Benjamin Steinbruch – que está investindo para ampliar a produção de Casa da Pedra, o que exigirá despesas extras à Vale. Ou Jorge Gerdau. Ou uma eventual associação para este fim entre ambos, hoje mais ligados à siderurgia que à mineração.
A perda da influência sobre a MRS é outra conseqüência já escrita nas estrelas, o que talvez induza os principais acionistas da Vale – o Bradesco, o fundo de pensão Previ, a trading japonesa Mitsui e o banco estatal BNDES – a questionar o interesse estratégico deste investimento, nestas condições impostas pelo Cade.
Do outro lado da mesa, não parece que nem a CSN nem os interesses representados pelo IBS se deram mal com a decisão do Cade. Decerto preferiam algo mais duro, como o encolhimento do poder de mercado da Vale, que de fato é gigantesco. Mas o xerife sempre poderá ser acionado contra os excessos de monopólios, bastando à Vale adotar uma política de preços que esmague a siderurgia nacional.
O que lamentar
Como houve a ameaça de a direção da Vale recorrer à Justiça, se se julgasse prejudicada pela sentença do Cade, os desdobramentos, na prática, ficarão sub júdice até que se manifeste. Mas que pense bem o que pretende fazer. Estava em jogo a autoridade do sistema de proteção à concorrência, que demonstrou isenção e bom senso em seu maior e mais polêmico julgamento. Os interesses privados não foram feridos, mas, sobretudo, os do país foram satisfeitos – seja pelo ângulo do equilíbrio das forças econômicas no mercado, seja pelo pragmatismo ao não se obstar a criação de grupos empresariais com musculatura adequada para competir na arena interna
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