Oito meses após receber um bilionário pacote de socorro financeiro liderado pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e por fundos de pensão estatais, a Brasil Ferrovias corre o risco de perder a concessão da Ferroban, uma das três empresas que compõem a holding. O Tesouro Nacional acusa o grupo de ter dado calote em uma dívida de R$ 280 milhões acumulada com o governo, pelo não-pagamento, desde 1999, das parcelas de arrendamento.
Na terça-feira, a diretoria colegiada da Agência Nacional dos Transportes Terrestres (ANTT) decidiu, por unanimidade, abrir processo administrativo de caducidade da concessão da Ferroban, cujo contrato foi assinado em dezembro de 1998. Menos de 24 horas depois, o órgão regulador enviou uma notificação ao presidente da Brasil Ferrovias, Elias Nigri, dando prazo de cinco dias corridos para quitar a dívida. Se não pagar até segunda-feira (o último dia do prazo seria domingo), a empresa ganhará um período para justificar a decisão e tentar evitar a perda da concessão – o que pode demorar em torno de seis meses.
Para aprovar a abertura do processo administrativo, a ANTT baseou-se em ofício enviado no dia 30 de dezembro pelo secretário substituto do Tesouro, Líscio Fábio de Brasil Camargo. Ele informou à agência reguladora que estava remetendo os débitos da Ferroban para a Procuradoria Geral da Fazenda Nacional, com o objetivo de inscrevê-los na dívida ativa da União. Segundo o ofício de Camargo, que cobria férias do titular Joaquim Levy na ocasião, a Advocacia Geral da União (AGU) vetou a proposta da Brasil Ferrovias de fazer um “encontro de contas” com o governo.
A Ferroban move uma ação judicial em que contesta o dever de pagar o passivo trabalhista herdado da Rede Ferroviária Federal (RFFSA), antes mesmo da concessão. O débito é estimado em R$ 337 milhões e a Brasil Ferrovias sempre manifestou o desejo de buscar um acordo extrajudicial com o governo, para fazer um encontro de contas entre os dois valores.
Segundo o Valor apurou com fontes da equipe econômica, é grande a insatisfação do governo com a empresa. Em maio, o próprio presidente Luiz Inácio Lula da Silva anunciou com pompa, em Campinas (SP), a reestruturação da Brasil Ferrovias. A operação envolveu recursos de quase R$ 1,5 bilhão. Previa a conversão em ações de dívidas com o BNDES de R$ 265 milhões, um empréstimo adicional de R$ 265 milhões e aportes de capital que chegavam a R$ 382 milhões. O restante seria aportado por Previ e Funcef.
A Ferroban é o corredor ferroviário da antiga Fepasa e sua malha, no Estado de São Paulo, dá acesso ao porto de Santos. O pagamento da dívida de arrendamento da Ferroban transformou-se em novela, apesar do compromisso assumido pela Brasil Ferrovias de honrar suas pendências com o Tesouro Nacional. Em novembro, diante de pedidos da direção da empresa, a equipe econômica adiou o prazo para dezembro.
Em 16 de dezembro, os dois fundos de pensão aprovaram o aporte de capital na holding, que prometeu pagar o Tesouro até o fim do ano. Como isso não aconteceu até agora, o diálogo entre as partes deteriorou-se e o governo viu, na ameaça de cassar a concessão da Ferroban, a última oportunidade de reaver o dinheiro. Segundo um funcionário graduado do governo, se a Brasil Ferrovias insistir em não pagar a dívida, poderá perder a concessão em até seis meses. Ao final do período, seria aberta uma licitação para entregar a malha da Ferroban a novos sócios.
O presidente da holding, Elias Nigri, confirmou ontem ao Valor que recebeu a notificação da ANTT e garantiu que a Brasil Ferrovias fará o pagamento. Ele ponderou que a empresa ainda estuda realizar o depósito em juízo, por entender que o processo movido na Justiça sobre o passivo trabalhista herdado da RFFSA lhe será favorável e caberá à União quitar esses débitos.
Nigri insistiu que a decisão de pagar a dívida “já foi tomada” e só atrasou “pelos procedimentos legais de fazer
Fonte: Valor Econômico
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