O novo humor lúgubre brasileiro

A retomada do projeto de um trem veloz entre Rio e São Paulo é uma boa notícia, mas… dá para levar a sério?


Excelente notícia. A Valec, empresa estatal que administra a liquidação da Rede Ferroviária Federal, recebeu do Ministério dos Transportes a tarefa de preparar e realizar licitação internacional para enfim tornar realidade o velho sonho de um trem de alta velocidade ligando Rio de Janeiro e São Paulo. Pelo menos para isso a crise do transporte aéreo serviu – tirou da letargia o projeto de unir as duas cidades mais populosas do país por um moderno sistema de trens. A idéia, no governo, é ter o trem em funcionamento ainda antes do fim do governo Lula.


A notícia foi dada na quarta-feira pelo jornalista Xico Vargas, em sua coluna no site NoMínimo. O percurso deverá ser feito em não mais que duas horas. Considerando-se que viajar de trem dispensa os rituais de embarque e desembarque nos aeroportos, a opção pela via férrea tomará o mesmo tempo, ou quase – ou muito menos, quando o tráfego aéreo enlouquece –, que a opção pelo avião. Com isso, espera-se uma queda considerável na linha aérea que é, de longe, a mais movimentada do país. Jornalista bem informado e sagaz, Xico Vargas acrescentava uma pimenta a suas informações. Dizia que a obra, segundo se comentava em Brasília, alimentava o irrefreável desejo do PMDB de voltar ao Ministério dos Transportes. Não é de duvidar. Mas, independentemente disso, a notícia de que o trem-bala Rio–SP pode realmente estar nos trilhos em quatro anos é de comemorar. Ou não?


Não. Dos mais de sessenta comentários à notícia postados no site até a noite de quinta-feira, a maioria esmagadora era de dúvida, descrença ou pura esculhambação. Será o trem bala… perdida, dizia um deles. Outro acrescentava, no mesmo veio: Se esse trem é bala mesmo, deve começar pelo vidro, à prova de bala. Um terceiro afirmava ser impossível um trem que desenvolva alta velocidade num país em que as vacas pastam livres pelas estradas. E se o trem se encontrar com uma delas? Na mesma tecla dos desastres, um quarto dizia: Já consigo antever o documentário no Discovery sobre o pior acidente ferroviário do mundo. Mas para haver desastre é preciso imaginar a linha em operação, o que precipitou a objeção de um quinto comentarista: E você acha que vai chegar a funcionar, para ter acidente?.


Grande parte dos comentários assentava-se na desconfiança de que obscuras transações são inseparáveis de um empreendimento desse gênero. Desta vez então o PMDB enrica de vez, dizia um deles. Outro: A obra será orçada em mil, antes do seu início já terá custado dois mil, antes de um décimo ter sido realizado já terá consumido cinco mil e em seguida será paralisada por falta de verba. Outro ainda: Quando assentarem o último trilho, já roubaram os outros. E mais um: Continuo com a suspeita de que é melhor pagar logo a comissão aos interessados e não fazer nada do que arcar com micos e mais micos. Houve um comentarista que, dado o porte da iniciativa, defendeu a criação de um ministério exclusivo para cuidar dela. Esse ministério poderia estar na cota do PMDB, que teria, por exemplo, no Newton Cardoso, um nome experiente e capaz de tocar o projeto.


A irresistível atração do atual governo pela marquetagem foi lembrada. O governo Lula não passa uma semana sem um factóide, dizia um comentário. Outros externavam seu ceticismo com base nas experiências passadas. Alguém aí lembra do Trem de Prata? Ou: Vai ser a nova FERROVIA do Aço. Havia quem enveredasse pelas razões técnicas. Se o Rio está no nível do mar e São Paulo a uma altitude de 700 metros, como imaginar uma linha, se não reta, ao menos próxima disso, para permitir a velocidade de um trem digno de ser bala?. Uma questão cultural também foi levantada: Posso afirmar que esse tipo de tecnologia (a dos trens europeus de alta velocidade) é conseqüência de uma cultura ferroviária madura, de uma extensa malha funcionando impecavelmente por gerações. Enfi

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Fonte: Veja

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