Nossos repórteres entram no galpão onde estão as locomotivas que custaram US$ 500 milhões ao governo de São Paulo na década de 70 e que nunca saíram do lugar.
Em Araraquara, interior de São Paulo, o que encontramos não é um depósito comum. Escondida no lugar, entre centenas de caixotes, está a parte visível de um negócio que desperdiçou US$ 500 milhões, quer dizer, mais de R$ 1 bilhão.
As caixas estão empoeiradas. Algumas, comidas por cupins. A história da compra de 80 locomotivas elétricas começa em 1976, quando Paulo Egydio Martins governava o Estado de São Paulo.
“Essas locomotivas chegaram na forma de kits, para serem montadas”, diz João Bosco Setti, da Associação Brasileira de Preservação Ferroviária.
Na época, o mundo ainda vivia os efeitos da primeira crise do petróleo. Para tentar diminuir os custos do transporte ferroviário, o governo decidiu ampliar a eletrificação das ferrovias, ou seja, aposentar as velhas locomotivas a diesel e comprar novas locomotivas, movidas a eletricidade.
As locomotivas compradas eram produzidas pela empresa francesa Alsthon. Elas iriam funcionar em um trecho entre Uberaba, em Minas, e o Porto de Santos. Segundo o contrato, as locomotivas começariam a chegar, desmontadas, a partir de 1982.
Fazia parte do acordo, também, a compra de milhares de peças para a montagem de subestações de energia, para alimentar toda a rede.
Mas antes que o primeiro navio carregando a encomenda saísse da Europa, o governo paulista mudou de mãos. Paulo Maluf assumiu o cargo e fez a primeira das muitas alterações no contrato.
As locomotivas seriam montadas pela Emaq, uma empresa com sede no Rio de Janeiro – 38 chegaram a ser parcialmente construídas. Mas, em 1986, mais um problema: a Emaq pediu falência.
“Nós tínhamos dado dinheiro à Emaq, para fazer as locomotivas e, como ela tinha ido à falência, precisávamos achar outra empresa que fizesse locomotivas”, conta Washington Matias, ex-diretor financeiro da Fepasa.
No ano seguinte, o consórcio europeu contratado pela Fepasa enviou duas locomotivas para o Brasil para que fossem usadas nos testes das linhas. Atrasos nos pagamentos, discussões intermináveis continuavam atrasando os prazos.
Em 1995, uma nova diretoria da Fepasa tomou a decisão: o ambicioso projeto de eletrificação não sairia papel.
“A tecnologia mudou, as condições econômicas mudaram e o projeto virou economicamente inviável”, diz Washington Matias.
As duas locomotivas que chegaram ao país para testes estão abandonadas, pichadas e paradas. As outras 78 locomotivas que deveriam hoje estar circulando entre Minas e o Porto de Santos, para aumentar as exportações brasileiras, tiveram um destino ainda mais triste: nunca foram terminadas.
“Elas nunca vão mais funcionar, só se vai vender isso como ferro velho. Infelizmente o dinheiro já foi gasto, já foi perdido”, acrescenta Alberto del Bianco, da Associação Brasileira de Preservação Ferroviária.
Hoje todo o caso está na Justiça. O presidente da Fepasa na época acha que o consórcio que deveria entregar as locomotivas deve ser responsabilizado.
“A rede ferroviária tem uma ação, cobrando indenização do consórcio, entre US$ 80 milhões e US$ 110 milhões de ressarcimento. O pessoal levantou e acha que pagaram a mais”, diz Aírton Santiago, diretor da rede ferroviária federal.
“Uma tragédia, uma tragédia em um país pobre”, lamenta Washington Matias.
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