O Transfretur informou que pode ir à Justiça contra as regras anunciadas pela prefeitura em relação aos ônibus fretados. Para a assessora jurídica da entidade, Regina Rocha de Souza Pinto, a medida fere o Plano Diretor, que estabelece prioridade para o transporte coletivo na cidade. O sindicato, no entanto, terá de aguardar a publicação da portaria com as novas regras, o que não tem prazo para ocorrer. A entidade também não descarta fazer manifestações na cidade.
Ideal é organizar, e não proibir, dizem técnicos
A maneira como atuam hoje os ônibus fretados atrapalha tanto o transporte coletivo convencional como os carros.
Isso, na avaliação majoritária de especialistas, justifica a necessidade de reorganização do sistema, mas não a restrição anunciada pela prefeitura -que pode inviabilizá-lo e estimular a opção pelo carro.
Entre os principais problemas atribuídos aos fretados estão as paradas desordenadas para embarque/desembarque em vias saturadas e a existência de muitos veículos e rotas clandestinas, sem autorização do município.
A alternativa para esses problemas, dizem, seria fixar normas rígidas (como aprovação prévia detalhada de rotas, paradas e horários) e fiscalização.
Por exemplo: em vez de parar dez vezes numa determinada avenida para embarcar e desembarcar usuários, os fretados poderiam ser obrigados a parar em só um ou dois pontos da mesma via ou só em outra menos saturada.
“Há abusos por parte do fretamento? Sim. O que você me diria, então, das irregularidades dos ônibus comuns? Não é por isso que você vai impedi-los de rodar”, afirma Cláudio Senna Frederico, ex-secretário dos Transportes Metropolitanos.
Outra preocupação de especialistas é a falta de capacidade do transporte público para abrigar os usuários de fretamento -ao menos com algum nível razoável de conforto.
Um exemplo simbólico é a superlotação na linha 3-vermelha do metrô. A prefeitura espera que os usuários de fretados façam baldeação em estações como Belém e Barra Funda. Mas a linha já tem picos com mais de 9 passageiros por m2 -contra um patamar considerado aceitável de até 6 por m2.
Situações semelhantes ocorrem no restante da rede de metrô, trens e até ônibus, cuja demanda não para de crescer. Só neste ano já houve alta de quase 3% dos usuários. Em 2008 o serviço de ônibus teve a pior avaliação da década.
A cada 8 fretados, só 1 ônibus comum na Funchal
Considerada a “meca dos fretados” por trabalhadores da região, a avenida Funchal, na zona sul, concentra pontos de embarque desse tipo de transporte por toda sua extensão.
Levantamento da Folha no horário de pico de circulação de veículos naquela área verificou que, a cada oito ônibus fretados -todos eles próximos à capacidade máxima de lotação- apenas um ônibus municipal circula pela região.
“Moro a duas horas daqui. Se eu optar por pegar o municipal, ainda tenho que esperar passarem pelo menos uns cinco até conseguir entrar”, disse Luiz Evandro Silva, analista de TI.
Funcionário de uma empresa localizada na avenida Engenheiro Luiz Carlos Berrini há quase um ano, ele disse que só foi trabalhar na área porque era guarnecida de fretados.
Segundo a Transfretur (sindicato das empresas do setor), São Paulo tem 5.450 veículos fretados registrados em circulação. Empresas de ônibus fretados dizem que cada ônibus retirado das ruas corresponderá a 20 novos carros na cidade.
Carro é preferência
Com um iPhone em punho, o analista de sistemas Rafael Paulino fala ao celular, acessa a internet e diverte-se com jogos na volta para casa.
Com a restrição, teme voltar a usar o transporte público e ter o telefone roubado. “Mesmo se usar o carro para ir para o serviço, como vou adiantar as tarefas do trabalho, por exemplo? No trânsito que não vai ser.”
Morador da Mooca (zona leste), ele disse que gastará pelo menos 10% de seu orçamento com estacionamento (na faixa de R$ 200 na região da Berrini) e gasolina (cerca de um tanque por semana).
Se optasse pelo transporte público, levaria cerca de uma hora e quarenta minutos e cinco baldeações de ônibus, metrô e trem para fazer um deslocamento que costuma realizar em pouco mais de uma hora.
Julio Rodrigues, estudante, diz preferir usar o transporte fretado ao público, mesmo que metrô, trem e ônibus façam o percurso mais rápido.
“Se proibir mesmo, o que eu duvido, vou tirar o dinheiro da faculdade e comprar um carro.”
A consultora Samantha Fernandes chega a considerar mudar de residência para evitar perder mais de duas horas de casa ao trabalho. Para voltar para casa, o único ônibus que a leva ao metrô circula lotado. “E sabe o destino do ônibus? “Socorro'”, ironiza.
Seja o primeiro a comentar