O trem da Copa

Campeão da Copa das Confederações, favorito para o Mundial de 2010, na África do Sul, e sede da Copa de 2014, o Brasil ainda corre contra o tempo para modernizar não apenas seus estádios, mas também sua infraestrutura de transportes. Das 12 cidades-sede escolhidas para receber os jogos, nenhuma está pronta. De olho nesse mercado, a multinacional francesa Alstom espera convencer governadores e prefeitos a investir num meio de transporte que vem se expandindo por vários países do mundo, mas que ainda é praticamente inexistente no Brasil: o VLT, Veículo Leve sobre Trilhos. Trata-se de um trem de superfície, com capacidade para transportar até 300 passageiros e uma velocidade máxima de 80 km/h. “É a alternativa mais eficiente e de mais rápida implantação para a Copa de 2014”, disse à DINHEIRO o presidente mundial da divisão de transportes da companhia, Philippe Mellier. “Novos sistemas de metrô são importantes, mas dependem de investimentos maiores e demandam mais tempo em obras de infra-estrutura do que o VLT.”


O VLT, na verdade, assemelha-se aos bondes ou tramways do passado, mas as novas versões são muito mais eficientes. Em várias cidades, o sistema de trens já não depende mais de fios elétricos e tem baterias alimentadas a partir do solo. Com um nível mínimo de ruídos e sem emissão de gases tóxicos, é também uma alternativa ecológica para enfrentar os congestionamentos urbanos. Seu consumo de energia por passageiro equivale a 10% do de um automóvel e 25% do de um ônibus. Por isso, o VLT foi a sensação do último Congresso Mundial de Transporte e Mobilidade Urbana, realizado em Viena, na Áustria, que também utiliza o sistema e é considerada a metrópole mundial com melhor qualidade de vida. Na Europa, os VLTs estão presentes em cidades como Madri e Barcelona, na Espanha, em toda a França e em Roterdã, na Holanda, que tem a maior frota urbana do mundo, com 53 trens. Além disso, o sistema está em Melbourne, na Austrália, e um contrato foi assinado com as autoridades de Dubai, nos Emirados Árabes. O mercado global desses trens movimenta 2,1 bilhões de euros e deve crescer 4,7% em 2009, com destaque para a América Latina, com alta de 40%.


No caso brasileiro, a primeira cidade a apostar no VLT foi Brasília. O projeto, que deve ficar pronto até 2010, prevê a integração dos trens com o metrô e também com uma nova rodoviária que está sendo construída. Assim, os ônibus deixariam de circular no centro da capital federal e numa das principais avenidas da cidade, que é a W3. “O VLT vai revolucionar nosso sistema de transporte e revitalizar uma região decadente”, prevê o governador do Distrito Federal, José Roberto Arruda. O contrato, de R$ 390 milhões, deve ser assinado nas comemorações do 7 de setembro, durante a visita do presidente francês Nicolas Sarkozy ao Brasil, o que revela a importância política que a França, primeiro país a desenvolver os TGVs (os trens de alta velocidade), dedica ao setor ferroviário.


Na Alstom, a expectativa é de que o exemplo de Brasília seja seguido por outras cidades-sede do Mundial de 2014. “A Copa, na verdade, já é amanhã e as decisões têm que ser tomadas o quanto antes”, diz o presidente da filial brasileira da empresa, Philippe Delleur. A pressa seria necessária não em razão do prazo para executar os projetos, mas sim pelas exigências burocráticas que cercam as licitações. Outro grande projeto de transporte, o trem-bala entre Rio de Janeiro e São Paulo, também teria que ser licitado em 2009 para poder ficar pronto antes de 2014. De qualquer forma, várias capitais brasileiras já estudam projetos de VLT e outros sistemas de transporte. Ainda assim, o Brasil está muito atrasado, quando comparado a outros países que estão recebendo grandes eventos esportivos. Um deles, a Rússia, que, também em 2014, será sede da Olimpíada de Inverno, na cidade de Sochi. O Kremlin já começou a gastar US$ 12 bilhões na modernização da infraestrutura da cidade e dos sistemas de transporte. “A Rússia é hoje o maior mercado de trens do mundo”, avalia Mellier, o presidente mundial da divisão de transportes da Alsom. Além disso, os trens de alta velocidade são o carro-chefe de vários programas de investimento ao redor do mundo. Na China, o programa que visa equiparar o país ao Japão soma US$ 300 bilhões. E mesmo os Estados Unidos, terra do automóvel, acabam de incluir um pacote de US$ 50 bilhões para aumentar o transporte sobre trilhos.


A Alstom, com receitas de 5,7 bilhões de euros na área de transportes e um faturamento global de E 16,9 bilhões, que inclui a área de energia, terá que superar alguns desafios adicionais no Brasil, além de convencer as autoridades a adotar o VLT e vencer as licitações. Nos últimos anos, a empresa esteve frequentemente associada a escândalos de corrupção, depois que uma investigação na Suíça levantou indícios de pagamentos de propina em vários países. Segundo Mellier, isso “faz parte do passado” e, a seu favor, ele conta com o fato de o Ministério Público de São Paulo ter pedido o arquivamento de três ações contra a Alstom, por falta de provas. Há duas semanas, porém, a empresa voltou a ser atingida, com as denúncias de que o tesoureiro de campanha do ex-governador Mário Covas, Robson Marinho, teria recebido US$ 1 milhão. Outro desafio será enfrentar a crescente concorrência asiática. O governo do Rio de Janeiro, por exemplo, decidiu comprar 30 trens na China. A vantagem da Alstom é o fato de ser a única fabricante de equipamentos ferroviários da América Latina, com quatro mil funcionários e duas fábricas em São Paulo – da capital paulista saíram os novos trens das linhas do metrô de Nova York.


MANAUS:
com grandes congestionamentos nas vias de acesso ao centro, o VLT é visto como alternativa mais eficiente para enfrentar o problema
SALVADOR:
o governo prevê gastar R$ 1,3 bilhão no metrô e na modernização das vias de acesso ao estádio da Fonte Nova
BELO HORIZONTE:
está prevista a construção de uma linha metroviária de 10,3 km entre os bairros da Savassi e da Pampulha, onde fica o Mineirão
CURITIBA:
tida como cidade-modelo em transporte, prevê investir R$ 400 milhões no seu núcleo urbano, com 53,6 km de corredores de ônibus
PORTO ALEGRE:
a cidade planeja construir um metrô de 37,4 km e capacidade para 80 mil passageiros/hora. A primeira fase teria 13,2 km
RIO DE JANEIRO:
estão previstas a modernização do metrô e dos corredores expressos de ônibus, assim como a construção do Arco Metropolitano
SÃO PAULO:
além da modernização dos trens da CPTM, há um projeto para integrar essa malha ferroviária a um sistema de trens urbanos


O presidente mundial da Alstom Transport, Philippe Mellier, falou à DINHEIRO sobre o potencial de negócios com a Copa de 2014


DINHEIRO – O que o Mundial pode representar para a modernização dos sistemas de transportes no Brasil?


PHILIPE MELLIER – Como país do futebol, o Brasil irá sediar uma Copa particularmente especial e deverá mostrar ao mundo em 2014 o que tem de melhor. E hoje não se pode dizer que as cidades estejam prontas para receber os milhões de turistas que virão. Nós acreditamos que a Copa poderá ser um grande catalisador de novos investimentos.


DINHEIRO – Mas as decisões têm acontecido na velocidade adequada?


MELLIER – Muita coisa tem sido discutida, mas é importante decidir, passando da intenção à prática. Países que irão receber grandes eventos, como a Inglaterra, sede das Olimpíadas, e a Rússia, sede dos Jogos de Inverno, já estão investindo bilhões na melhoria do transporte. A Rússia é hoje o maior mercado de trens do mundo. O Brasil tem que se dar conta de que 2014 já chegou. As obras só estarão prontas se forem licitadas agora.


DINHEIRO – O trem-bala entre Rio e São Paulo ainda é viável?


MELLIER – A engenharia brasileira é plenamente capaz de realizar um projeto dessa magnitude, do qual queremos participar. Mas é uma obra complexa, com grande qu

Fonte: Revista Istoé Dinheiro

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