O Brasil está aproveitando o trem-bala que ligará o Rio a São Paulo e Campinas para testar uma novidade que visa à redução dos custos para minimizar os impactos ambientais das grandes obras de infraestrutura.
Desde o início das discussões sobre o trem-bala, a área ambiental acompanha e interfere no projeto, tendo mudado traçados e sugerido soluções para que o empreendimento cause o mínimo dano possível nos 511 quilômetros do trajeto, que corta a Serra das Araras. Para o ministro do Meio Ambiente, Carlos Minc, a “catequese ambientalista” se provará eficiente: a estimativa é que quem vencer a licitação gastará no máximo 1% dos R$ 34,6 bilhões da obra em ações como adotar parques e implementar barreiras acústicas.
Para se ter uma ideia de quanto o acompanhamento prévio pode reduzir desembolsos, esse mesmo custo na BR-319, que liga Porto Velho (RO) a Manaus (AM), chega a 93,7% do valor da estrada. Como contrapartida pelo prejuízo que a rodovia de R$ 697 milhões trará à Floresta Amazônica, o Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit) terá de bancar investimentos ambientais de R$ 653,5 milhões.
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— No caso do trem-bala, está sendo escolhido o trecho de menor impacto. Por onde ele passa e tem cidade, vai ter de botar uma barreira acústica, plantando árvores dos dois lados. O empreendimento vai ter de adotar parques e botar dinheiro em educação ambiental, que temos cobrado de todo grande empreendimento — disse Minc.
O plano para minimizar os danos do trem-bala ao meio ambiente envolve a adoção de até sete unidades de conservação no trajeto, entre elas o Parque Nacional de Itatiaia e a Reserva Biológica Tinguá. Outras medidas estão sendo definidas.
SOS Mata Atlântica: impacto menor que o do rodoanel
Estudo prévio da Prime Engenharia identificou as áreas ambientalmente delicadas, como mangues, mananciais, várzeas e cavernas, além das de proteção e conservação. Todas as informações foram incluídas no software que simulou os caminhos possíveis, para a escolha do percurso mais viável. Portanto, a questão ambiental foi determinante desde o nascimento do traçado do trem-bala.
— Não havia um traçado que depois foi alterado. Ele já foi criado levando em consideração as restrições ambientais — disse o diretor-geral da Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT), Bernardo Figueiredo.
Ainda assim, já que o traçado final pode sofrer ajustes, a ANTT — que é a empreendedora do trem de alta velocidade (TAV) — já começou a trabalhar no EIA/Rima (estudo de impacto ambiental). A intenção é deixar encaminhado o processo de licenciamento antes da assinatura do contrato com o consórcio vencedor da licitação, que deve ocorrer em julho em 2010.
— Se a gente puder entregar a obra já licenciada, melhor— afirmou Figueiredo, lembrando que o licenciamento ambiental é hoje a principal batalha das grandes obras, e que as principais ligações do trem-bala têm de ser entregues antes da Copa de 2014.
— O mais importante é o percurso. Já sobrou tão pouquinho da Mata Atlântica, só faltava o trem cruzar o que sobrou dela — disse Minc, lembrando que o fato de o novo trem tirar da rota uma grande quantidade de carros e ônibus é outro ponto positivo do projeto.
Para o diretor da SOS Mata Atlântica, Mário Mantovani, o trem-bala terá menos impacto que o rodoanel em São Paulo.
Diferença de US$ 6 bi para 1 orçamento
Quando o governo anunciou que o projeto da construção do trem-bala brasileiro sairia do plano das ideias e se tornaria realidade dentro do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), o orçamento era de US$ 11 bilhões. Mas com a proximidade do edital, previsto para setembro, os valores cresceram, e o custo que será apresentado aos potenciais empreendedores chega a US$ 17 bilhões (R$ 34,626 bilhões).
Segundo o diretor-geral da Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT), Bernardo Figueiredo, a diferença está na mudança das referências técnicas do projeto e na inclusão de outros gastos, como desapropriações e medidas de compensações socioambientais, que só podem ser calculados após encerrados os estudos técnicos e de demanda. Ele contou que o primeiro orçamento do PAC surgiu a partir de duas propostas anteriores.
A primeira, elaborada em 1997 por um consórcio reunindo Siemens, Odebrecht e Interglobal, utilizaria tecnologia alemã para um trem de média velocidade, aproveitando a malha já existente, por US$ 6,3 bilhões. A outra, da Italplan Engineering, de 2004, era de um trem-bala orçado em US$ 9 bilhões, sem paradas intermediárias e sem ir até Campinas.
Figueiredo ressaltou que as obras civis do projeto definitivo, calculadas em R$ 24,583 bilhões, estão próximas do previsto inicialmente no PAC. O restante se refere a medidas socioambientais (R$ 3,894 milhões), sistemas e equipamentos de eletrificação, sinalização e comunicações (R$ 3,409 bilhões) e o próprio trem (R$ 2,739 bilhões).
Em outras obras, dificuldades para obter licenças e custos mais altos
A área ambiental tem rendido uma conta salgada para grandes obras de infraestrutura.
Além dos atrasos causados por questões ecológicas, que muitas vezes acabam nos tribunais, o preço final de projetos estratégicos pode superar em muito as expectativas iniciais dos empreendedores.
A demora na concessão de licenças ambientais é reiteradamente criticada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
Na última quarta-feira, o ministro de Minas e Energia, Edison Lobão, condenou a dificuldade para cumprir o cronograma de hidrelétricas: — Eu acredito que é mais fácil subir num pau-de-sebo do que obter licenças ambientais para a construção de novas hidrelétricas, o que é lamentável. Porque a energia hídrica é a mais limpa e a mais barata para o consumidor brasileiro.
Lobão lembrou o caso da Usina de Estreito, no Rio Tocantins, na divisa com o Maranhão, que já foi interrompida sete vezes.
Orçada em R$ 3,2 bilhões, o gasto para mitigar o dano ambiental será de R$ 280 milhões — 11,5% do total. Já a hidrelétrica de Santo Antônio, no Rio Madeira (RO), teve de abrigar 28 programas socioambientais a um custo de R$ 900 milhões, ou 6,6% dos R$ 13,5 bilhões previstos para sua conclusão.
— Hidrelétrica é sempre uma guerra: o governo quer todas, e os ambientalistas não querem nenhuma — reconheceu o ministro do Meio Ambiente, Carlos Minc.
Outro exemplo: uma comissão formada por ONGs, religiosos, indígenas e ribeirinhos se encontrou com Lula na tentativa de impedir a licitação para a construção da Usina de Belo Monte, no Rio Xingu (PA), cujo valor é de R$ 7 bilhões.
Em alguns casos, como o da BR-319, os custos ambientais quase igualam os da obra. Com orçamento de R$ 697 milhões, a pavimentação de 400 quilômetros entre Porto Velho (RO) e Manaus (AM) custará mais R$ 653,5 milhões em ações de compensação ao meio ambiente. O cálculo foi feito pelo Ibama, que fez dez exigências para conceder a licença ambiental — como implementar 29 unidades de conservação no trajeto, ou 120,5 milhões de hectares de parque.
Apesar de serem consideradas mais sustentáveis do ponto de vista ambiental, algumas ferrovias, como a Transnordestina, também têm dificuldade em obter licenças.
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