TAV se espalha em países emergentes

Com quatro décadas de atraso, os trens de alta velocidade estão chegando ao mundo em desenvolvimento, onde mais de dez países inauguram suas primeiras linhas ou avançam em projetos com essa tecnologia, ligando as suas principais cidades. A expansão dos investimentos em infraestrutura, o aumento da renda per capita e até mesmo o orgulho nacional de ostentar um projeto grandioso começam a abrir uma nova fase para os trens-bala. “É a hora dos países emergentes”, diz Philippe Delleur, presidente no Brasil da Alstom, empresa francesa que ganhou o contrato para uma linha de alta velocidade na Argentina e confirmou o interesse em participar da licitação para o trem Rio-São Paulo-Campinas.


O Shinkansen, primeiro projeto do gênero, foi inaugurado no Japão em 1964. A tecnologia chegou à Europa em 1981, quando entrou em operação comercial a ligação entre Paris e Lyon. Foi só em 2003 que deixou de ser exclusividade dos países ricos, com a abertura da primeira linha na China. Um ano depois, os chineses já operavam o trem mais rápido do planeta, com o sistema baseado no princípio da levitação magnética), que viaja a até 430 km/h e liga uma estação em Xangai ao aeroporto internacional da cidade.


Hoje, a China tem 4.075 quilômetros de linhas de alta velocidade planejadas e outros 3.404 quilômetros já em construção, incluindo o Expresso Pequim-Xangai, linha orçada em US$ 31 bilhões e que reduzirá de dez para cinco horas o tempo de viagem entre as duas cidades, separadas por 1.318 quilômetros. Em março, a Turquia inaugurou parte da ligação entre Ancara e Istambul.


Índia, Irã e Marrocos têm projetos de trem-bala em estudo. A Arábia Saudita planeja o “Trem do Islã”, ligando em 30 minutos as duas mais importantes cidades para os muçulmanos, Meca e Medina. Já a Rússia quer montar uma rede de linhas de alta velocidade até 2020. Estão previstos, até 2010, investimentos em torno de US$ 8 bilhões. Em um primeiro momento, um conjunto de novos trens está sendo implementado no trajeto Moscou-São Petersburgo, diminuindo o tempo de viagem para 3h45. No futuro, até 2018, será construída uma linha paralela à atual, com velocidade operacional de 330 km/h.


O vice-presidente técnico da Alstom Transporte, François Lacôte, enumera três fatores determinantes para a adoção dos trens-bala por um país. Além de concentração populacional nas duas pontas do projeto – para alimentar a demanda -, o nível de renda dos habitantes precisa ser compatível com o valor das tarifas cobradas a fim de viabilizar o investimento.


O terceiro fator é a “vontade política” dos governos, afirma Lacôte, um dos pais do TGV francês. “Na Coreia, os três elementos estavam presentes”, diz o executivo e pesquisador. O país asiático adotou a tecnologia da Alstom em 2004 e hoje quer participar do trem brasileiro. “Já nos Estados Unidos, faltava o terceiro elemento, mas isso pode mudar com o governo Barack Obama.”


O presidente da WerkShire Infraestrutura e Participações, José Alexandre Resende, acrescenta dois outros ingredientes: a topografia e a disposição dos governos em conceder subsídios para a operação das linhas. “O transporte ferroviário de passageiros em trajetos de longa distância é subsidiado no mundo inteiro”, diz Resende, que esteve no comando da Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) entre 2002 e 2008.


Já a topografia é decisiva no valor dos investimentos necessários. No eixo Rio-São Paulo-Campinas, onde o relevo é fortemente acidentado e 90 quilômetros serão percorridos em túneis, o custo foi estimado em R$ 34,6 bilhões. No percurso de 710 quilômetros da linha Buenos Aires-Rosário-Córdoba, o relevo mais plano e o aproveitamento parcial de corredores existentes diminuem o investimento para cifras próximas de US$ 3 bilhões.


Para o executivo francês, os trens de alta velocidade devem ganhar mais espaço em todo o mundo, por causa das preocupações com o aquecimento global. “É um crime contra o ambiente usar avião para trechos de 500 quilômetros”, diz Lacôte. Segundo ele, a emissão de CO2 por passageiro transportado é 50 vezes menor no trem-bala do que no avião.


Na França, a participação das empresas aéreas caiu para 10% do total de passageiros em ligações ferroviárias que podem ser cobertas em até duas horas. A opção pelo avião, em trajetos como Paris-Lyon, passou a ser adotada basicamente por passageiros internacionais em conexão na capital francesa. Nos trechos de até três horas, como Paris-Marselha, a relação é de 70% de passageiros para o TGV e de 30% para o aéreo.


Apesar do cenário promissor para os trens de alta velocidade nos países emergentes, ainda é no mundo desenvolvido que eles mais se expandem. A Espanha deve mais do que triplicar a rede atual e a França tem um plano de novas linhas para os próximos 15 anos. Para a Alstom, que fabrica composições de carga e trens de metrô, por exemplo, o TGV só representa de 10% a 15% da receita de sua divisão de transportes.


Viabilidade do investimento divide especialistas


A viabilidade do investimento no trem de alta velocidade (TAV) Rio-São Paulo-Campinas ainda não é consenso entre especialistas no setor. Uma das maiores críticas é sobre o custo da obra, estimado em R$ 34,6 bilhões no relatório da Halcrow, consultoria britânica contratada pelo governo. José Alexandre Resende, presidente da WerkShire Infraestrutura e Participações e ex-diretor-geral da Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT), afirma que o projeto não para em pé se não houver subsídio de pelo menos 50%.


Para ele, o custo é muito alto para o Brasil “se dar ao luxo” de implementar o empreendimento e o país “perdeu o bonde” do trem-bala. “Faria muito mais sentido gastar esse dinheiro em dez cidades diferentes, aplicando R$ 3 bilhões em cada uma delas para expandir a rede de metrô, o que resolveria um problema crônico de transporte público de massa”, completa Resende, citando outra prioridade. Ele avalia que a travessia da Serra do Mar, da Serra das Araras e de vários centros urbanos torna inviável o investimento no TAV brasileiro.


O engenheiro Fábio Tadeu Alves, especializado em planejamento e sistemas de trens de alta velocidade, pondera que o valor do investimento não deve ser visto isoladamente, mas considerando vantagens e benefícios indiretos. Segundo ele, a adoção de um trem-bala entre duas cidades densamente povoadas pode desenvolver novos setores da economia. “Principalmente o setor imobiliário, no entorno das estações, mas se potencializa a pesquisa ferroviária e as indústrias metalúrgica, eletrônica e de engenharia civil”, diz Alves. Além disso, trata-se de uma grande oportunidade para reorganizar concentrações urbanas que tiveram crescimento desordenado.


O relatório da Halcrow indica nove “vantagens associadas” à implantação e à operação do trem: indução ao desenvolvimento regional, aliviando áreas de maior densidade urbana; redução de gargalos dos subsistemas de transporte aeroportuário, rodoviário e urbano; postergação de investimentos na ampliação e construção de rodovias e aeroportos; menor uso do solo comparado à construção ou ampliação de rodovias; redução de impactos ambientais e emissão de gases poluentes em decorrência do desvio da demanda do transporte aéreo e rodoviário; redução dos tempos de viagem associados à baixa probabilidade de atrasos; aumento do tempo produtivo para os usuários; geração de empregos; queda do nível de congestionamento e do número de acidentes em estradas.


Grupos japoneses, alemães, franceses, espanhóis, coreanos, italianos e chineses já demonstraram interesse em participar da licitação do TAV brasileiro, cujo edital deve sair até o fim deste ano. O primeiro grupo a confirmar a intenção de disputar o projeto, após a divulgação dos estudos da Halcrow, foi o francês. Liderado pela Alstom, prevê a operação do sistema pela SNCF. De acordo com Philippe Delleur, presidente da Alstom no Brasil, os quatro grandes

Fonte: Valor Econômico

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