O pensador do longo prazo

Aos 85 anos, o engenheiro Eliezer Batista trabalha 12 horas por dia no escritório da avenida Graça Aranha, centro do Rio, no edifício sede da Federação das Indústrias, onde presta consultoria a empresas. A escrivaninha em que lê, estuda e contata pesquisadores de todo o mundo é abarrotada de livros técnicos de engenharia, “papers”, revistas corporativas, jornais. Num pequeno CD player ele ouve seus compositores clássicos prediletos, Wagner e Bach. É um ambiente simples e tranquilo. Nas paredes, mapas diversos e um maior, do mundo, sugerem espaços ilimitados para reflexão.


Num país onde, como ele próprio diz, “predomina a mentalidade do curto prazo” e “falta educação para todos”, Batista bem pode ser um exemplo de dedicação ao desvendamento de caminhos para o futuro e à busca do conhecimento necessário para se percorrer esse trajeto, a partir do que seja possível fazer já no presente. Por ver-se assim, e por ser assim, visionário e realizador, Batista acha que pode contribuir para encorajar as novas gerações a trabalharem pelo desenvolvimento nacional. E aceitou que se fizesse um documentário sobre sua vida, intitulado “Eliezer, o Engenheiro do Brasil”, de Victor Lopes. O filme, segundo ele, busca transmitir aos jovens, entre os quais inclui seus 11 netos, a mensagem de que, bem educados, poderão fazer coisas como as que ele fez, e até ir além.


Nos últimos 60 anos, o engenheiro ferroviário, que iniciou a vida profissional construindo a Estrada de Ferro Vitória a Minas, da então Companhia Vale do Rio Doce, ergueu o porto de Tubarão, no Espírito Santo, tocou o gigantesco projeto Carajás, dando início à exploração das riquezas da maior província mineral do mundo, no Pará, e deu contribuição fundamental para que a Vale se tornasse uma potência internacional, na mineração, na operação logística e na siderurgia, a partir da compra de uma siderúrgica nos Estados Unidos, em 1984.


“Visionário”, “guru da logística”, “construtor de catedrais” são expressões com que o identificam. Batista não recusa as qualificações. “Tenho o pensamento de fazer coisas grandes. O lucro fácil e a especulação não levam a nada. Num país deste tamanho, não vale fazer projetinho miudinho, não tem significação nenhuma.” Além de presidir a Companhia Vale do Rio Doce por duas vezes, Batista foi ministro das Minas e Energia de João Goulart, o que lhe rendeu a pecha de comunista e ameaça de prisão após o golpe de 64. Fundou o Conselho Empresarial Brasileiro de Desenvolvimento Sustentável (CEBDS), foi secretário de Assuntos Estratégicos do governo de Fernando Collor e consultor do governo Fernando Henrique Cardoso.


Hoje, cercado pelo carinho de sete filhos e da segunda mulher, a microbiologista Ingrid, gaúcha descendente de alemães, com a qual se casou em 2009, Batista se dedica à consultoria e a negócios de florestas comerciais ligados à mudança climática, em sua propriedade localizada na região de Pedra Azul, no Espírito Santo. Depois de viver 35 anos no exterior, fazer 250 viagens ao redor do mundo, das quais 168 ao Japão, ele se considera um homem feliz. “Me sinto realizado pessoalmente e profissionalmente, satisfeito por ter feito coisas grandes, que geraram muitos empregos.”
Para Batista, o Brasil vai bem, mas carece de “estadistas” que toquem um projeto nacional focado na educação, capaz de avançar em ciência e tecnologia e infraestrutura, “para não perder o bonde do Primeiro Mundo para a China”. Seriam governantes que pensam mais no futuro do país e em desenvolvimento sustentável.


A seguir, trechos da entrevista dada por Eliezer Batista ao Valor, numa tarde de janeiro.


Valor: O Brasil ainda é o país do futuro ou já é um grande país no presente?


Batista: É quase um grande país. Um esforço maior de educação, coragem cívica e empreendedorismo pode nos levar lá. Hoje, tirando a África, somos a última fronteira do mundo a ser explorada. O Brasil é um colossal reservatório de recursos naturais pouco conhecidos. Este é um desafio para todos os brasileiros, principalmente para a nova geração, de querer entrar nisso aí e fazer acontecer.


Valor: O que o sr. acha que falta para o país encarar tal desafio?


Batista: Faltam estadistas. Precisamos ter estadistas, homens que pensem muito mais no nosso futuro, na melhoria do padrão de vida da nossa população, levando-a a níveis cada vez melhores e com respeito ao meio ambiente. É a questão do desenvolvimento sustentável, inspirado no projeto Carajás (da Vale), onde as partes ambiental, econômica e social foram simultaneamente tratadas. Hoje, você acrescentaria a isso a questão integrada do território. A ideia é fazer tudo ao mesmo tempo.


Valor: Projetos que o sr. executou trouxeram problemas ambientais ou sociais?


Batista: Tivemos problemas no porto de Tubarão, por falta de mão de obra qualificada, que foi preciso formar, e por falta de um projeto de urbanismo, que resultou em criação de favelas no entorno da obra. Na época (anos 1950), conseguimos evitar situação pior porque compramos para a Vale a reserva ambiental de Linhares, de 23 mil hectares, e assim impedimos que fosse destruída. Em 1957, a devastação das florestas do Norte do Espírito Santo era uma tragédia. Para tentar mitigar esse processo, eu e o professor [Antonio] Dias Leite inventamos a Lei Florestal, que gerou a Aracruz Florestal, que depois se tornou a Aracruz Celulose, a primeira companhia de capital aberto do Brasil.


Valor: Nos anos 1970, o governo militar distribuiu terras na Amazônia às multinacionais, para criarem gado.


Batista: Os militares não incomodaram a nós, do projeto Carajás. Por temer a destruição da floresta no Norte do país, nós (da Vale) criamos uma área de preservação ambiental de 1 milhão de hectares de floresta ao redor do projeto. E digo a verdade, os militares não nos incomodaram, pois se alguém tivesse que falar algo contra eles era eu, pois fizeram uma grande injustiça comigo.


Valor: No documentário, aparece Marcos Vianna, então presidente do BNDES, dizendo ao ministro Delfim Netto que o sr. não era comunista, e o ministro retrucando: “Como não? Ele fala até russo!”


Batista: Foi o que você viu. Falo russo e já falava naquela época. O que tem falar russo? Na época do golpe eu era presidente da Vale do Rio Doce. Me tiraram da Vale porque eu era comunista. e fui trabalhar com o dr. Antunes [Augusto Trajano de Azevedo Antunes], criar a MBR (Minerações Brasileiras Reunidas). Ele me salvou da prisão. Em 1977, o Dias Leite, que era ministro das Minas e Energia, me convidou para salvar a Vale. Fui presidir a área internacional da empresa, em Dusseldorf, e reconquistamos o mercado de minério. Foi um período dramático. A Vale se preparava para tocar o projeto Carajás, descoberto em 1974. Eu fazia os estudos todos, apesar de morar na Europa. O projeto Carajás era gigantesco, com reservas medidas de 18 bilhões de toneladas de minério de alto teor e o Japão era o grande mercado.


Valor: Foi aí que o sr. descobriu as possibilidades de negócios com os japoneses?


Batista: Não, foi antes, no projeto do porto de Tubarão. Em Carajás, inovamos com um tipo de financiamento até então desconhecido, o “project finance”. Não teve um tostão do governo federal. Foi uma luta. Tomei pau prá chuchu, todo mundo dizia que nós (a Vale) íamos derrubar o preço do minério. Foi tudo ao contrário. Tivemos o maior sucesso, por causa da qualidade do minério. E fomos apoiados pela frota de navios que criamos para levar o minério direto ao Japão.


Valor: O sr. sempre teve visão de futuro. Seu filho Eike [o empresário Eike Batista, a maior fortuna do Brasil e uma das maiores do mundo, segundo a revista “Forbes”] herdou do sr. o espírito de estrategista?


Batista: Ele herdou da família toda e foi além. Não o influenciei em quase nada, a não ser nas linhas gerais de pensamento de fazer coisas grandes e globais. Num país deste tamanho não se vai faz

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