A venda de tecnologias ambientais é um alicerce do grupo alemão Siemens para enfrentar a crise econômica na Europa. Produtos “verdes” respondem por um terço do faturamento de € 77 bilhões da empresa no mundo e cresceram 11% em 2009. Não é preciso olhar com lupa esta performance para ver que as economias emergentes estão na dianteira. A China é ao mesmo tempo grande competidor e mercado gigantesco. O Brasil é o mais atraente – e aqui o alvo está nos grandes centros.
Alemães têm intimidade com temas ambientais, mas a estratégia da Siemens tem sido mais direta neste ponto desde 2007, quando o economista austríaco Peter Löscher, 53 anos, assumiu a presidência. A preocupação em cortar gases-estufa e poluir menos, melhorar o transporte público, a segurança e a saúde de seus habitantes torna megacidades como São Paulo um megamercado, sem falar da Copa e das Olimpíadas do Rio. “Especialistas estimam que as cidades no mundo investirão € 27 trilhões em abastecimento de água, energia e transporte nos próximos 25 anos”, diz ele. A seguir trechos da entrevista que o CEO da Siemens concedeu ao Valor por e-mail:
Valor: Qual a fatia dos produtos verdes nos negócios da Siemens?
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Peter Löscher: Temos a maior carteira de investimentos “verdes” do mundo e o forte crescimento deste portfólio ambiental tem estabilizado nosso negócio na crise. A receita deste segmento cresceu 11% em 2009 chegando a € 23 bilhões e nossa expectativa é que continue assim.
Valor: Como a Siemens participa do plano de Londres de cortar emissões em até 60% até 2020?
Löscher: Fizemos um estudo que pode ser usado para priorizar ações que reduzam emissões e que mapeia custos e ferramentas tecnológicas. Londres pode atingir sua meta sem grande mudança no estilo de vida da população. O custo seria menos que 1% do valor adicionado bruto de Londres em 20 anos, ou € 300 anuais por habitante.
Valor: Que tecnologias poderiam melhorar a vida em São Paulo?
Löscher: Em Londres os tradicionais ônibus de dois andares estão funcionando com nossa tecnologia elétrica. Comparado ao sistema diesel convencional, o híbrido emite 40% menos e consome 30% menos combustível. Em São Paulo, a Siemens e a Agrale desenvolveram um ônibus híbrido que reduz as emissões de CO2 em até 30%. A frota de ônibus públicos de São Paulo tem 15 mil veículos. Seria possível economizar e diminuir a poluição.
Valor: Como o fracasso da conferência de Copenhague afetou as vendas da empresa?
Löscher: Mesmo que tenhamos esperado mais de Copenhague, a revolução verde já começou e não tem volta. Governos do mundo todo estão inestindo pesado em soluções ambientais.
Valor: Diz a ONU que 6 milhões de pessoas passam a viver em condições precárias a cada ano. Serão 889 milhões em 2020. O que sugere para reduzir este quadro?
Löscher: A luta contra a pobreza é complexa e a batalha não pode ser ganha só com tecnologia, mas ela pode ser um instrumento que reduza o sofrimento. Lembro de um projeto da Siemens no lago Vitória, no Quênia. Muita gente que vive nas margens do lago não tinha luz elétrica. Fizemos um projeto que prevê o uso de lâmpadas econômicas alimentadas a partir de pequenas estações de energia solar e assim conectamos aquelas pessoas.
Valor: Quanto a empresa investe na pesquisa e desenvolvimento de novos produtos sustentáveis?
Löscher: O mundo em 2020 será mais verde e a Siemens também. Este segmento já representa mais de um terço de nossa receita e este desempenho continuará crescendo a despeito da crise. Produzimos turbinas a gás muito eficientes, somos líderes em fazendas offshore de energia eólica e na inovação da energia solar térmica, o trem mais rápido do mundo e que consome só 0,3 litros de gás por 160 km é da Siemens. Para ficar à frente, gastamos € 4 bilhões em P&D sendo mais de € 1 bilhão em pesquisa e desenvolvimento de produtos ambientais. Temos mais de 56 mil patentes e 32 mil pesquisadores no mundo.
Valor: Como o senhor avalia o avanço chinês neste mercado?
Löscher: As empresas chinesas estão ficando muito competitivas no setor, mas a China também é um enorme mercado para produtos verdes. Estudos indicam que o país pode ser um mercado de US$ 1 trilhão em tecnologias ambientais em 2013. A meta de cortar emissões por unidade de PIB em 40 a 45% até 2020 e os grandes investimentos planejados em infraestrutura urbana sinalizam nesta direção.
Valor: A Siemens pensa em participar do trem-bala brasileiro?
Löscher: É um projeto no qual estamos interessados.
Valor: Qual o interesse do grupo no mercado energético brasileiro?
Löscher: O Brasil é um dos principais países no uso de renováveis mas na medida em que cresce, precisará de mais energia. Eólica e biomassa podem suprir parte desta demanda. A Siemens já vende tecnologia para biomassa e está entrando no mercado eólico brasileiro. Globalmente, as renováveis deverão responder por 40% dos investimentos mundiais em geração de energia até 2030. Cerca de 52% deste total virá de eólica e solar terá a mais alta taxa de crescimento.
Valor: Com a crise, os emergentes se tornaram mais atraentes?
Löscher: A metade do crescimento global entre 2008 e 2014 virá de países do Bric (Brasil, Rússia, Índia e China) e do Oriente Médio. Os Bric já respondem por 30% da nossa receita e o Brasil definitivamente é um dos mercados mais atraentes.
Valor: As megacidades já são um mercado grande para a empresa?
Löscher: Certamente. Até 2015, o número de megacidades com mais de 10 milhões de habitantes saltará de 22 para 26. Centros como São Paulo e Rio terão que enfrentar seus desafios. Seus habitantes querem qualidade de vida, ar limpo, água boa e segurança energética. As pessoas precisam de cuidados médicos, querem sistemas de transporte adequados. Especialistas estimam que as cidades no mundo investirão € 27 trilhões em abastecimento de água, energia e transporte nos próximos 25 anos.
Valor: Produtos verdes não são muito mais caros?
Löscher: De maneira alguma. Economia e ecologia podem caminhar bem juntas. Modernizamos os sistemas de iluminação, aquecimento e ar condicionado de cerca de 1000 edifícios públicos no mundo. Os clientes reduzem despesas com energia em média em 40% e a economia estimada é de € 2 bilhões.
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