Mato Grosso, a escolha do futuro

Se a ferrovia é tão importante para Mato Grosso, se ela está na lei do Plano Nacional de Viação e existe até uma concessão federal para sua execução, se já tem um traçado até Cuiabá aprovado em 1977 pelo Ministério dos Transportes e se esse traçado quando da discussão pública de seu EIA/RIMA no ano 2000 era considerado viável pela Ferronorte bastando uma pequena correção em atendimento a um parecer da FUNAI – também aceita pela Ferronorte – por que então essa ferrovia não foi construída até hoje?


Na verdade, por trás dessa questão da ferrovia estão em jogo dois projetos de futuro para Mato Grosso. Por um a ferrovia passa por Cuiabá, e pelo outro, a ferrovia não passa por Cuiabá, ou melhor, a ferrovia não pode passar por Cuiabá. Como Cuiabá é o maior reduto eleitoral do estado, esse jogo não pode ser aberto por seus defensores, tendo sido habilmente dissimulado até agora.


O primeiro projeto tem quase 5 décadas e a cada ano se revela mais atual, mostrando a extraordinária visão de seus idealizadores, os saudosos senador Vicente Vuolo e o professor Domingos Iglesias. Seu traçado segue a espinha dorsal do estado – a BR-163 – até Santarém, com uma variante para Porto Velho passando por Tangará. Comporta ainda extensões como uma para Cáceres, e até mesmo a recém criada Leste-Oeste. Uma ferrovia para todo o estado, mantendo a integridade geopolítica que faz de Mato Grosso um estado otimizado, e o de maior sucesso no país hoje. Uma ferrovia para levar e também trazer o desenvolvimento, não apenas uma esteira exportadora de soja.


O outro projeto surge com o avanço do agronegócio no estado e a afirmação política de lideranças de alguns de seus segmentos. Por ele a Ferronorte segue de Rondonópolis direto para Lucas do Rio Verde e de lá para Santarém e Porto Velho. Esse projeto é complementado com a nova ferrovia Leste-Oeste e com a pavimentação da MT-130, ligando direto Rondonópolis a Lucas por rodovia, sem passar por Cuiabá. É fácil entender a intenção de deslocar artificialmente o centro geopolítico do estado para dois pólos, um no médio-norte e outro no sudeste, em Lucas e Rondonópolis, e a ameaça que isso representa à atual e exitosa unidade estadual. Quase todo o Mato Grosso platino fica excluído e Cuiabá vira a Ouro Preto do agronegócio, com no máximo um ramal ferroviário a ser construído pela VALEC, como consolação.


O problema deste projeto é a Grande Cuiabá, o maior centro de carga de ida e volta do estado e seu maior reduto eleitoral. Um terminal ferroviário em Cuiabá, ligado a Santarém e Porto Velho impedirá Rondonópolis de ter o maior terminal ferroviário do estado, indispensável ao pretendido deslocamento geopolítico ao sul. Já o problema do projeto original da Ferronorte é que ficou órfão politicamente, com as ausências do senador Vuolo e de Dante de Oliveira. Os herdeiros políticos de Dante ficaram com seus votos mas não se movem pela continuidade de sua obra. Outras importantes lideranças cuiabanas foram neutralizadas eleitoralmente na AGECOPA.


As eleições deste ano decidirão este grande jogo. Até agora os candidatos evitam o assunto, os de um lado temendo o poder do agronegócio, os de outro a força eleitoral da Grande Cuiabá. Enquanto isso o projeto excludente avança. É hora dos candidatos com origem em Cuiabá dizerem abertamente de que lado estão. Só assim o mato-grossense poderá escolher conscientemente se apóia o atual Mato Grosso campeão, unido e enxuto, ou se prefere reparti-lo em dois ou três, de volta ao fim da fila dos estados brasileiros, sem vez e sem voz.


* Artigo de José Antonio Lemos dos Santos, arquiteto e urbanista, é professor universitário.

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