Vale vive dias de crise interna

A Vale, maior produtora de minério de ferro do mundo, vem apresentando resultado recorde apesar dos tempos difíceis do mercado mundial. No terceiro trimestre, o lucro líquido da empresa alcançou R$ 10,5 bilhões, e o acumulado em nove meses, R$ 20,1 bilhões. No melhor ano até então, 2008, no período foram R$ 18,8 bilhões. No entanto, nunca Roger Agnelli, o poderoso, admirado e temido CEO da Vale, esteve tão na berlinda.


Faz alguns meses, o processo de tomada de decisões no conselho tornou-se mais arrastado e as decisões de Agnelli deixaram de ser prontamente referendadas pelos acionistas – entre os quais a controladora Valepar, que reúne a Previ, fundo de pensão dos funcionários do Banco do Brasil, e outros fundos, o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), a Bradespar, empresa de participações do Bradesco, e a japonesa Mitsui. Até a presidência do conselho de administração está em compasso de espera: Ricardo Flores, que acaba de assumir a Previ, deve ser nomeado para o lugar de Sergio Rosa, ex-presidente da Previ e chairman da Vale desde abril de 2003.


Na Cidade de Deus, em Osasco (SP), onde fica o headquarter do Bradesco, não há mais sustentação incondicional a Agnelli, um dos mais promissores executivos do banco quando foi indicado para comandar a Vale, nove anos atrás – apesar do prestígio que ele tem junto ao presidente da Bradespar, Mario Teixeira. Agnelli teria violado regra da cultura do banco: não misturar negócios com política e não se indispor, especialmente em público, com governos.


Um dos problemas seria a declaração atribuída ao CEO da Vale de que os boatos de sua iminente saída da companhia seriam motivados por pessoas do PT (Partido dos Trabalhadores) que querem posições na Vale. Em entrevista ao Valor, Agnelli explica o contexto em que tal declaração foi dada (ler na página ao lado), e diz que não foi uma crítica ao partido nem confronto com o governo do presidente Lula.


Os percalços de Agnelli têm explicações diferentes dentro da própria corporação. O Valor ouviu, nos últimos dois meses, diretores e ex-diretores da Vale, atuais e ex-conselheiros da companhia, acionistas, competidores, parceiros e analistas para relatar o que ocorre na empresa, cuja imagem no mercado está sendo arranhada diante da possibilidade de substituição do CEO por razões políticas. Seria apenas um rumor sem consequências, sustentado pelo clima eleitoral, quando ambições se exacerbam, ou haveria outras razões para supor-se que o ciclo da gestão Roger Agnelli completou-se na Vale?


Ele esteve à frente da transformação da Vale de uma empresa com receita líquida de R$ 9,5 bilhões, no ano de 2000, em uma companhia de R$ 48,5 bilhões no ano passado (foi a R$ 70,5 bilhões em 2008, antes da crise, e deve alcançar algo próximo a R$ 72,5 bilhões este ano, segundo previsões de mercado). Ainda pelos padrões contábeis brasileiros, seu lucro líquido veio de R$ 2,1 bilhões em 2000 para esperados R$ 22,7 bilhões neste ano (em 2009, o resultado foi de R$ 10,2 bilhões, depois do recorde de R$ 21,3 bilhões em 2008). O valor em bolsa da companhia passou de R$ 16,7 bilhões no último pregão de 2000, para R$ 275 bilhões na última segunda-feira. Os acionistas receberão cerca de US$ 3 bilhões de dividendos e juros sobre capital próprio relativos a 2010 (em torno de R$ 5,1 bilhões), comparados a US$ 246 milhões no ano de 2000.


A Vale comprou empresas mundo afora, disputou o controle de concorrentes, arrematou a Inco, uma das maiores do mundo em níquel e um dos orgulhos canadenses, diversificou-se para áreas como fertilizantes e carvão e virou um negociador à altura de seu tamanho ao puxar o minério de ferro de um patamar de US$ 20 a tonelada para até US$ 140 em dez anos. Em 2005, surpreendeu o mercado internacional ao emplacar um aumento de 70,5%, quebrando o padrão dos leves ajustes anuais, e este ano voltou à carga com a introdução da sistemática de reajuste trimestral, que em um mercado comprador permite recuperação mais rápida de preço. Soube dimensionar e tirar partido do voraz apetite de quem podia pagar pelo seu produto: a China.


Nesse período, o CEO da Vale tornou-se um dos executivos mais admirados e bem pagos. Em 2009, a remuneração paga à diretoria, que na média teve 6,33 membros no ano, somou R$ 43 milhões. Para este ano oito executivos terão R$ 79,8 milhões, dos quais R$ 23,5 milhões em ações, segundo declaração à CVM (Comissão de Valores Mobiliários).


Por nove anos Agnelli ganhou o prêmio Executivo de Valor, um certificado de sucesso no meio empresarial conquistado em eleição promovida pelo Valor e os maiores headhunters em atuação no Brasil. Por conta desse desempenho, recebeu das mãos do presidente Lula, na festa dos 10 anos do jornal, em maio, um prêmio como um dos cinco executivos da década.


Tudo em sua vida profissional desde que chegou à Vale tornou-se superlativo, o que muitas vezes é criticado interna e externamente. O aparato de seguranças que o cerca em seus deslocamentos, os aviões que o servem – o Global, da Bombardier, que só se rivaliza com o Gulfstream G550, de seu desafeto Eike Batista, ou com o Falcon, da Dassault, todos com preços que variam de US$ 50 milhões a US$ 60 milhões, ou seu mais novo helicóptero da Eurocopter, avaliado em US$ 15 milhões – são de fazer inveja a donos de conglomerados. Mas também é superlativa a carga de trabalho que o executivo se impõe, unanimemente reconhecida como um dos motores do crescimento da Vale.


Mas se não há nada de errado com a companhia e suas perspectivas neste momento, como explicar o ocaso de seu brilhante CEO?


Segundo testemunho de nove diretores e ex-diretores da Vale, Agnelli se desgasta com seu time por sua personalidade forte e centralizadora, demonstra não confiar em seus diretores, proíbe-lhes o contato direto com o conselho de administração e a expressão de opinião, criou um sistema muito pouco transparente de promoções sem critério de meritocracia e acabou por restringir suas relações a um pequeno círculo, incapaz de criticá-lo, no qual desponta Carla Grasso, a diretora de Recursos Humanos e Serviços Corporativos. Com Agnelli, a Vale perdeu muitos de seus valiosos diretores, entre eles Gabriel Stoliar, Mozart Litwinski, Antonio Miguel Marques, Armando Santos, Diego Hernandez, Guilherme Laager, Phil Du Toit, Demian Fiocca, José Lancaster, Murilo Pinto Ferreira, Nélson Silva, Dalton Nosé, José Francisco de Martins Viveiros e Fabio Barbosa.


Ex e atuais executivos reclamam da relação com o presidente e da pouca importância que é atribuída à diretoria executiva, ausente em processos de decisão relevantes. Os diretores executivos, diz um deles, só foram oficialmente informados de que a Vale comprara a Fosfértil (um negócio de US$ 3,8 bilhões) no dia seguinte do anúncio ao mercado. O pedido de demissão de Fabio Barbosa, CFO (diretor-executivo de Finanças) desde 2002 e para o mercado o homem mais forte da companhia depois de Agnelli, assim como sua substituição por Guilherme Perboyre Cavalcanti, foram comunicados aos diretores e conselheiros em lacônico e-mail, numa sexta-feira, 25 de junho, durante o jogo do Brasil com Portugal na Copa do Mundo da África do Sul, deixando todos perplexos. Procurado na segunda-feira seguinte pelo Valor, Sergio Rosa, presidente do Conselho, se disse surpreso. Ele ainda desconhecia as razões da demissão. Da mesma forma o representante do Bradesco, Renato Gomes, admitiu ter sido surpreendido: Fábio tinha um bom trabalho na companhia. Roger comunicou os motivos da sua saída ao representante dos acionistas, Mario Teixeira, ao longo do fim de semana. Mas como estava de férias ainda não recebi a informação, afirmou na época ao Valor.


Naquela mesma segunda-feira, Agnelli colocou seu indicado na sala de Fábio Barbosa. Mas, de forma também pouco usual, Cavalcanti teve que esperar por três meses até ser oficialmente nomeado pelo conselho da empresa. Demorou igualme

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