Bernardo Figueiredo, diretor-geral da ANTT
O Prêmio Ferroviário do Ano já tem uma grande história e consagra a atuação das pessoas no setor ferroviário. A importância deste prêmio é incontestável e reflete como o conselho responsável pelo processo de escolha percebe a atuação dos agraciados.
A representatividade deste conselho legitima a valorização de nosso trabalho e permite o afloramento de nossa vaidade. Esta dimensão pública do prêmio é a que vai para o registro da história, que serve para animação das estórias e para inspiração das crônicas.
POD NOS TRILHOS
- Investimentos, projetos e desafios da CCR na mobilidade urbana
- O projeto de renovação de 560 km de vias da MRS
- Da expansão da Malha Norte às obras na Malha Paulista: os projetos da Rumo no setor ferroviário
- TIC Trens: o sonho começa a virar realidade
Mas existe outra dimensão deste prêmio da qual gostaria de falar. Esta dimensão é a pessoal, que diz respeito aos meus sentimentos em relação a este prêmio. Ser reconhecido como ferroviário é especial para mim, porque a ferrovia está entranhada na minha história. Meu avô era um agente de estação da antiga Rede Mineira e me impressionava o fato de que cada tio meu tinha nascido em uma cidade diferente em função das transferências do meu avô de uma estação para outra. Meu pai perdeu a mãe aos três meses de idade e foi criado por uma tia que o recebeu de meu avô através da janela de um trem na estação de Sete Lagoas. Meu pai se tornou advogado da RFFSA. Nós morávamos na beira da linha e me lembro da tristeza que senti quando meu pai me explicou que o apito da locomotiva que tocava sem parar e que me acordou no meio da noite era um pedido de socorro. Não conhecia o conceito ferroviário de socorro e fiquei imaginando as dificuldades que a pobre locomotiva estaria enfrentando. Estas marcas de origem devem ter sido o fio condutor que sempre colocou a ferrovia na minha vida.
O primeiro trabalho importante, quando iniciava minha vida profissional no GEIPOT, foi a coordenação da avaliação econômico-financeira do Plano Diretor Ferroviário do Centro-Oeste.
O primeiro “up grade” profissional foi a transferência para a SIDERBRÁS, para onde fui coordenar um projeto para ampliar a participação da ferrovia no transporte de produtos e insumos do setor siderúrgico. Um grande embate foi quando eu era presidente da Comissão de Transporte do IBS e encaramos uma longa negociação com a Vale do Rio Doce e a RFFSA para neutralizar uma tentativa de promover o que considerávamos um abusivo aumento dos fretes ferroviários para o setor siderúrgico. O primeiro grande êxito foi criar uma empresa formada por empresários médios do setor rodoviário, a INTERFÉRREA, e colocá-la no grupo controlador de duas grandes concessionárias de ferrovia, em condições de igualdade a grandes grupos econômicos como a Vale, a CSN e o Grupo Garantia.
Um grande frustração foi não ter conseguido espaço junto às concessionárias privadas de ferrovia para que a INTERFÉRREA LOGÍSTICA, uma associação com um grupo da África do Sul, implantasse um serviço ferroviário dedicado ao transporte de carga geral de grande valor agregado, ocupando a capacidade ociosa de trechos ferroviários que não faziam parte do plano de negócios destas concessionárias. A primeira grande oportunidade foi o convite para participar da formulação e implementação do Plano de Revitalização das Ferrovias no Governo Lula, que acabou orientando os investimentos que estão ocorrendo na expansão da malha ferroviária – Transnordestina, Ferrovia Norte-Sul e Ferrovia de Integração Oeste-Leste e os investimentos que estão programados no PAC 2 – Ferrovia da Integração Centro-Oeste e Ferrovia de Integração do Pantanal. E o grande desafio é cumprir as missões para o setor ferroviário que recebi do presidente Lula e da então ministra Dilma quando fui indicado para assumir a Direção Geral da ANTT.
Uma dessas missões é a de promover o aperfeiçoamento da regulação do transporte ferroviário de cargas para garantir o atendimento do interesse público e das necessidades do país. Promover o aperfeiçoamento da regulação do transporte ferroviário de cargas significa criar um ambiente competitivo no setor ferroviário que permita a formação de preços mais aderentes aos custos ferroviários, que induza a melhoria da qualidade dos serviços e que amplie a inserção da ferrovia no mercado de transportes de cargas. Significa através do fortalecimento econômico financeiro das empresas operadoras e dos empreendedores criar condições para viabilizar o investimento necessário na modernização e na ampliação da malha ferroviária brasileira.
Significa, sobretudo, resgatar a harmonia das relações entre a ferrovia e a sociedade. A outra missão é a de fazer a primeira concessão de transporte ferroviário em Trens de Alta Velocidade no Brasil. O TAV Rio – São Paulo – Campinas é um dos maiores projetos em implantação e tem uma modelagem ousada e desafiadora. Vai promover o equacionamento do transporte de passageiros e a desconcentração urbana na maior aglomeração populacional do mundo. Vai permitir ao país absorver a tecnologia de ponta no transporte de passageiros. E vai contribuir para a sustentabilidade ambiental do eixo que concentra a maior parcela da produção e do consumo do país.
Estas missões representam desafios que são cercados de polêmicas e incompreensões que precisam ser superadas. Desafios que exigem de todos nós a compreensão dos antagonismos e a construção de consensos. Desafios que exigem determinação e discernimento.
Tenho a consciência da minha responsabilidade, a humildade de reconhecer meus erros e a convicação de que trabalho pelo desenvolvimento do transporte ferroviário do país.
A generosidade desta premiação me estimula e me dá força. Meu pai sempre insistiu com os filhos na observação de um trecho da Bíblia que pregava: “porque não és frio, nem és quente, porque és morno, vomitar-te-ei da minha boca”. Ofereço este prêmio a meu pai como evidência de que não fui morno.
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