Benjamin Steinbruch, principal acionista e presidente da Companhia Siderúrgica Nacional (CSN), e o ex-diretor financeiro da empresa Lauro Rezende travam um embate na Justiça americana que decidirá quem é o dono de cerca de US$ 18 milhões em dividendos pagos pela concessionária de ferrovia MRS Logística em uma agência bancária de Nova York. Esse dinheiro, desde julho, está depositado em juízo.
Essa ação é parte de uma disputa judicial maior, incluindo outro processo que corre na Suprema Corte de Belize, sobre a propriedade de um bloco de ações ao portador da MRS, reivindicado tanto por Rezende quanto pela CSN. Esses papéis têm baixa liquidez no mercado, pois a concessionária não tem ações negociadas na bolsa – apenas 0,3% do capital. Todavia, por se tratar de ações com direito a voto e por ser a MRS uma empresa de logística estratégica, esse patrimônio – 7,83% do capital votante – é avaliado em R$ 500 milhões por executivos do setor.
O Valor examinou documentos na Justiça de Nova York e de Belize, país centro-americano, e conversou com advogados e representantes das duas partes. O retrato que surge dessa apuração é um contencioso que inclui acusações de fraudes, furto de documentos e até agressões físicas.
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A juíza que fez a revisão do caso em Nova York, Debra Freeman, afirmou no processo que, embora as evidências pesem em favor da CSN, há uma genuína questão de fato sobre quem é o dono do dinheiro depositado em Nova York e das ações. Na quarta-feira, o juiz Harold Baer Jr. encaminhou o caso para ser decidido por um júri completo em maio.
O contencioso tem suas raízes em 1999, quando foi criada uma firma em Belize chamada International Investment Fund (IIF). Segundo informações, toda a estruturação legal de criação da empresa foi na época comandada por Rezende, com fins de investimentos na MRS. Em seguida, durante dois anos, ela comprou da CSN 14,7 milhões de ações ordinárias ao portador emitidas pela MRS. Conforme consta nos autos do processo, a IIF pagou US$ 3,6 milhões.
A MRS é uma empresa ferroviária com atuação no Sudeste, fruto de privatização em 1996 e tem hoje como acionistas controladores CSN, Vale, Usiminas e Gerdau. Em 2010, faturou R$ 2,5 bilhões e obteve lucro de R$ 440 milhões.
Na época da venda das ações da CSN a IIF, entre 3 de dezembro de 1999 e 27 de fevereiro de 2002, a MRS apresentava fracos resultados financeiros e seus acionistas eram obrigados quase mês a mês a fazer aportes para manter suas operações. Por isso, alguns de seus sócios minoritários estavam inclinados a vender suas participações – Celato, ABS e Ultrafértil. Nos seis primeiros anos, a empresa era totalmente deficitária. Só começou a dar lucro em 2003.
Os acionistas que tinham desejo de permanecer à frente da MRS eram, principalmente, CSN, MBR e Ferteco, para quem a ferrovia era considerada estratégica para transportar minério de ferro, carvão e aço. O principal objetivo da compra de ações dos sócios que anunciaram desejo de sair era resolver um problema patrimonial da MRS e garantir sua sobrevivência financeira, afirma uma fonte.
A CSN tinha interesse em comprar ações dos sócios que decidissem sair, mas estava impedida de fazê-lo pelas regras da privatização da malha ferroviária que fixava cada acionista ter no máximo 20% do capital votante da MRS. A venda pela CSN de ações para a IIF abriu espaço, portanto, para a siderúrgica comprar parte das ações vendidas por ABS, Celato e Ultrafértil, que somavam 17,9% do capital votante da MRS e faziam parte do bloco controlador da ferrovia. CSN e MBR compraram, cada uma, 7,83% das ações dos minoritários e Ferteco Mineração, pouco mais de 2%. Ferteco e MBR, em 2001 e 2003, foram adquiridas pela Vale.
Como já tinha 20% do capital votante da MRS, assim como a MBR – e as regras da privatização impediam passar desse limite -, para fazer isso, a CSN transferiu parte da fatia que já detinha para a empresa de Belize, a IIF, uma offshore criada com duas ações ao portador e que tinha no seu quadro de diretores executivos da CSN, entre eles José Paulo de Oliveira Alves, na época diretor-executivo de infraestrutura, energia e de novos negócios.
A CSN afirma que é a dona da IIF e, portanto, vendeu ações dela para ela mesma, mas a uma entidade juridicamente localizada no exterior, sem acionista definido. Já Rezende afirma que, desde o princípio, ficou combinado que a CSN venderia as ações para uma empresa em Belize, a própria IIF, de propriedade dele mesmo e de outro executivo, José Paulo de Oliveira Alves.
Por razões que até agora não foram completamente esclarecidas, Rezende detém em seu nome as ações e toda a documentação da IIF e, por consequência, as ações que ela detém da MRS e afirma ser o dono dos dividendos pagos pela empresa entre 2005 e 2008. Esse dinheiro foi depositado, segundo informação do processo, por orientação do ex-diretor em uma conta aberta por ele em 16 de maio de 2005 no Smith Barney, banco ligado ao Citigroup, em Nova York. Rezende deixou seu cargo na CSN um mês depois, em 23 de junho.
O ex-diretor, formado em Economia e pós-graduado em Finanças pela Standford University, nos EUA, trabalhou com Steinbruch na CSN em dois períodos – de 1996 a 2002 e de junho de 2003 a junho de 2005. Rezende começou a carreira no ABN Amro como gerente da mesa de operações em 1986. Em 1990 foi para a Aracruz, como gerente de operações financeiras e de lá saiu para ser diretor financeiro da CSN. Em 2002, ele deixou a empresa para ser vice-presidente da CPFL Energia. Ele retornou a CSN em 2003, convidado por Steinbruch para ser diretor-executivo de investimentos. Segundo informações, havia um ótimo relacionamento entre os dois. Em janeiro de 2004, Rezende foi indicado pela CSN como conselheiro da MRS.
Rezende diz que a papelada está com ele desde o princípio porque ele é o legítimo dono. A CSN alega que ele furtou os documentos dos arquivos da companhia em 2003. O ex-diretor, de outro lado, sustenta com apoio de um perito a versão de que a CSN forjou um dos documentos de propriedade da IIF. A CSN questiona a perícia e a qualidade do perito. Mas essa é uma das evidências que levaram o juiz Baer a encaminhar o caso para o júri.
Fontes próximas da CSN informam que a empresa detém uma vasta documentação para provar que a IIF é dela, além de vários testemunhos de ex-diretores que trabalhavam na época na siderúrgica. Dentre eles, Octávio Lazcano, que era da mesma diretoria de Rezende, Alves, Marcos Lutz, Albano Chagas Vieira e Maria Silvia Bastos Marques. E ainda Henrique Aché, diretor da MRS desde a criação da empresa. A CSN, que não quis se pronunciar sobre o caso, somente em 2009 registrou a IIF como empresa controlada integral nos seus documentos financeiros enviados a CVM e à SEC (CVM americana), apesar de formada em 1999.
Foi munido de toda a documentação da IIF que Rezende abriu, em 2005, a conta em Nova York em nome da IIF no Smith Barney para receber os dividendos que a MRS começou pagar em maio daquele ano. Até 2008, os dividendos pagos somaram em torno de US$ 15 milhões.
Curiosamente, nesse tempo todo, a CSN não se deu conta do que ocorria em sua diretoria financeira. Apenas em junho de 2008 é que admite ter descoberto que o dinheiro estava indo para uma conta que alega não ter tomado conhecimento. Lazcano, então diretor financeiro, inquiriu a MRS sobre os depósitos correspondentes ao dividendos da IIF e foi informado de que vinham sendo depositados, por instrução de Rezende, na conta do Smith Barney.
A CSN reclama ainda mais US$ 2,2 milhões de uma conta da IIF no ABN Amro, que teriam sido transferidos ilegalmente em 2001 por Rezende para conta própria no Safra, de Nova York.
Parte dos recursos na conta do Citigroup foi transferida a outras contas no próprio banco e em outras instituições, segundo os autos, abertas por Rezende. Por exemplo, em nome de duas empresas: Rubi Company e H
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