A Corte do Distrito Sul de Nova York deu vitória ontem ao presidente e principal acionista da Companhia Siderúrgica Nacional (CSN), Benjamin Steinbruch, numa disputa milionária com o ex-diretor financeiro da empresa Lauro Rezende.
Por unanimidade, um júri formado por oito pessoas decidiu que a CSN, e não Rezende, é o verdadeiro dono de US$ 15 milhões em dividendos depositados pela concessionária de ferrovia MRS Logística numa conta bancária em Nova York. Também concluiu que a CSN é proprietária de ações da MRS avaliadas em cerca de R$ 500 milhões. Rezende, para os jurados, desviou ainda US$ 2,2 milhões de uma conta bancária pertencente à CSN.
Esse não é, porém, o último capítulo dessa contenta iniciada em 2009 que envolveu outra ação em Nova York e uma terceira em Belize. Rezende anunciou que vai recorrer, num processo que pode levar mais dois anos. “Ganhei duas vezes e perdi uma”, alegou o ex-diretor.
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O julgamento durou sete dias e teve um custo estimado em quase de US$ 2 milhões por um dos advogados da siderúrgica, Michael Carlinsky. O ponto central era apontar o real proprietário de uma empresa com ações ao portador – a International Investment Fund (IIF) – constituida em Belize, um conhecido paraíso fiscal, que detém tanto ações quanto dividendos distribuídos pela MRS Logística entre os anos de 2005 e 2008. O veredito coube a um grupo de jurados sem especialização em finanças, formado por professores, um pequeno empresário, um médico e um trabalhador de empresa de publicidade.
Rezende sentou num banco da corte de Nova York, que julga os casos de Wall Street, com uma grande desvantagem: tinha contra si uma sentença judicial afirmando que ele havia cometido perjúrio e tinha fabricado provas durante o processo. A tática de seu advogado, Ira Glauber, foi destruir a credibilidade de Benjamin Steinbruch, que depôs na segunda-feira e terça-feira, para nivelar os dois lados da disputa aos olhos do júri.
“Essa é uma briga de gatos”, disse Glauber, nas suas alegações finais, apresentando Rezende e Steinbruch como dois amigos muitos próximos que acabaram se desentendendo. A Justiça de Nova York vai decidir, nos próximos dias, sobre acusações de agressões envolvendo as duas partes, durante um depoimento judicial. “Ninguém vai saber ao certo o que aconteceu entre esses dois cavalheiros lá no Brasil.”
O advogado disse ter uma teoria: Steinbruch criou uma empresa num paraíso fiscal, em nome de Rezende, para esconder ações da MRS que ultrapassavam o limite de 20% do controle de capital imposto pela legislação brasileira, como as regras da privatização. “Essas ações não valiam nada”, disse Glauber. “Quando se valorizaram, Steinbruch se arrependeu.” A CSN alega que regularizou a situação com a Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT), que não apontou nenhuma irregularidade no passado.
Rezende apresentou uma gravação de áudio ao juiz em que Steinbruch fala pelo telefone com um provável subordinado sobre “pagamentos feitos a políticos” por meio de contas no exterior. Também juntou ao processo documentos relacionados a pagamentos supostamente referentes à propina ligada à privatização da Vale do Rio Doce [hoje, Vale]. “Faço parte de um passado que Steinbruch quer apagar”, disse Rezende, num intervalo do julgamento.
O Valor não acompanhou a apresentação das gravações em plenário, mas obteve com Rezende uma cópia do material. As transcrições do depoimento de Steinbruch mostram que ele reconheceu a sua própria voz na gravação, mas não se lembrava quando ela tinha acontecido nem da sua substância. “Me parece que é a gravação de uma conversa telefônica”, disse o presidente da CSN, segundo as transcrições.
Glauber também repetiu, várias vezes, que Steinbruch mandou fabricar documentos de propriedade da empresa IIF – e tentou pintar o presidente da CSN como um homem poderoso, representado por um batalhão de advogados, que não estava presente para acompanhar o julgamento.
Já o advogado da CSN, Carlinsky, 46 anos, retratou Rezende como alguém que havia mentido em juízes e que estava mentindo de novo para tomar posse de uma empresa com patrimônio de centenas de milhões de dólares. “Sou casado há 17 anos”, disse o advogado a um corpo de jurados formado por sete mulheres e apenas um homem. “Como se pode explicar que ele nunca contou à própria mulher que era dono da IIF?”, perguntou. Entre a equipe da CSN, formada por quatro pessoas, havia um advogada com gravidez avançada. Rezende disse em depoimento que não era costume dividir esse tipo de informação com as mulheres no Brasil.
Mas a defesa da CSN foi sobretudo técnica, com montanhas de documentos, laudos de peritos e depoimentos de pelo menos 11 testemunhas para apoiar a versão de que Rezende roubou documentos de posse da IIF pertencentes à siderúrgica. “Essa não é uma causa envolvendo Steinbruch e Rezende”, disse Carlinsky. Como a CSN era a autora da ação, cabia a ela o ônus de provar “com mais certeza que incerteza” de que a IIF era sua. Os jurados entenderam que sim. Pelas regras determinadas pelo juiz, a decisão teria que ser unânime.
Não há estimativa de quanto a CSN pagou ao escritório de advocacia, mas por três meses de trabalho numa investigação sobre fraudes cometidas por Rezende foi apresentada uma conta de US$ 1,1 milhão. Rezende pagou US$ 150 mil em honorários ao escritório de Glauber referentes somente aos serviços prestados em abril. Ele tinha dois advogados no plenário.
Com 22 anos de litígios, Carlinsky afirma que um caso como esse é muito raro. Cerca de 99% das disputas são resolvidas por meio de acordo. Mesmo nos casos que vão para júri, afirma o advogado, poucos tratavam de algo tão peculiar como determinar o dono de uma empresa. “É um dos dez casos mais estranhos de minha carreira”, disse. “Na verdade, um dos cinco mais estranhos”, disse ele, que comemorou o desfecho com um soco no ar.
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