O consenso de todas as partes interessadas pelo adiamento do leilão do trem-bala não bastou para sensibilizar o Ministério dos Transportes. Fustigado pelos escândalos de corrupção, até a noite de ontem o ministério estava empenhado em deixar para o último minuto a decisão sobre o adiamento do pregão, mantendo uma expectativa artificial no mercado de que, eventualmente, poderia levar a concorrência adiante, contra tudo e contra todos. Ao chegar ao ministério dos Transportes, ontem, o ministro interino Paulo Passos disse que nada estava definido e que ainda não havia tomado conhecimento dos pedidos de alteração no edital feitos pelo Tribunal de Contas da União (TCU).
A data limite para entrega de propostas comerciais é segunda-feira, mas nenhum consórcio está preparado para isso. Esta semana as principais organizações que representam o setor – a Associação Brasileira da Indústria Ferroviária (Abifer) e a Agência de Desenvolvimento do Trem Rápido entre Municípios (Adtrem) – pediram oficialmente o adiamento do leilão. O consórcio que representa os coreanos, um dos mais interessados no trem de alta velocidade (TAV), esteve em Brasília no início da semana para dizer que não está pronto para o negócio. As grandes construtoras, que jogam pesado em suas propostas de mudanças no projeto, também deram de ombros para o leilão. Finalmente, o Tribunal de Contas da União também veio a público para exigir uma série de mudanças no edital. Muitas dessas alterações, aliás, contam com o apoio da própria Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT), responsável pela realização do pregão.
Entre os pedidos de adiamento, há solicitações que vão de 45 dias a seis meses de prorrogação. Segundo uma fonte, o governo não trabalha com prazo superior a três meses.
POD NOS TRILHOS
- Investimentos, projetos e desafios da CCR na mobilidade urbana
- O projeto de renovação de 560 km de vias da MRS
- Da expansão da Malha Norte às obras na Malha Paulista: os projetos da Rumo no setor ferroviário
- TIC Trens: o sonho começa a virar realidade
O projeto do trem-bala prevê a construção de uma linha férrea de 511 quilômetros ligando as cidades de Campinas ao Rio de Janeiro, passando por São Paulo. A celeuma que se criou em torno da obra desde o início das discussões, há mais de um ano, gira em torno de uma dúvida básica: o preço do empreendimento.
As empreiteiras, que sustentam a tese de que será preciso despejar R$ 60 bilhões no projeto – quase o dobro do que é estimado pelo governo – gostariam que o governo rasgasse o edital atual e refizesse a sua proposta. Na prática, as construtoras defendem que o governo deve assumir o risco do projeto, contratando seus serviços apenas para a construção, ou seja, não seria mais uma concessão, mas uma obra pública, gerenciada por uma estatal. Essa proposta já foi totalmente descartada pelo governo, que quer dividir o risco com seu sócio no projeto.
A polêmica sobre o custo da obra levou o Tribunal de Contas da União a determinar, entre seus pedidos de alteração apresentados à ANTT, que a agência inclua no edital o valor de projeção de receita durante a concessão de 40 anos, e não apenas o valor do investimento previsto. Outra requisição feita pelo tribunal prevê a definição de um prazo máximo para prorrogação da concessão caso o concessionário não alcance equilíbrio financeiro nas quatro décadas previstas. Hoje o edital não tem regra para isso. O órgão fiscalizador também pediu que a ANTT estabeleça um prazo para que o consórcio entregue o projeto executivo do TAV. Todas as ponderações são analisadas pela ANTT e, conforme apurou o Valor, são até bem recebidas pela agência. O governo só não concorda com uma defesa do TCU, o qual defende que parte das receitas extraordinárias do projeto – como a venda de produtos nas estações – deve ser usada para baixar o custo das passagens do trem.
Para a ANTT, no entanto, o que se consome numa estação de trem não é receita extraordinária, já que esse consumo é feito por um passageiro. “É uma questão conceitual. Estamos analisando as colocações. Afinal, pode o TCU determinar que o poder concedente tem de cumprir algo que a lei não exige?”, pergunta Helio Mauro França, superintendente da ANTT.
Seja o primeiro a comentar