Artigo: Fora dos trilhos

*Por Eduardo Fagnani


O debate sobre os transportes públicos é desalentador. Ao lado da esgotada opção pelo ônibus (na forma de corredores), emergem “soluções” elitistas (bicicletas) e utópicas (restrição ao uso do automóvel, pedágio, carona, rodízio etc.). Bicicleta é bom para quem mora em Higienópolis (centro) e trabalha no Pacaembu (zona oeste). Não serve para a minha empregada, que mora no Capão Redondo (zona sul) e trabalha no Butantã (zona oeste). Usar automóvel não é ato de vontade, mas falta de opção.


O problema remonta à década de 1950. A acelerada urbanização não foi acompanhada de ação pública. O setor nunca foi prioridade, e usuários sempre foram tratados como gado.
Em metrópoles europeias, o transporte coletivo prepondera ante o individual. No universo dos meios coletivos, metrô e trem respondem pela maioria das viagens; o ônibus tem papel suplementar.


Caracas e Cidade do México seguem esses parâmetros. Aqui, ocorre o inverso. Entre 1967 e 2007, a participação dos meios coletivos declinou (de 68% para 55%) em favor do automóvel.
No âmbito exclusivo das viagens coletivas, em 2007, o ônibus respondia por 78% dos deslocamentos, ante 16% do metrô e 6% do trem.


Iniciamos tarde o investimento em transporte público e não recuperamos o tempo perdido. Desde 1968, construímos, em média, 1,7 km de metrô ao ano. Na Cidade do México e em Santiago, o ritmo é superior -4,4 km e 2,6 km, respectivamente. Xangai constrói 21 km/ ano desde 90. Aqui, as obras da linha amarela (de 12 km) já levam 16 anos.


O indicador “população por km de linha” evidencia a reduzida oferta. Em 2009, figurávamos entre as dez piores situações globais (278 mil pessoas/km), distantes da Cidade do México (94 mil) e de Santiago (55 mil) e da maioria das aglomerações (entre 10 e 30 mil).


Nosso metrô é um dos mais superlotados do mundo (27mil passageiros por km de linha), taxa superior às da Cidade do México, de Buenos Aires, de Santiago (entre 15 e 19mil) e da maior parte das metrópoles mundiais (inferior a 10 mil).


Com a privatização, o metrô tem de dar lucro. Nos últimos 20 anos, a tarifa subiu quase o dobro da inflação. Em 2009, nossa tarifa (€ 0,99) era semelhante à de Lisboa (€ 1,05). Todavia, o lisboeta trabalhava 14 minutos para comprar um Big Mac; o paulistano, 40. Cidades latinas possuíam tarifas inferiores: Santiago (€ 0,72); Bogotá (€ 0,57); Buenos Aires (€ 0,31) e México (€ 0,18).


Não priorizamos a modernização dos 290 km da CPTM, que demanda investimentos muito menores (pois evita desapropriações e subterrâneos). Em 2007, o metrô (60 km) transportou 2,2 milhões de pessoas/ dia, enquanto a CPTM (290 km) se restringia a 800 mil. Essa disparidade é explicada pela rápida frequência do metrô. Modernizar não é comprar trem. O fundamental é reduzir a frequência. Há muito poderíamos contar com 290 km adicionais de metrô.


O governo estadual é o principal responsável pela crise, seguido pelo município, que não investe no sistema. A União também foi omissa: em 1990, o tema saiu da agenda, só retornando em 2007(via PAC).


Precisamos elaborar uma política nacional assentada na responsabilidade compartilhada entre os entes federativos e ancorada em fontes de financiamento sustentadas.
O Brasil pode resolver essa questão no curto prazo. Estima-se que meio ponto a mais na taxa de juros tenha um custo de R$ 15 bilhões -o suficiente para construir mais da metade da rede de metrô paulistana.


Transporte público em metrópoles do porte das capitais brasileiras requer sistemas de alta capacidade.


Isso é o que separa a civilização da barbárie. Transporte é um direito do cidadão, e não apenas do torcedor da Copa do Mundo.


*Eduardo Fagnani é professor doutor do Instituto de Economia da Unicamp.

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