Ao contrário da crise de energia de 2001, em que os efeitos foram imediatos, o chamado “apagão logístico” já começou, mas ainda não é percebido claramente. “Vai haver uma progressiva incapacidade de cumprir prazos”, diz Peter Wanke, coordenador do Centro de Estudos em Logística do Coppead – o instituto de pós-graduação e pesquisa da Universidade Federal do Rio de Janeiro. “A carga vai ser transportada, mas em prazos maiores. O nível do serviço piora e a fila de espera de navio e caminhão vai crescer.”
A previsão do professor da UFRJ ilustra uma questão que vem do século passado. A infraestrutura brasileira – em especial a de transportes – parou no tempo. “Os investimentos foram negligenciados por longos 25 anos”, comenta Clésio Andrade, presidente da Confederação Nacional do Transporte (CNT). As deficiências são as mesmas há décadas. “Em 1990, fiz um trabalho grande de identificação dos gargalos para uma empresa privada”, conta o consultor Jaime Waisman, professor de Planejamento e Operação de Transportes da Escola Politécnica da USP. “Os problemas hoje são exatamente os mesmos, com o agravante de que o volume transportado aumentou e continua aumentando muito.”
O custo da ineficiência tem sido elevado. Estudo feito pelo Coppead mostra que, na média, as empresas brasileiras gastam 7,5% da receita líquida com logística. Nos Estados Unidos, o mesmo custo representa 4%. Alguns setores sofrem mais. É o que ocorre, por exemplo, com a avicultura. A Ubabef, entidade do setor, estima em 20% a participação da logística nos custos, o dobro do peso da indústria nos EUA. Segundo a entidade, o problema significa perda de US$ 1 bilhão por ano para o setor. Na soja, a situação é parecida. Enquanto o frete de uma tonelada de soja do Centro-Oeste custa em média US$ 120 para exportação, os produtores argentinos pagam US$ 20.
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A questão da soja reflete uma das mais sérias distorções do modelo brasileiro de transporte de cargas, construído sobre rodovias. Com mais de 60% do volume transportado, a rodovia não é uma boa solução para longas distâncias. Mesmo com a privatização das ferrovias em 1996, o perfil não se alterou. De lá para cá, a movimentação de cargas por via férrea cresceu 86% (até 2010). Mesmo assim, o modal representa apenas 25% da movimentação de cargas.
Os investimentos cresceram muito nos últimos anos. O país investe 1,8% do Produto Interno Bruto em transporte, mas precisaria investir 8% para crescer adequadamente, segundo Newton Gibson, presidente Associação Brasileira de Logística e Transporte de Cargas (ABTC).
De acordo com o Banco Mundial, o custo da logística no Brasil equivale a 20% do PIB, o dobro dos países ricos. Mas o setor representa apenas 12% do Produto Interno Bruto.
No processo de saturação do transporte de carga, quem mais deve perder é a indústria, aponta Peter Wanke, do Coppead. Segundo ele, a vocação brasileira de produzir e exportar commodities é responsável por isso. Com preços e volumes mais rentáveis na exportação, por exemplo, as commodities devem ter a preferência tanto no transporte interno quando no externo, tirando ainda mais a competitividade da indústria nacional. “Para o setor industrial, o limite já chegou”, diz. Segundo ele, a exportação de produtos industrializados perderá cada vez mais terreno, por conta dos preços melhores e da infraestrutura mais azeitada dos concorrentes asiáticos.
“Toda a infraestrutura de transporte brasileira está saturada e tecnologicamente defasada e requer investimentos muito maiores dos que estão sendo feitos”, afirma Waisman. “É difícil estimar quanto, mas se eu tivesse que dar um valor, eu diria algo como um trem-bala, R$ 50 bilhões. Então talvez fosse melhor pensar em reformar a infraestrutura de transporte que investir em trem bala.” Segundo o especialista da USP, as obras do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) estão sendo feitas, com investimentos em ferrovias e recuperação da infraestrutura rodoviária, mas as obras caminham devagar. Com a expansão da economia, em vez de diminuir com os investimentos, o “gap” tem aumentado.
“Se passarem mais dois anos com crescimento econômico de 5% vai haver um nó no sistema de transportes brasileiro”, afirma Paulo Fleury, diretor do Instituto de Logística e Supply Chain (Ilos). Segundo ele, os portos já começam a dar sinais de saturação. Embora o movimento de cargas cresça até quatro vezes o ritmo da economia, os acessos aos terminais portuários estão congestionados, com tendência de piora. Na avaliação do Ilos, para ter uma matriz equilibrada de transporte, o Brasil precisaria investir R$ 900 bilhões em um período curto, de 10 a 20 anos.
Resolver o problema custaria entre R$ 400 bilhões e R$ 500 bilhões, conforme estimativas da CNT e do próprio governo em seu Plano Nacional de Logística e Transportes (PNLT). “Realisticamente, esse dinheiro não vai aparecer”, diz Wanke. “A questão não vai se resolver com R$ 6 bilhões ou R$ 8 bilhões de investimentos anuais, como ocorre hoje”, completa Flávio Benatti, presidente da Associação Nacional do Transporte de Cargas e Logística (NTC&Logística).
Nesse caso, diz Wanke, o melhor a fazer seria o país começar a discutir prioridades. O especialista do Coppead, assim como Waisman, acha que questões como trem-bala poderiam ficar para depois. “Se você gasta R$ 50 bilhões para fazer um trem-bala de 500 quilômetros, está gastando R$ 100 milhões por quilômetro construído. Com R$ 2 milhões você faz uma ferrovia convencional.” O investimento permitiria construir 25 mil km de ferrovia e dobrar a malha ferroviária, hoje com 29 mil quilômetros.
Benatti discorda. “Os investimentos nas várias necessidades podem conviver”, diz. Para ele, “o Brasil é tão carente que tudo o que for feito ainda será pouco e necessário”. O ideal seriam investimentos em todos os modais de carga e também no transporte de passageiros. Até a rodovia, o meio mais utilizado para o transporte de cargas, seria beneficiada, diz o presidente da NTC. “Hoje o setor é obrigado a atender necessidades que não são suas obrigações, como percorrer 7 mil quilômetros de caminhão com carga, em operações de baixa competitividade.”
Os especialistas concordam que a solução está na iniciativa privada. Segundo Benatti, é preciso encontrar mecanismos que permitam concessões, privatizações e parcerias público-privadas (PPPs). “As PPPs precisam sair do discurso.” Waisman e Wanke concordam. O país vive uma situação favorável, em que tanto o setor público quanto o privado têm liquidez para investir, o que, bem planejado, poderia resultar numa união de esforços, defende o professor do Coppead.
Enquanto as obras não chegam o que as empresas podem fazer é concentrar-se em fatores que possam diminuir perdas e superar, pelo menos em parte, as deficiências logísticas do país. Estudo realizado pelo Grupo Imam indica que a preocupação com a intralogística – as atividades internas que precedem o transporte de cargas – pode resultar em ganhos tanto de custos quanto de prazos.
A ideia é acabar com perdas crônicas e custos desnecessários que existem por falta de atenção das empresas para os detalhes, afirma Eduardo Banzato, diretor do grupo. Planejar operações de carga, descarga, percurso, entre outras, aliado ao uso da tecnologia, pode proporcionar resultados imediatos. Os ganhos variam, podendo ultrapassar os 50% em capacidade de transporte e armazenagem, diz. De acordo com a pesquisa, os custos operacionais podem cair 10% na empresa toda – e de 30% a 50% apenas na operação logística.
Segundo Banzato, uma avaliação acurada da situação logística de uma empresa gera um cardápio de iniciativas das quais, segundo a pesquisa, 20% podem ser implementadas imediatamente, sem custos, com retornos imediatos, 40% vão requerer algum investimento em pessoal, com retorno em um ou dois meses, e o restante necessita de gastos com tecnologia, mas o retorno não costuma exceder o
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